Recordes de chuva no Nordeste levam emergência a quase 100 municípios

Secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudança Climática alerta para eventos extremos do clima e necessidade de adaptação das cidades

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 6 de julho de 2022 - 10:17 • Atualizada em 30 de novembro de 2023 - 15:21

Alagoas debaixo d’água com a chuva recorde nos primeiros dias de julho: Nordeste sofre com clima extremo (Foto: Governo de Alagoas)

Em Alagoas, nos quatro primeiros dias de julho, choveu mais do que o previsto para o mês inteiro. Em Natal, capital do Rio Grande do Norte, bastaram 12 horas no domingo para a precipitação pluviométrica chegar à metade da média mensal; com mais duas dias de temporais, a cidade chegou, nesta terça (05/07), com o índice de chuva 33% acima do previsto para todo o mês de julho. Os recordes de chuva não chegaram a Pernambuco, mas o estado já tem 10 mil pessoas fora de suas casas e, pelo menos, dois desaparecidos. Alagoas registrou seis mortes pelos temporais e mais de 60 mil desabrigados ou desalojados.

O começo de inverno é uma temporada de chuva no Nordeste, mas os recordes registrados nos primeiros dias de julho estão sendo atribuídos pelos meteorologistas ao fenômeno La Nina e as ondas de Leste, ventos vindo do Oceano Atlântico. “Regimes de chuva sempre mereceram análises mais profundas para suas causas, mas hoje há um consenso científico que a emergência climática está provocando eventos extremos – de chuva, de calor, de frio – em todo o planeta. O Brasil vem numa sequência de desastres provocados por eventos climáticos”, afirmou a secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Andrea Santos, professora do Programa de Engenharia de Transportes, do COPPE/UFRJ.

Alagoas começou a semana com 56 dos seus 102 municípios em estado de emergência devido aos temporais. Em Maceió, onde há mais de cinco mil desabrigados ou desalojados, parte da cidade está com a energia cortada; cinco cidades do interior estão sem luz. No Rio Grande do Norte, Natal e mais cinco municípios decretaram estado de calamidade por conta dos temporais. Pernambuco contabiliza 33 cidades afetadas pela chuva intensa; 22 com emergência decretada. “As cidades precisam começar a se adaptar imediatamente às mudanças climáticas porque elas já começaram. Os eventos extremos do clima só vão ficar mais intensos e frequentes”, destacou a secretária-executiva do PBMC.

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Andrea Santos participou, nesta terça (5/7), da sexta edição do Seminário Cidades Verdes, realizado na sede da Frijan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro): o primeiro debate foi exatamente ‘Mudanças Climáticas: Cidades para a Defesa do Clima’, que discutiu impactos da crise climática nos municípios. “As ameaças às cidades estão bastante claras: elevação do nível do mar, deslizamento de encostas, ilhas e ondas de calor, estiagens intensas, inundações: são necessárias ações para mitigar e adaptar os efeitos do clima”, explicou a professora , também autora colaboradora no capítulo de transportes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU.

Andrea Santos, secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, no seminário Cidades Verdes: municípios precisam se adaptar rapidamente para enfrentar eventos extremos causados pela emergência climática (Foto: Oscar Valporto)
Andrea Santos, secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, no seminário Cidades Verdes: municípios precisam se adaptar rapidamente para enfrentar eventos extremos causados pela emergência climática (Foto: Oscar Valporto)

Em sua participação, a a secretária-executiva do PBMC defendeu os investimentos em infraestrutura verde para minimizar os impactos das mudanças climáticas nas cidades: hortas urbanas, jardins de chuva, coberturas, muros e fachadas verdes, parques lineares de grande extensão. “São alternativas para melhorar a drenagem, evitar o calor extremo, reduzir os riscos de inundações”, afirmou Andrea Santos, lembrando, entretanto, a necessidade de criar formas de financiamento para os países e cidades mais pobres poderem usar soluções já em funcionamento, com sucesso, em lugares mais ricos.

O seminário Cidades Verdes, organizado pelo Instituto Onda Azul com o tema ‘ESG na construção de Cidades Sustentáveis’, reuniu durante todo o dia especialistas em meio ambiente, saneamento e infraestrutura urbana como a diretora executiva no ITDP Brasil (Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento), Clarisse Linke. o economista Gesner Oliveira, a professora Amanda Schutze, especialista em política energética, a socióloga Aspásia Camargo, ex-secretária-executiva do Ministério do Meio Ambiente, e o Ilan Cuperstein, vice-diretor para a América Latina da Rede C40 Cities Climate Leadership Group, além de executivos de empresas e secretários municipais do Rio e de Niterói.

Andrea Lopes, especialista em sustentabilidade da Firjan, mostrou estudos feitos pela federação sobre o impacto das enchentes no estado. Os temporais de fevereiro em Petrópolis, na Região Serrana causaram uma perda estimada em R$ 665 milhões de reais no PIB (Produto Interno Bruto) da cidade; em abril de 2019, as enchentes na Região Metropolitana e no Sul Fluminense, tiveram um impacto negativo de cerca de R$ 40 milhões. “As empresas estão cada vez mais voltadas para ações sustentáveis e atentas às mudanças climáticas porque elas sabem como elas afetam o seu negócio e toda a economia”, disse.

A tragédia em Petrópolis foi um dos eventos extremos da sequência citada pela professora Andrea Santos, do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas: 233 pessoas morreram na maior catástrofe climática da cidade serrana, provocando por um recorde de chuva em poucas horas. Em dezembro de 2021, mais de 20 pessoas morreram e mais de 60 mil perderam suas casas devido às enchentes no Sul da Bahia, fenômeno atípico para aquela época do ano. Em janeiro, foi a vez da chuva causar estragos em Minas: os temporais do verão mataram 25 pessoas e quase 50 mil pessoas tiveram que deixar suas casas.

No fim de maio, novamente chuva intensa e acima da média para o período atingiu Pernambuco: o número de mortos passou de 130 (a maior tragédia climática do estado), a maioria na Região Metropolitana do Recife; Alagoas também sofreu com a chuva. De acordo com a Agência Pernambucana de Águas e Clima, os temporais de maio tiveram as mesmas causas da atual sequência de chuvas no litoral e em toda parte leste da Região Nordeste: o fenômeno La Niña e as Ondas de Leste ou Distúrbios Ondulatórios de Leste, perturbações no campo de vento e pressão na faixa tropical, que se deslocam desde a costa da África até o litoral leste do Brasil. Com as águas do Oceano mais quentes e o nível do mar subindo, reflexos da crise climática, as chuvas estão chegando com mais intensidade ao litoral nordestino. Nunca é demais lembrar que, de acordo com relatório do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, Recife está na 16ª posição entre as cidades do planeta que correm mais risco pela elevação do nível dos oceanos.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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