ODS 1
Os 55 anos do Dia da Terra – em um planeta ameaçado

Crise climática, aumento da concentração de CO2 e aquecimento acelerado na data criada para conscientização dos problemas ambientais

“É triste pensar que a natureza fala e que a humanidade não a ouve” (Victor Hugo – 1802-1885)
No dia 22 de abril de 2025, celebram-se os 55 anos do Dia da Terra, criado em um contexto de crescente preocupação com a crise ecológica global. A data foi instituída por iniciativa do senador norte-americano Gaylord Nelson, com o objetivo de despertar uma consciência coletiva sobre os problemas da poluição, da conservação da biodiversidade e de outras questões ambientais urgentes para a proteção do planeta.
A primeira edição do evento, em 1970, contou com a participação de mais de duas mil universidades, dez mil escolas primárias e secundárias e centenas de comunidades. Essa mobilização gerou uma forte pressão social que levou o governo dos Estados Unidos a criar a Agência de Proteção Ambiental (EPA) e a implementar uma série de legislações voltadas à preservação ambiental, como o Clean Air Act e o Clean Water Act.
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Veja o que já enviamosOs EUA participaram de várias iniciativas para minorar os efeitos mais dramáticos da degradação ambiental, mas não abandonaram a meta do crescimento populacional e econômico. Na verdade, todos os países do mundo priorizaram o crescimento da economia em detrimento do meio ambiente. Essa escolha foi feita em nome da grandeza nacional e do fortalecimento da presença internacional de grupos de interesse, buscando atender aos objetivos materiais de elites econômicas e das camadas médias que se beneficiaram da desigual pirâmide de renda.
A população mundial era de 3,7 bilhões de habitantes em 1970 e atingiu 8,2 bilhões em 2025, mais do que dobrando no espaço de 55 anos. Mas a economia cresceu muito mais e praticamente sextuplicou no período, aumentando a dominação humana sobre a natureza e ampliando a exploração das riquezas ambientais. A poluição e os resíduos sólidos contaminaram o ar, o solo e as águas. As emissões de CO2 que estavam em torno de 15 bilhões de toneladas em 1970 alcançaram cerca de 45 bilhões de toneladas em 2025, triplicando no período.
Como consequência do crescimento demoeconômico desordenado, a temperatura global aumentou significativamente, enquanto a saúde dos ecossistemas se deteriorou. Os últimos dez anos foram os mais quentes já registrados, e as temperaturas de 2023 e 2024 só encontram paralelo há cerca de 125 mil anos. Em 2024, o limite de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais — estabelecido pelo Acordo de Paris — foi ultrapassado pela primeira vez. O planeta não está apenas aquecendo, mas aquecendo em ritmo acelerado. A humanidade está avançando rumo a um território climático desconhecido, enfrentando temperaturas que jamais foram experimentadas por seres humanos ao longo de sua existência.
Quando o Dia da Terra foi lançado, em 1970, o aquecimento global ainda não era o foco central da agenda ambiental. No entanto, ao longo dos últimos 55 anos, tornou-se uma ameaça existencial para a civilização humana e para a vida das demais espécies do planeta. Um dos principais indicadores do agravamento da crise climática é a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Em 1970, ela era de 326 partes por milhão (ppm); em 2025, deve atingir a média de 426 ppm — um aumento alarmante que evidencia a intensificação da emergência climática.
A Curva de Keeling e a concentração de CO2 na atmosfera
A despeito de toda a discussão internacional, nos últimos 55 anos, a situação do meio ambiente só piorou. Por meio de medições indiretas sabemos que a concentração de CO2 na atmosfera, durante 800 mil anos, antes da Revolução Industrial e Energética, não ultrapassou 280 ppm. Mas, com o início do uso generalizado de combustíveis fósseis, o quadro mudou.
Em 1958, o cientista Charles Keeling instalou no alto do vulcão Mauna Loa, no Havaí, o primeiro equipamento para medir as concentrações de CO2 na atmosfera. Isto possibilitou, gerar uma sólida base de dados, com a medição direta da concentração de gases de efeito estufa (GGE), conforme mostra o gráfico abaixo.
A curva de Keeling mostra que a concentração de CO2 na atmosfera era de 317 ppm em 1960 e passou para 326 partes por milhão (ppm) em 1970, quando foi criado o Dia da Terra. Em 1972, quando ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (ou Conferência de Estocolmo), a concentração de CO2 estava em 330 ppm. A população mundial que era de 3 bilhões de habitantes em 1960, passou para 4 bilhões em 1974.

