Caatinga lidera em energia solar mas sofre com efeito colateral do desmatamento

Bioma tem 62% da área ocupada por usinas fotovoltaicas no país, aponta estudo do MapBiomas, e também concentra projetos de geração de energia eólica

Por Oscar Valporto | ODS 15ODS 7
Publicada em 18 de setembro de 2025 - 07:14  -  Atualizada em 18 de setembro de 2025 - 09:43
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Usina Fotovoltaica Coremas III, em área de Caatinga na Paraíba: bioma concentra 62% da área de usinas de energia solar mas sofre com desmatamento (Foto: Alan Santos / PR / Agência Brasil – 17/09/2020)

A Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro, é protagonista na transição energética do país, concentrando, de acordo com dados levantados pelo Mapbiomas, 62% das áreas de usinas fotovoltaicas do Brasil, que totalizaram 35,3 mil hectares em todo o país em 2024. A Caatinga também registra avanço de projetos de energia eólica, nos estados do Nordeste. O estudo do MapBiomas aponta que a ampliação das usinas fotovoltaicas na Caatinga reflete o potencial solar da região, com 21,8 mil hectares do bioma já ocupados por essas instalações.

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Desse total dentro do bioma, 26% (5,6 mil ha) estão localizados em Minas Gerais. A maior parte da área convertida para usinas fotovoltaicas (52,6%, ou 11,4 mil ha) era anteriormente formações savânicas e florestais, enquanto 35% (7,5 mil ha) eram pastagens. “Essa transição, embora contribua para a matriz energética limpa do país, levanta questões sobre esse uso da terra recente no país e a conservação da vegetação nativa na Caatinga” comenta o professor Washington Rocha, coordenador da equipe da Caatinga do MapBiomas.

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Os dados sobre as usinas de produção de energia solar fazem parte de um detalhado levantamento sobre as mudanças ocorridas na cobertura e uso da terra na Caatinga feito a partir da Coleção 10 de mapas e dados da rede MapBiomas, cobrindo o período entre 1985 e 2024. O relatório revela que o bioma, que ocupa uma área de 86,2 milhões de hectares, ou 10,1 % do território do Brasil, sofreu uma perda de 9,25 milhões de hectares de áreas naturais nos últimos 40 anos, equivalente a 14% de sua cobertura original, com a expansão da agropecuária como principal vetor de transformação.

No ano passado, estudo do MapBiomas, a partir de dados de 2023, já apontava que o desmatamento provocado pelas energias renováveis – solar e eólica – tornou-se a segunda causa da supressão na Caatinga, perdendo apenas para a agropecuária. A caatinga é o bioma mais afetado pelos empreendimentos de energia renovável, já que o Nordeste concentra mais de 90% das chamadas ‘grandes jazidas de ventos’ do território brasileiro e tem também índices de radiação solar mais altos e favoráveis para a geração de energia.

Com a Coleção 10 de mapas de cobertura e uso da terra no Brasil, o MapBiomas passou a identificar também a área ocupada por usinas fotovoltaicas no país. Os dados mostram que o crescimento se deu a partir de 2016, com 822 hectares de área ocupados por instalações de médio a grande porte destinadas à geração de energia elétrica por conversão direta da luz solar, com foco na comercialização da energia. Em 2024, essa área já era de 35,3 mil hectares. Quase dois terços (62%, ou 21,8 mil hectares) estão na Caatinga; cerca de um terço (32%, ou 11,2 mil hectares) fica no Cerrado; e 6% (2,1 mil hectares) está na Mata Atlântica.

Depois de Minas Gerais, estados do Nordeste lideram a área ocupada por usinas fotovoltaicas em 2024: Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte. Estes quatro estados representaram 74% da área mapeada com usinas fotovoltaicas em 2024: 25,9 mil hectares. Entre 2016 e 2024, o ranking de áreas de Caatinga convertidas para projetos de energia solar também tem Minas na liderança, seguido por Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Piauí e Paraíba.

Enquanto as usinas fotovoltaicas se concentram em áreas de planície na Caatinga, os projetos de energia eólica são implantados em regiões mais elevadas. O Nordeste já concentra mais de 90% da geração de energia eólica do país; os estados da Caatinga têm cerca de 900 parques eólicos em operação e outros 600 em construção. Bahia, Rio Grande do Norte e Paraíba são os estados com mais projetos de energia a partir da força dos ventos.

