ODS 1
Brasil gastou cinco vezes mais em subsídios a combustíveis fósseis do que em incentivos à energia renovável
Monitoramento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos revela que, apesar do crescimento, estímulos a fontes alternativas representam apenas 18% do total ao setor energético
No ano de 2023, a soma dos subsídios concedidos pelo Governo Federal à indústria do petróleo e outros combustíveis fósseis e às fontes de energia renovável alcançou R$ 99,81 bilhões, crescimento de 3,57% em relação a 2022. A sétima edição do monitoramento dos subsídios – estudo realizado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) – aponta, entretanto, que os combustíveis fósseis ficaram com R$ 81,74 bilhões – 81,9% do total que deixou de entrar ou que saiu dos cofres públicos do País; cinco vezes mais que os subsídios para as fontes renováveis de energia que foram de R$ 18,06 bilhões (18,1%).
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A alta no total de incentivos foi impulsionada principalmente pelo aumento de R$ 3,82 bilhões (26,82%) nos subsídios às fontes renováveis, com a ampliação das renúncias fiscais associadas a programas como o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) e o Reidi (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Infraestrutura) e também à geração distribuída.
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Veja o que já enviamosO engenheiro Cássio Cardoso Carvalho, assessor político do Inesc, destaca que esta expansão dos investimentos em geração de energia a partir de fontes renováveis é um sinal positivo, mas critica os subsídios aos combustíveis fósseis. “Enquanto o Governo Federal não rever os valores dessa espécie de ‘Bolsa Petróleo’ para o setor, a transição energética segue prejudicada”, afirma Carvalho, mestre e doutorando em energia. “Além disso, é preciso entender quem está arcando com os subsídios das renováveis: o estudo aponta que são os consumidores de energia elétrica, por meio da conta de luz, ao passo que a indústria de óleo e gás passa ilesa”, enfatiza.
Para fazer o monitoramento, o Inesc considerou todas as modalidades de subsídios – gastos tributários, gastos diretos e outras renúncias. A análise considera tanto a dimensão do consumo quanto da produção de energia. A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), mecanismo que repassa parte dos subsídios diretamente aos consumidores por meio da tarifa de energia elétrica, também foi considerada.
O monitoramento registrou ainda uma ligeira queda no valor dos subsídios aos combustíveis fósseis em 2023: R$ 372 milhões (0,45%). Os redatores do relatório – Carvalho e a economista Alessandra Cardoso, também da assessoria do Inesc – destacam que, enquanto os incentivos ao consumo de combustíveis fósseis – aqueles que poderiam reduzir a conta da população – foram reduzidos, aqueles destinados à produção (para incentivar as empresas a explorar mais petróleo e gás) apresentaram um aumento de R$ 5,55 bilhões, impulsionados principalmente pela elevação das renúncias associadas ao regime especial de tributação conhecido como Repetro. Esse comportamento contraditório entre produção e consumo contribuiu para estabilizar o valor total dos subsídios nesses dois últimos anos.
Entraves para o fim dos subsídios aos fósseis
De acordo com o Inesc, esta sétima edição do monitoramento buscou fazer uma análise sobre as diferentes categorias de subsídios aos fósseis (produção e consumo), sobre suas implicações e também sobre as resistências associadas ao esforço de revisão. Dos quase R$ 82 milhões em incentivos destinados ao setor dos combustíveis fósseis em 2023, R$ 41,9 milhões foram para a produção – aumento de 15% em relação a 2022 – e R$ 39,7 milhões para o consumo (redução de 12,9%).
O relatório aponta que os subsídios ao consumo concentram-se em dois eixos: a maior parte (91% ou R$ 36,2 bilhões de um total de R$ 39,8 bilhões em 2023) vem da redução ou isenção de tributos sobre o consumo de gasolina, óleo diesel e gás liquefeito de petróleo. “Ao longo do tempo e por distintos governos, as alterações nas alíquotas que incidem sobre os combustíveis (PIS/Cofins e Cide) foram utilizadas como medida de contenção de altas expressivas de preços domésticos, que são o resultado, por sua vez, de contextos globais de oferta e demanda”, afirma o documento. Parcela substancialmente menor (9% ou R$ 3,6 bilhões de um total de R$ 39,8 bilhões em 2023) é resultado de gastos diretos governamentais para apoiar grupos específicos (como o Auxílio-Gás).
Para o próprio Inesc, a reforma dos subsídios ao consumo em curto prazo não parece viável econômica, social e politicamente. “A dificuldade de reverter tais subsídios tem relação com a alta sensibilidade e dificuldade de mudar os preços relativos dos citados combustíveis, quer seja em função do poder de pressão de grupos específicos, quer seja em função do caráter antissocial geral da medida ou, ainda, por causa dos impactos desses aumentos sobre o restante da economia”, destaca o relatório, apontando a necessidade do processo de transição energética em setores como mobilidade urbana e transporte de carga para redução dos subsídios ao consumo dos fósseis.