Na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Rio-92 ou Cúpula da Terra, que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1992, a concentração de CO2 na atmosfera atingiu 357 ppm.
A 1ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (a COP1) aconteceu na cidade de Berlim em 1995. Dois anos depois aconteceu a COP3, quando foi assinado o Protocolo de Kyoto, no Japão e a concentração de CO2 chegou a 367 ppm em maio de 1997. Na Rio+20, em 2012, a concentração de CO2 chegou a 394 ppm. A população mundial chegou a 5 bilhões em 1987, a 6 bilhões em 1999 e a 7 bilhões de habitantes em 2011.
Nos 70 anos da ONU, em 2015, foi realizado a COP21, quando foi assinado o Acordo de Paris, que é um tratado ocorrido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), insistindo na redução das emissões de gases estufa, a fim de conter o aquecimento global abaixo de 2ºC e, preferencialmente, abaixo de 1,5ºC. Naquele ano a concentração de CO2 estava em 404 ppm no mês de maio e 401 ppm na média anual.
Nove outras COPs foram realizadas nos últimos 10 anos e, em 2025, ocorrerá a COP30, em Belém (PA). A concentração de CO2 deve ultrapassar 430 ppm em maio e deve ficar em torno de 426 ppm na média anual.
Portanto, a curva de Keeling continua aumentando, a despeito de todas as reuniões, conferências, acordos e tratados internacionais. E o pior é que a concentração de CO2 continua não só aumentando, mas acelerando o nível de aumento, conforme mostra o gráfico abaixo da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) dos EUA.
Na década de 1960, o ritmo de aumento da concentração de CO2 estava abaixo de 1 ppm ao ano. Na primeira década do século XXI, a concentração de CO2 passou a aumentar em 2 ppm ao ano e na segunda década (2010-2019) atingiu 2,4 ppm ao ano. Na atual década, entre 2020 e 2024, a média de aumento está em 2,6 ppm ao ano.

A crise climática significa clima instável, com variações extremas. Mais furacões, mais secas, mais inundações, mais incêndios e queimadas, mais mortes relacionadas ao calor, etc. Desta forma, haverá mais doenças infecciosas à medida que os insetos se deslocarem para o norte. O Ártico poderá ficar sem gelo no verão e a passagem do Norte poderá ficar aberta a maior parte do ano, agravando a situação de todo o ecossistema.
O nível do mar aumentará alguns metros à medida que as prateleiras de gelo dos polos derretem, produzindo maiores tempestades e inundações mais intensas em áreas baixas ao redor do mundo. Milhões de pessoas serão forçadas a mudar de área ou país. A agricultura terá perda de produtividade e a insegurança alimentar deve se agravar, afetando centenas de milhões de pessoas.
O negacionismo de Donald Trump declarou guerra à regulação ambiental
Sem dúvida, o mundo precisa reduzir as emissões de gases de efeito estufa, reverter a perda de biodiversidade e a degradação ambiental e mitigar os efeitos do aquecimento global. Porém, o atual presidente dos Estados Unidos da América (EUA) está desmontando a cooperação internacional e atacando os mecanismos de regulação climática da governança nacional e global. Donald Trump retirou os EUA do Acordo de Paris e está prometendo aos investidores um território interno, praticamente, sem regulação ambiental e climática.
Além de investir no aumento da produção de petróleo (Drill, baby, drill), Trump assinou, no dia 08 de abril, um decreto para aumentar a produção de carvão mineral (o combustível fóssil mais poluidor). As ações do governo incluirão esforços para salvar usinas de carvão que provavelmente seriam desativadas. Ele criticou as energias renováveis e prometeu trabalhar contra a transição energética, inclusive mantendo altas tarifas contra os investimentos verdes.
Como destaquei no artigo “Os EUA são os maiores emissores históricos de CO₂ e estão desmontando a regulação ambiental” (Alves, 24/03/2025), publicado aqui no #Colabora, o governo Trump vem esvaziando e enfraquecendo agências responsáveis por pesquisas e pela divulgação de dados meteorológicos fundamentais, como a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), que engloba o Serviço Nacional de Meteorologia, o Centro Nacional de Furacões e o Centro de Alerta de Tsunamis. Além disso, está promovendo o desmonte da Agência de Proteção Ambiental (EPA) — exatamente a instituição criada em 1970 como resultado direto das mobilizações do primeiro Dia da Terra.