Esses projetos de energia renovável, entretanto, vêm acompanhados de efeitos colaterais, com a multiplicação de conflitos socioambientais, muito além da supressão da vegetação nativa da Caatinga apontada pelo MapBiomas. Comunidades locais – inclusive quilombolas – reclamam do desmatamento, da poluição das águas do rio e do barulho das obras do Complexo Solar Santa Luzia, no norte da Paraíba. No município de Açu, no Rio Grande do Norte, a comunidade de Bela Vista da Lagoa do Piató tem sofrido as consequências da derrubada da Caatinga para a instalação do Complexo Assú Sol: moradores reclamam que, sem a proteção da vegetação, tempestades de areia têm se tornado mais frequentes, em especial no período mais seco, agravando a erosão e dificultando as plantações.

Também há conflitos provocados pela construção de usina de energia eólica. No sertão do Seridó, na divisa do Rio Grande Norte com a Paraíba, comunidades locais reclama do uso de dinamite para instalação os aerogeradores das usinas eólicas. De acordo com os moradores, as obras estão destruindo formações rochosas para abrir as fundações dos aerogeradores. Em Santa Luzia, no Rio Grande do Norte, as comunidades reclama que as explosões constantes, com dinamite, afugentam os animais e criam rachaduras as casas. Esse circuito de parques eólicos, em um corredor na área serrana entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba numa área serrana, de acordo com ambientalistas, ameaça uma área de caatinga preservada, com predominância de vegetação nativa.

Retrato da Caatinga pelo MapBiomas

Em 2024, quase dois terços (59%, ou 51,3 milhões de hectares) da Caatinga ainda são cobertos por vegetação nativa, predominantemente formações savânicas (55,9%). Quando contabilizamos também corpos d’água, praia, duna e areal, a área natural da Caatinga sobe para 52,9 milhões de hectares, ou 61% do bioma. Entre os tipos de áreas naturais, a formação savânica foi a mais afetada, perdendo 8,9 milhões de hectares (15,7%) no período.

A área antrópica na Caatinga aumentou 39% entre 1985 e 2024, somando 9,2 milhões de hectares de expansão. Mais de um terço (37%, ou 32,3 milhões de hectares) do bioma é ocupado por áreas de uso agropecuário. A pastagem é o principal uso antrópico, respondendo por 24,7% do total do bioma e expandindo 106% (11 milhões de hectares) desde 1985. Proporcionalmente, a agricultura foi o uso da terra que mais cresceu, com um aumento de 1636% (1,7 milhão de hectares) no mesmo período. Entre os usos agrícolas, as lavouras temporárias predominam com 1,4 milhão de hectares (74%), enquanto as lavouras perenes ocupam 483 mil hectares (26%).

Essa expansão se deu prevalentemente sobre a formação savânica, que também é a classe de cobertura natural mais afetada por queimadas anualmente, com uma média de 78% das ocorrências. Nos últimos 40 anos, 11,4 milhões de hectares da Caatinga foram queimados, uma área maior que o território de Portugal.

Entre 1985 e 2024, a Caatinga perdeu 66 mil hectares (21%) de superfície de águas naturais. A superfície de água no bioma está predominantemente em hidrelétricas, que ocupam cerca de 390 mil hectares (42%), majoritariamente na bacia hidrográfica do rio São Francisco, com 96% (375 mil ha). Os reservatórios correspondem a 32% da área de superfície de água no bioma (297 mil hectares).

Todos os estados do bioma registraram redução de áreas naturais nesse período, com 86% (1042) dos municípios da Caatinga apresentando perda de vegetação nativa. Apesar disso, 55% (670) municípios da Caatinga possuem mais de 50% de vegetação nativa. Os estados com maior proporção de áreas naturais em 2024 são Piauí (82%), Ceará (68%), Pernambuco (60%), Bahia (58%) e Paraíba (56%). Os estados com menor proporção de áreas naturais no ano passado foram Minas Gerais (50%), Rio Grande do Norte (50%), Alagoas (27%) e Sergipe (24%).

Um décimo (10%) do território da Caatinga está protegido por Unidades de Conservação (8,2 milhões de hectares), que abrigam 13% da vegetação nativa do bioma (6,8 milhões de hectares) em 2024. Três em cada quatro hectares de Unidades de Conservação (UCs) na Caatinga são de UCs de Uso Sustentável (6,1 milhões de hectares). Nelas, houve 11,8% de redução da área de vegetação nativa entre 1985 e 2024 (-563 mil hectares).

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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