ODS 1
Fórum do Clima chega à COP28 com o desafio de voltar a ser relevante
Esvaziado no governo Bolsonaro, órgão ganha impulso com a participação de representantes da sociedade civil, da Academia e das empresas
Após o governo negacionista climático de Jair Bolsonaro, o Brasil busca se posicionar novamente como uma liderança internacional na transição energética. Este ano, o governo de Luís Inácio Lula da Silva está trabalhando em uma reestruturação de órgãos, entre eles o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC). Presidido pelo próprio presidente da república, em julho, foi nomeado um novo coordenador-executivo, Sérgio Xavier. Para especialistas, a COP28 é uma grande oportunidade para tornar o órgão relevante novamente na discussão de políticas públicas.
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Criado através do Decreto 3.515/2000 no governo de Fernando Henrique Cardoso com o nome de Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, o organismo tem como objetivo assessorar a Presidência da República, mobilizar a sociedade e contribuir para a discussão das ações sobre a mudança global do clima. É um importante instrumento institucional que foi incorporado à Política Nacional sobre Mudança do Clima do Brasil (PNMCB), instituída com a Lei 12.187/2009. Três anos após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, o então presidente Michel Temer assinou o Decreto 9.082/2017 e instituiu o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, de acordo com a PNMCB.
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Veja o que já enviamosA nova estrutura do fórum será apresentada na COP28, em Dubai, como um modelo a ser replicado para a governança na transição energética. As agendas incluem atividades com a União Europeia e o Reino Unido. Ela é descentralizada, organizada em Câmaras Temáticas de Diretrizes Estratégicas, ligadas aos planos estratégicos do governo, Câmaras de Sistematização por Biomas e Câmaras Regionais, com Coordenações Estaduais. Na prática, o objetivo é que exista um fluxo partindo da base, com propostas que envolvam a participação de ao menos três segmentos (entre eles a Academia, o setor público, o terceiro setor, e o empresariado). A proposta é trabalhar de forma multidirecional e ágil, concretizando o conceito de conferência climática em tempo real.
Estas ideias serão organizadas por bases locais, sistematizada por biomas, por câmaras nacionais e serão consolidadas e referendadas em uma plenária nacional, para então seguir para o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, com 18 ministérios além da Rede Clima, para se tornar uma política pública. No CMI, as atribuições incluem a integração da governança climática regional através de quatro Grupos de Trabalho: atualizar a Política Nacional de Mudança do Clima, Plano Clima (mitigação e adaptação), implementação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões e corrigir a NDC.
Desta forma, o fórum pretende se organizar seguindo a lógica ambientalista de pensar global e agir local. Especialistas explicam que, apesar de ser uma proposta atraente, o grande desafio é que o órgão volte a ser relevante nas discussões sobre implantação das políticas ambientais. Segundo as agendas oficiais, desde que foi nomeado, Sérgio Xavier ainda não teve nenhuma reunião com o presidente Lula ou com a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, apenas com a Secretária de Mudança do Clima, Ana Toni. A gestora fez uma reunião pré-COP com integrantes do Fórum no dia 27 de novembro. Este distanciamento do executivo foi um dos principais pontos para o esvaziamento do órgão nos últimos quatro anos, que busca retomar seu protagonismo.
“O mundo é grande e não sabemos se existem coisas parecidas, mas não conheço uma organização dessa forma. O Fórum pode ser uma referência mundial em governança climática envolvendo a sociedade e criando modelos que podem ser replicados. Trazemos diversas vantagens aos modelos tradicionais exatamente por mobilizar a base da sociedade e juntar instituições para pensar juntas. Queremos um projeto focado em economia, que é o que está causando os problemas e tem que ser reinventada”, avaliou o atual coordenador-executivo.
Dificuldade de continuidade
O início do Fórum foi pensado para engajar e auxiliar o então presidente Fernando Henrique Cardoso nos debates internacionais sobre clima e Amazônia, impulsionado pela discussão do Protocolo de Quioto. O advogado e ambientalista Fabio Feldmann foi o primeiro secretário-executivo: “Mais de uma vez, o (Bill) Clinton ligou para o presidente para falar da negociação de Quioto e ele não sabia nada exatamente o que era mudança do clima”, lembra. Feldmann contou que fazia reuniões com FHC, mas o Fórum também colaborou para criar um diálogo com a sociedade de maneira geral, com comunidade científica, empresariado, governos e sociedade civil organizada para debater as posições brasileiras. Naquela época, havia “pouca densidade” nas discussões, segundo ele.
Desde o começo, a estrutura previa câmaras temáticas e a criação de fóruns regionais, depois criados em estados como Minas Gerais e São Paulo. Um dos trabalhos relevantes da primeira gestão foi um estudo sobre o ciclo hidrológico, realizado com a Agência Nacional de Águas. Anos depois, o fórum teve papel importante para criar a “Estratégia Nacional de Implementação da NDC do Brasil” e o documento “Brasil Carbono Zero em 2060”. Natalie Unterstell foi secretária-executiva adjunta de 2016 a 2018 e participou deste processo que envolveu 650 atores.
“O ponto mais desafiador foi sequenciar e priorizar as ações de mitigação na proposta da implementação da NDC. Isso rendeu muitas rodadas de negociação, mas foi possível chegar a um bom conjunto de medidas priorizadas, além de reformar a governança do Fórum, que até então era muito chapa branca”, explicou Unterstell, que diz que o processo todo gerou um grande nível de confiança que se perdeu na gestão Bolsonaro.
Como o Fórum faz parte da Política Nacional sobre Mudança do Clima do Brasil instituída por lei, o ex-presidente não poderia destruí-lo. O que aconteceu durante a sua gestão foi um processo de esvaziamento, que o deixou “natimorto”, como define Feldmann. Oswaldo Lucon era funcionário da secretaria municipal de São Paulo, lotado como assessor para mudanças climáticas, em 2019, quando recebeu o convite do então ministro do meio ambiente Ricardo Salles para ser o coordenador-executivo do Fórum. Sua gestão durou até 2021, quando renunciou publicamente durante a COP 26, em Glasgow.
Lucon conta que assim que assumiu conseguiu realizar uma reunião com todos os ex-coordenadores-executivos para tentar organizar uma continuidade. Segundo ele, essa é uma das maiores dificuldades do Fórum, que não tem, por exemplo, um site próprio com todos os documentos produzidos em 23 anos de trabalho. Indicado depois do descontentamento do governo com o então coordenador-executivo Alfredo Sirkis, que organizou a iniciativa subnacional “Governadores pelo Clima”, o órgão acabou se reduzindo a um grupo no Whatsapp e a lives organizadas pelo Zoom.
“Eu nunca me encontrei com o Bolsonaro, mal tinha acesso ao Salles, era um peixe fora d’água. O fórum não tinha legitimidade. Ninguém me convidava para nada. Era como se eu fosse a Rainha da Inglaterra na COP 25, de Madri, e na COP 26, de Glasgow, não tinha nada organizado para mim. Tomei um ghosting”, analisou, dizendo que o máximo de comunicação que tinha com ambos era o envio de documentos técnicos através do Ministério do Meio Ambiente.
Expectativa é de retomar o prestígio até a COP28
Com a chegada de Sergio Xavier ao Fórum, espera-se que o diálogo direto com o presidente seja retomado e que o órgão se torne mais do que um espaço de debate, mas um caminho para implementação de políticas públicas para a transição energética. A falta de agenda direta com o presidente, no entanto, dificulta este processo. Os especialistas apontam que o Fórum sempre teve um papel importante de ponte com a delegação oficial da COP e a prestação de contas sobre o posicionamento do Brasil, mas não está claro qual será este papel em Dubai.
Nos últimos quatro anos, diversos setores estiveram distantes do Fórum, mas agora pretendem participar. O órgão aceitou até dia 20 de novembro submissões para as câmaras temáticas. Marcelo Marcondes, diretor da Associação Nacional de Município e Meio Ambiente (ANAMMA), que reúne instituições ambientais a nível municipal, explica que é importante que o governo, através de prefeituras e estados, esteja envolvido nas discussões do Fórum, pois são estes níveis que implementam as políticas públicas. Ele pretende participar do órgão, assim como faz parte dos principais conselhos ambientais.
“Tivemos limitação e espaço para trabalhar no último governo. O que pôde travar, para afastar as pautas, aconteceu em todos os setores. Hoje, a expectativa é outra e retomamos o espaço de diálogo nos municípios. Estamos nos principais conselhos”, avalia, reforçando que é preciso se aproximar das prefeituras, que muitas vezes não tem um nome técnico na gestão nas secretarias de meio ambiente engajados em implementar as políticas públicas.
Para Suely Araujo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, o fórum é um espaço importante para a governança climática, mas ainda enfrenta uma demora devido à reestruturação do próprio governo em diversos ministérios. De acordo com a especialista, o órgão tem todas as chances de influenciar diretrizes: “(Do fórum) Podem sair orientações que são fruto de pactuação política importante e com componentes técnicos robustos”, finaliza.
O que diz o governo federal
A reportagem checou as agendas públicas do presidente Lula e da ministra Marina Silva nos sites da presidência e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Desde que foi anunciado como coordenador-executivo, em julho, Sérgio Xavier não teve nenhum compromisso oficial com ambos. Procurada, a assessoria de comunicação do ministério explicou que o Fórum “tem papel fundamental na mobilização dos setores acadêmico, empresarial e não-governamental para auxiliar o governo na construção de políticas públicas”, que recebe apoio administrativo da pasta e que Xavier se encontra semanalmente com a equipe da Secretaria Nacional de Mudança do Clima. A secretaria da presidência da república não retornou à reportagem.
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Jornalista formada pela PUC-Rio com MBA em Gestão de Negócios Sustentáveis pela UFF. Trabalhou no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e nos jornais O Globo, Extra e Expresso. Atualmente é freelancer e colabora com reportagens para jornais e sites.