Também a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) está sendo intimidada por Elon Musk e seu Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês). Tem havido corte de pessoal com alegações de que a agência era “prejudicial à prosperidade dos EUA”, por sua liderança no desenvolvimento da ciência dos oceanos e da atmosfera.
Cientistas e defensores ambientais estão denunciando os cortes, dizendo que eles podem causar danos reais aos americanos, além de provocar um apagão de dados. Donald Trump lançou um expurgo em sites governamentais que hospedam dados climáticos, em uma aparente tentativa de fazer as evidências desaparecerem. Ao mesmo tempo, o governo tem atacado a autonomia das principais universidades americanas, desacreditando os estudos científicos.
Na linha da desregulamentação, o novo governo americano abriu milhares de acres de terra em Nevada e Novo México para perfuração de petróleo e gás, desenvolvimento geotérmico e mineração de rochas duras, revertendo proteções que o presidente Joe Biden havia implementado. A Secretária de Agricultura, Brooke Rollins, anunciou a decisão para permitir a exploração madeireira em mais da metade das florestas nacionais.
No dia 9 de abril, Trump assinou um decreto para mudar as regras sobre chuveiros e outros equipamentos que consomem água. Ao anunciar a medida, o republicano criticou gestões democratas e disse que gostava de lavar à vontade seu “lindo cabelo”.
Além de tudo, o presidente dos EUA está usando o peso do Departamento de Justiça contra o último bastião da ação climática dos EUA: estados e cidades. Em um decreto abrangente, Trump ordenou que a procuradora-geral Pam Bondi “interrompa a aplicação das leis estaduais” sobre mudanças climáticas que o governo considera inconstitucionais, inexequíveis ou preteridas por leis federais.
O decreto nomeia os estados da Califórnia, Nova York e Vermont como alvos específicos, ao mesmo tempo em que lista uma ampla gama de políticas estaduais que o governo buscaria anular — desde sistemas de teto e comércio de emissões até regras de licenciamento. O decreto também visa a série de ações judiciais que estados, cidades e condados, em sua maioria liderados por democratas, moveram contra grandes petrolíferas, buscando indenização pelos estragos das mudanças climáticas, como a elevação das marés e incêndios florestais mais frequentes.
A mais recente ordem executiva de Trump, intitulada “Protegendo a Energia Americana da Excessividade Estatal”, busca sufocar o processo de descarbonização da economia. Ela orienta o procurador-geral a direcionar suas ações para leis estaduais sobre impostos e taxas de carbono, bem como leis estaduais que mencionam termos como “justiça ambiental” e “emissões de gases de efeito estufa”. A ordem visa tomar rapidamente todas as medidas apropriadas para impedir a aplicação das leis estaduais e a continuação de ações civis que o procurador-geral determinar serem ilegais.
A decisão de Trump ocorre apenas um mês após a Suprema Corte, pela segunda vez neste ano, se recusar a aceitar os esforços da indústria e de seus aliados para anular a disputa judicial que pode colocar as empresas de petróleo e gás na mira de bilhões de dólares por suas contribuições para as mudanças climáticas.
Nestes 55 anos do Dia da Terra, os EUA não fizeram tudo que era necessário para evitar a crise climática e ambiental. Mas tomaram várias ações no sentido de proteger o meio ambiente e de amenizar os efeitos mais danosos da degradação ambiental. Muito mais deveria ter sido feito e muito ainda falta a se fazer. É essencial estimular a criação e a implementação de leis ambientais mais eficazes e criar uma rede internacional de cooperação em defesa do planeta.
Em vez de avançar, o governo Donald Trump tem promovido um retrocesso ao desmantelar o arcabouço ambiental existente nos Estados Unidos e ao isolar o país dos principais mecanismos de governança global. Nos 10 anos do Acordo de Paris, a COP30, a ser realizada em novembro de 2025, será profundamente enfraquecida pela atitude do governo americano.
Como maior emissor histórico de CO₂, os EUA desempenham um papel central na crise climática. O avanço do negacionismo ambiental, climático e científico no país pode abrir caminho para o descontrole do aquecimento global, empurrando o planeta rumo a cenários com áreas cada vez mais amplas inabitáveis para a vida humana.
Referências:
ALVES, JED. Os EUA são os maiores emissores históricos de CO2 e estão desmontando a regulação ambiental, # Colabora, 24/03/2025
https://projetocolabora.com.br/ods13/maiores-emissores-de-co2-eua-desmontam-regulacao-ambiental/
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022
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José Eustáquio Diniz Alves
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.