ODS 1
Amazônia: áreas cruciais para biodiversidade recebem menos investimentos em gestão

Estudo mostra que 50 das 65 unidades consideradas de alta prioridade para conservação da Amazônia possuem gestão fraca ou regular

(Letícia Lopes Dias*) – Cientistas costumam comparar a perda da floresta amazônica a uma biblioteca em chamas, na qual livros ainda não lidos desaparecem antes de podermos conhecê-los. Nesse cenário, as espécies ameaçadas seriam os livros mais próximos do fogo, prestes a virar cinzas.
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Criar áreas protegidas é uma das formas mais comuns de tentar salvá-las. Mas mesmo esses refúgios naturais podem desaparecer, se não forem fortalecidos com uma gestão adequada.
É essa a mensagem central do novo estudo publicado na revista Biological Conservation, conduzido por pesquisadores do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Universidade Federal de Goiás (UFG). A pesquisa analisou 261 unidades de conservação da Amazônia e revelou um paradoxo preocupante: as áreas mais importantes para a biodiversidade são justamente as que recebem menos investimento em gestão.
Foram identificadas 65 unidades de altíssima prioridade para a conservação da Amazônia, territórios que combinam alta diversidade de espécies ameaçadas e grande pressão por desmatamento e degradação. Preocupantemente, 50 dessas áreas têm uma gestão considerada fraca ou apenas regular.
Apenas oito unidades prioritárias apresentaram uma ótima gestão, como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e a Reserva Biológica do Gurupi. Enquanto isso, unidades como a APA Triunfo do Xingu e a APA Baixada Maranhense estão em situação crítica: são prioridades máximas para a biodiversidade, mas operam com gestão precária.
Para definir a importância de cada área, consideramos a presença de espécies ameaçadas de aves e mamíferos, espécies utilizadas por povos e comunidades tradicionais (como a castanha-do-brasil e o tracajá, uma espécie de cágado, ambos parte da dieta de comunidades ribeirinhas e indígenas) e os principais vetores de ameaça, como desmatamento, fogo e extração madeireira.
As áreas mais prioritárias, portanto, são aquelas com maior diversidade biológica e maior pressão humana. São os “livros” mais próximos de queimar da nossa biblioteca.
Sem estrutura e investimento
Para evitar esse desfecho, é fundamental que as áreas protegidas tenham equipes técnicas preparadas e orçamento suficiente para executar ações estratégicas. Isso inclui desde a elaboração de planos de manejo até o monitoramento da biodiversidade.
Nesse contexto, o papel do poder público é central, especialmente no caso das unidades estaduais, que são as mais vulneráveis. Mas parcerias e programas complementares também fazem a diferença.
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Veja o que já enviamosUm exemplo é o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), que há mais de 20 anos apoia a implementação de unidades de conservação na região. O programa atua na formação de conselhos gestores que envolvem a comunidade local na tomada de decisões sobre as unidades, fortalecimento da proteção e monitoramento ambiental. Entre as 261 áreas analisadas no estudo, as 117 com apoio do ARPA apresentaram os melhores níveis de gestão.
A já citada Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, é um bom exemplo de gestão bem-sucedida. Lá, as comunidades apoiam a vigilância do território, definem regras de uso dos recursos e fazem o monitoramento da pesca.
Esse modelo garante o uso sustentável e gera resultados concretos: a recuperação das populações de peixes e o aumento da renda das famílias. A experiência de Mamirauá, apoiada pelo ARPA, mostra que, quando há investimento na governança local e participação comunitária, as áreas protegidas se tornam mais eficazes.
Por outro lado, as unidades localizadas em regiões com alto desmatamento ao redor tendem a ter uma gestão mais frágil, o que é ainda mais preocupante quando essas áreas coincidem com os territórios de ocorrências das espécies ameaçadas e de uso pelas comunidades. A APA Triunfo do Xingu, nesse grupo, segue em cenário de risco, liderando a lista das unidades que perderam mais floresta em 2024.
Sem estrutura e investimento, torna-se improvável que essas áreas cumpram sua missão de conter a perda de biodiversidade.

Estratégias de priorização
Para enfrentar esse cenário, o artigo propõe uma estratégia de priorização para direcionar os investimentos de forma mais eficaz. Isso é essencial para o Brasil cumprir metas globais, como a de proteger 30% do território até 2030, no âmbito do Marco Global de Kunming-Montreal da Convenção de Diversidade Biológica.
No artigo, defendemos um direcionamento prioritário de recursos para aprimorar a gestão das 65 áreas com alto valor ecológico, especialmente aquelas com maiores deficiências. Isso é essencial para honrar o compromisso brasileiro de evitar a extinção de espécies.
Segundo estimativas recentes, o custo anual mínimo para conservar 80% da Amazônia varia entre US$ 1,7 e 2,8 bilhões. Mas os recursos disponíveis estão muito aquém disso. Apenas para gerir as unidades de conservação federais, o custo projetado é de US$ 341 milhões por ano e, em 2016, o gasto efetivo foi apenas 11% desse valor.
Isso evidencia a urgência de ampliar e racionalizar os investimentos, complementando os esforços públicos com mecanismos como o próprio ARPA, que se destaca pela transparência e eficiência.
Além do financiamento, conservar a Amazônia também depende de outras frentes: fortalecimento da fiscalização, combate a atividades ilegais e promoção de modelos sustentáveis de uso da terra.
As áreas protegidas já mostraram ser eficazes: estima-se que tenham evitado 60% do desmatamento previsto. Mas, enquanto o grande incêndio – a crise ambiental e climática – ainda arde, é essencial garantir que essas áreas continuem sendo nossas melhores barreiras contra a devastação.
A escala do desafio exige respostas rápidas, bem planejadas e fundamentadas tanto na ciência quanto na justiça social. Proteger os “livros” mais valiosos da floresta é, também, proteger o futuro comum da Amazônia e do planeta.
*Letícia Lopes Dias é pesquisadora do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas. A pesquisa divulgada faz parte da iniciativa LIRA – Legado Integrado da Região Amazônica, executada pelo IPÊ e financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio do Fundo Amazônia, e pela Gordon and Betty Moore Foundation.

The Conversation
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