As características dos incentivos à produção são bem diferentes. O monitoramento aponta que uma parte está ligada ao uso de fontes fósseis pelo setor elétrico (Conta de Consumo de Combustíveis, Carvão Mineral, Termoeletricidade e GNL) – o que representou 36% dos subsídios à produção (R$ 15,11 bilhões de um total de R$ 41,90 bilhões em 2023). “Quase todo esse valor foi pago diretamente pelos consumidores, por meio da conta de luz. Ou seja, a reforma dos subsídios envolve questões relacionadas ao planejamento energético, que deve avançar de forma mais rápida para a redução da dependência do uso de fósseis”, afirma o relatório, frisando a urgência do fim das termelétricas a carvão e a necessidade de evitar a entrada no sistema elétrico de novas térmicas a gás natural.
A maior parte dos subsídios à produção está diretamente relacionada à exploração de petróleo no Brasil: em 2023, de acordo com o Inesc, foram R$ 26,59 bilhões (63,46%), de um total de R$ 41,90 bilhões dos incentivos à produção. São subsídios que correspondem a renúncias tributárias concedidas a produtores de óleo e gás – a Petrobras é a maior beneficiária, mas não a única; em 2023, 267 empresas estavam habilitadas pelo Repetro. “As renúncias bilionárias concedidas a tais fontes afetam a arrecadação da União e, por consequência, a capacidade de entregas de políticas públicas, inclusive daquelas que são cada vez mais necessárias para que o País se adapte às mudanças climáticas”, lembra o relatório.
O próprio documento do Inesc destaca que a redução dos subsídios aos combustíveis fósseis não é uma pauta exclusivamente doméstica, mas uma problemática global. Coautora do relatório, Alessandra Cardoso lembra que o fim dos subsídios ineficientes aos fósseis é um desafio inadiável, assumido na COP28. “O que se espera do governo brasileiro é que reconheça o problema dos subsídios à produção como um problema doméstico, cuja solução passa pela reforma global. O Brasil precisa assumir essa agenda como parte do protagonismo que lhe cabe no cenário global do multilateralismo climático, especialmente, quando será sede da COP 30, tendo a Amazônia como palco”, afirma a assessora do Inesc. “Quanto maior a renúncia fiscal, menor a disponibilidade de recursos para investimentos em políticas públicas essenciais, como as de adaptação às mudanças climáticas”, acrescenta.
Desafios dos incentivos para a transição energética
A sétima edição do monitoramento dos subsídios destaca ainda o avanço das fontes renováveis – sobretudo a solar fotovoltaica e a eólica – na matriz elétrica brasileira. Em 2014, a energia solar representava apenas 0,01% da energia produzida; em 2023, o percentual saltou para 16,75%; a energia eólica era 3,65% na matriz em 2014 e avançou para 12,70% no ano passado. O crescimento – aliada a capacidade instalada das hidrelétricas, fonte principal e renovável – vem reduzindo a necessidade de acionamento das termelétricas, inclusive em períodos de escassez hídrica.
O relatório destaca que o papel dos incentivos para as fontes renováveis, mas também quem tem financiado esses incentivos. “A escalabilidade das fontes renováveis no País está se materializando, dentre outros motivos, em decorrência dos subsídios federais, que, em grande parte, são pagos pelos próprios consumidores de energia elétrica, pela via dos encargos tarifários. Isso acontece graças ao Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa) e à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), a qual engloba, dentre outras despesas, a sub-rogação da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), o Programa Mais Luz para a Amazônia (MLA), o apoio às fontes incentivadas e parte do incentivo à geração distribuída”, detalha o documento.
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De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), ao longo dos últimos cinco anos, os consumidores vêm pagando o aumento do custo da CDE, que passou de R$ 20,20 bilhõesem 2019 para R$ 34,98 bilhões em 2023, o que equivale a um aumento nominal de 73,17%. “É importante destacar que a absoluta maioria dos incentivos à produção das fontes renováveis (R$ 14,46 bilhões) é oriunda de encargos cujos valores estão inseridos na própria tarifa de energia elétrica, ou seja, é o consumidor quem está pagando, por meio do Proinfa, da geração distribuída, das fontes incentivadas, do MLA e da sub-rogação da CCC. Assim, o total de subsídios pagos pelos consumidores de energia elétrica em 2023 representa 79,23% do montante de subsídios às renováveis”, aponta o relatório. Para o Inesc, os produtores das fontes renováveis para a geração de energia elétrica já não necessitam de tantos subsídios, “mas, do lado da demanda, ainda são necessários esforços, inclusive fiscais, para que possamos avançar na transição energética em toda a sua cadeia”.
Na análise sobre os subsídios para as fontes renováveis, o documento lembra a experiência do Brasil na concessão de incentivos sem contrapartidas e salvaguardas sociais e ambientais. “Empreendimentos de grande porte e elevado impacto sempre provocam violações de direitos. Não é diferente hoje com grandes empreendimentos eólicos e fotovoltaicos. Portanto, urge aprofundar e ampliar o debate sobre salvaguardas para o setor de energia renovável, com base no entendimento de que incentivos cada vez maiores são concedidos a tais fontes, ampliando a lucratividade do setor, o que acarreta inúmeras violações de direitos das comunidades afetadas”, destaca o relatório do Inesc, apontando a necessidade de o poder público ser o agente indutor e regulador, para “inibir a perpetuação de injustiças em nome da transição energética”.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade