ODS 1
Muito pouco, muito devagar
Empresas estão se engajando mais na agenda da mitigação das mudanças climáticas, mas medidas de adaptação também serão necessárias
“Muito pouco, muito devagar.” Esse é o subtítulo de um relatório sobre a chamada “lacuna de adaptação” às mudanças climáticas, lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) no ano passado, às vésperas da 27ª conferência da ONU sobre mudanças do clima, a COP27, realizada no Egito. No enfrentamento à emergência climática, muito se fala sobre o ritmo aquém das expectativas das medidas de mitigação dos gases de efeito estufa, já que, mesmo com os compromissos assumidos por 197 países no Acordo de Paris, a temperatura global já se elevou 1,2ºC em relação aos níveis pré-industriais. Se por um lado a mitigação não tem se dado na velocidade necessária, quando se olha para a adaptação a um mundo mais quente, o quadro é ainda mais desafiador.
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Hoje a conta simplesmente não fecha: segundo o relatório do Pnuma, os custos estimados de adaptação nos países em desenvolvimento são entre 5 e 10 vezes maiores do que os atuais fluxos internacionais e de financiamento para adaptação. Para ter uma ideia, em 2020 os recursos destinados a este fim alcançaram modestos US$ 29 bilhões, mas teriam de ser entre US$ 160 bilhões e US$ 340 bilhões até 2030, preferencialmente em áreas como agricultura, prevenção de desastres, infraestrutura urbana, recursos hídricos e proteção de ecossistemas.
A boa notícia é que 8 em cada 10 países-membros da convenção-quadro da ONU sobre mudanças climáticas têm pelo menos um instrumento nacional de planejamento da adaptação, sendo que 90% deles levam em conta gênero e grupos desfavorecidos, como os povos indígenas e populações em vulnerabilidade social. O Brasil faz parte desse grupo, com novidades como a recente criação da Secretaria Nacional de Mudança Climática, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que tem a adaptação entre as três metas principais, ao lado de fomentar medidas de mitigação, a partir de planos setoriais, e elaborar mecanismos financeiros para dar suporte a essas políticas.
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Veja o que já enviamosNo início de abril, foi lançada também a plataforma ClimaAdapt, que utiliza dados públicos de órgãos que trabalham diretamente ou indiretamente com a mudança do clima e traz mapas que permitem identificar a vulnerabilidade das regiões brasileiras e de sua população aos eventos climáticos extremos. O sistema, inovador e intuitivo, deve auxiliar na formulação de políticas públicas de adaptação e é fruto de uma colaboração entre o governo brasileiro e a Microsoft, uma das associadas ao Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Parcerias como essa mostram o infinito potencial de colaboração público-privada na resposta à emergência climática e têm sido uma das bandeiras do CEBDS desde sua criação, ainda na década de 1990.
Mas nem sempre foi claro o papel da iniciativa privada no combate ao aquecimento global. Um divisor de águas foi o Acordo de Paris, no qual foi estabelecido que os atores não-governamentais, o que inclui o setor empresarial, têm seu papel no combate à crise climática que afeta a todos. Um dos mecanismos que permitem o reconhecimento das ações das empresas é o chamado Global Stocktake (GST), que traz a oportunidade de integrar as ações do setor privado em uma avaliação coletiva do progresso para o atingimento das metas do Acordo de Paris. O GST é uma avaliação mundial que busca dar subsídios aos países para que atualizem e fortaleçam suas ações climáticas, em ciclos de cinco anos, com a primeira avaliação prevista para este ano. Todos os atores não-governamentais são convidados a submeterem contribuições ao GST e participarem dos diálogos técnicos do mecanismo.
E, se por um lado as empresas estão se engajando mais na agenda da mitigação das mudanças climáticas, com ações para medir e neutralizar as emissões próprias e em suas cadeias de valor, é preciso ter em mente que medidas de adaptação também serão necessárias. O setor empresarial pode e deve ser atuante na agenda de adaptação, por meio do aporte e mobilização de recursos técnicos e financeiros, parcerias público-privadas, assim como com sua capacidade de influência e engajamento.
No atual ritmo e sem um fortalecimento das políticas climáticas, o mundo caminha para um aquecimento global projetado de 3,2ºC até o final do século, segundo o mais recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês). Há uma lacuna de implementação que precisa ser combatida, mas é necessário também pensar em como os negócios vão se adaptar a um mundo mais quente e suas consequências – eventos extremos mais frequentes, perda de biodiversidade, impactos urbanos e rurais, fatalidades. Já estamos vendo esse filme, mas podemos alterar o seu desfecho.
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Marina Grossi, economista, é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade com mais de 100 empresas associadas cujo faturamento somado equivale a quase 50% do PIB brasileiro. Foi negociadora do Brasil na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima entre 1997 a 2001 e coordenadora do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas entre 2001 e 2003.