ODS 1
Um Rio de Janeiro com cada vez menos rios, bacias e lagos
Análise da Casa Fluminense com dados do MapBiomas aponta que Região Metropolitana sofreu diminuição de 32% da superfície de água entre 1985 a 2022
A Região Metropolitana do Rio de Janeiro sofreu uma redução de 32% da área dos corpos hídricos naturais de 1985 a 2022: a superfície de água – rios, bacias e lagos – passou de 12.052 hectares para 8.247 nestes trinta e sete anos, de acordo com análise da Casa Fluminense — organização que há 10 anos debate políticas públicas para a redução das desigualdades no Rio – sobre dados do MapBiomas. O levantamento indica que a perda de água na Região Metropolitana está bem acima da registrada pelo estado do Rio, que teve uma perda de cerca de 10% dos seus recursos nos mesmo período do tempo.
Os dados fazem parte da nova edição do Mapa da Desigualdade da Casa Fluminense, que será lançado nesta terça (19/09) e reúne indicadores em dez eixos temáticos: habitação, emprego, transporte, segurança, saúde, educação, cultura, assistência social, gestão pública e saneamento, que inclui o abastecimento de água e também o tratamento de esgoto, os desastres ambientais e a coleta de lixo. “O aumento da temperatura e o avanço do desmatamento estão agravando o colapso dos ecossistemas. Vamos ver cada vez mais episódios de falta de água nos momentos em que ela é mais necessária, durante as ondas de calor extremo”, afirma o cientista social Lennon Medeiros, assessor da Casa Fluminense e presidente da Comissão de Crise Hídrica do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos.
Leu essa? Baixada completa 10 anos entre os piores índices de saneamento do país
Na Região Metropolitana do Rio, cinco municípios são responsáveis por 80% dessa perda de corpos hídricos: Rio de Janeiro, Duque de Caxias, São Gonçalo, Guapimirim e Magé, todas cidades à margem da Baía de Guanabara. “As bacias estão perdendo sua capacidade de resiliência hídrica, tornando cada vez mais difícil a captação de água. Quando não tem água o suficiente para todos, são as regiões mais empobrecidas que são alvo das políticas de contingenciamento das concessionárias. Ou seja, para não faltar na Zona Sul, a Baixada fica sem água”, acrescenta Medeiros, especialista em monitoramento ambiental.
De acordo com a Casa Fluminense, essa diminuição da área dos corpos hídricos naturais na metrópole está ligada a tendências urbanísticas que vêm sendo adotadas desde as últimas décadas como os aterramento de bacias, a canalização de rios, poluição, construção de barragens, hidrelétricas e o uso excessivo da água para produção de bens e serviços. O levantamento da rede Mapbiomas, divulgado no primeiro semestre, mostrou que, em todo o Brasil, houve uma redução de 70% da superfície de água no período entre 1985 a 2022.
Ameaças aos pescadores
O município do Rio de Janeiro e a parte de sua Região Metropolitana são banhados pela Baía de Guanabara – e essa metrópole ainda tem, ao sul, a Baía de Sepetiba. Os rios que desaguam nestas duas baías sofrem, além de constantes e crônicos processos de assoreamento e aterramento, com o despejo de resíduos industriais e lixo urbano. Pesquisadores apontam que o crescimento populacional e a expansão urbana e industrial no entorno da Baía de Guanabara ocorreram de forma desordenada, com ritmo e volume muito maior do que suportável para o meio ambiente. O mesmo processo impacta hoje a Baía de Sepetiba.
O curso natural dos rios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro foi alterado ao longo dos anos, sofrendo retificações, canalizações, drenagens e aterramentos. A perda da superfície de água e a própria qualidade da água, lembra a análise da Casa Fluminense afetam a vida das comunidades pesqueiras da Zona Oeste da cidade do Rio, da Baixada e do Leste Fluminense. “Quando me perguntam se o mar está para peixe, eu respondo que está para lixo”, afirma o pescador Luís Carlos Alves, da comunidade pesqueira do Gradim, em São Gonçalo às margens da Baía de Guanabara.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosA poluição das águas é a queixa comum de todas as colônias de pescadores em torno das baías da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Em São Gonçalo, o projeto Águas da Guanabara, desenvolvido pela Federação dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro, com apoio da prefeitura local, retira cinco toneladas por semana de resíduos descartados nos rios Imboaçu, Pomba e Marimbondo, que desaguam na baía. Em Magé, na Baixada Fluminense, os pescadores da colônia Z-9 retiraram, em oito meses, 250 toneladas de lixo dos rios Suruí e Estrela, que também levam à Baía de Guanabara.
Na Baía de Sepetiba, em 2022, 225 mil toneladas de resíduos foram retiradas dos 37 rios e canais que desembocam em suas águas. As praias de Sepetiba, Recôncavo, Cardo e Pedra de Guaratiba, no entorno da baía, vêm registrando os piores índices de balneabilidade medido pelo Instituto Estadual do Ambiente do Rio (Inea). De acordo com o órgão estadual, o assoreamento dos rios é decorrente da erosão e que a região apresenta um problema histórico de ocupação desordenada. E o despejo de indústrias do entorno e a falta de saneamento básico são os grandes responsáveis pela degradação da Baía de Sepetiba. “A poluição da Baía de Sepetiba é muito séria. A gente está abandonado aqui. Os marisqueiros, que antes tiravam mais de 20 quilos do mar, hoje tiram quatro quilos, e muitos dizem que o sabor está amargo”, afirmou o presidente da colônia de pescadores de Pedra de Guaratiba, Sérgio Ribeiro da Silva, no aniversário de 115 anos da associação.
Brasil mais seco
A crise hídrica na Região Metropolitana do Rio de Janeiro faz parte de um problema que atinge todo o país. De acordo com a análise do MapBiomas Água, em 30 anos, o Brasil perdeu 1,5 milhão de hectares de superfície de água – apesar de ter havido uma recuperação em 2022 em relação em 2021. A perda toda no país, entre 1985 e 2022, é como se a água de uma lagoa com dez vezes o tamanho da cidade de São Paulo tivesse evaporado – 1,5 milhão de hectares de superfície de água.
As perdas constatadas no período foram maiores em áreas de vegetação e floresta do que nas regiões urbanas, onde o processo de redução da áreas dos cursos hídricos naturais começou bem antes de 1985. Todos os biomas perderam superfície de água entre 1985 e 2022, com destaque para o Pantanal, onde a retração foi de 81,7%; em segundo lugar, veio a Caatinga, bioma mais seco do país (- 19,1%); e depois a Mata Atlântica, onde se insere a Região Metropolitana do Rio, que perdeu 5,7%. A perda de 32% da superfície de água na metrópole fluminense fica bem acima não apenas do estado como do seu bioma.
O MapBioma constatou a tendência de perda de superfície de água na maioria das bacias e regiões hidrográficas brasileiras. “Apesar do sinal de recuperação que 2022 representou, a série histórica aponta para uma tendência predominante de redução da superfície de água no Brasil”, alertou Carlos Souza, coordenador do mapeamento do MapBiomas, durante o lançamento do estudo no primeiro semestre. “Todos os anos mais secos da série histórica do MapBiomas ocorreram nesta e na última década. O intervalo entre 2013 e 2021 engloba os 10 anos com menor superfície de água, o que torna essa última década a mais crítica da série histórica”, acrescentou.
Relacionadas
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade