ODS 1
E se o Arthur Aguiar fosse uma mulher?
Em artigo, jornalista Júlia Pessôa reflete sobre como os parâmetros de moralidade são sempre mais frouxos quando homens são julgados.
Não precisa de muita imaginação para responder à pergunta sobre Arthur Aguiar. A gente sabe muito bem o que aconteceria. Para começar, basta dizer que, da lista de 10 participantes do Big Brother Brasil com os maiores índices de rejeição em paredões triplos, apenas dois são homens: Nego Di (98,76) e Projota (91,89%), ambos do BBB21. Quem encabeça a lista é Karol Conká, eliminada com 99,17% dos votos do público.
Sem querer entrar no mérito desta ou outra eliminação, pensemos nos números: será mesmo que em 14 anos – paredões triplos começaram em 2008 – as condutas mais execráveis na “casa mais vigiada do Brasil” vieram de mulheres? Não dá para dizer que é impossível, mas aposto minhas fichas no não tranquilamente. Entre centenas de participantes, o fato de elas liderarem as taxas de rejeição cheira muito mais à forma como mulheres são julgadas socialmente, independentemente da gravidade de seus erros – ou dos que atribuem a elas.
Leu essa? Futuro, substantivo feminino
Não se trata de suposição. Está bem debaixo dos nossos narizes, nas telas que rolamos diante deles o dia inteiro. Até hoje, a cantora Luiza Sonza, ex-esposa do humorista Whindersson Nunes, sofre com as consequências de um boato de que o teria traído, motivo atribuído ao divórcio dos dois em 2020. O próprio comediante veio a púbico na época algumas vezes para defender a ex de haters, afirmando: “não foi traição”.
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Veja o que já enviamosQuando, em 2021, Whindersson perdeu um filho que teve com a então namorada Maria Lina, a Luiza foi amplamente culpabilizada pelo público, por mais ilógico que possa parecer. Covardemente atacada nas redes sociais, sofrendo até ameaças de morte, a cantora precisou se afastar da internet e dar uma pausa na carreira. Não importa o que a artista faça: se lança uma música; se anuncia ou termina um namoro; se se veste de maneira X ou Y: todo o moralismo barato dos tribunais da internet vem à tona ao menor movimento de Luiza Sonza.
Corta para Arthur Aguiar. O ator é um dos mais cotados ao prêmio do BBB22. Sabe que a fórmula de demonstrar solidão e exclusão do grupo comove, por isso não se cansa de afirmar que “joga sozinho”. Até aí tudo bem, faz parte da disputa pela atenção do público. Mas me pergunto onde está o pessoal “dos valores” e “pela família”, que não diz um “A” sobre o favoritismo de um homem acusado pela própria esposa, em 2020, de tê-la traído pelo menos 16 vezes – “já passou de 50”, disse ela, na ocasião.
Como é notório até em memes, em 2020, a empresária Maíra Cardi, casada com Arthur, publicou um vídeo de pouco mais de seis minutos em seu Instagram, mostrando prints que comprovariam as traições do ator. Na mesma gravação, Maíra não mede palavras ao afirmar que Arthur teria exposto a filha do casal e ela ao risco de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), e que o ator teria sido infiel mesmo durante a gravidez da empresária e durante a amamentação da criança.
Ela também mostrou conversas do artista com prostitutas, que seriam pagas com o dinheiro da empresária e com as quais Arthur tentava sair “sem ser como cliente”, ou seja, sem pagar. Por fim, a empresária usa termos que têm se repetido algumas vezes na internet quando se fala da participação dele no reality global: “se sentir superior, manipular e passar a perna”.
Veja bem, estamos em 2022 e não passa de conservadorismo chucro julgar caráter de qualquer pessoa por (in)fidelidade conjugal, cada casal sabe de seu arranjos. No entanto, as denúncias de Maíra sobre a conduta do marido vão bem além do fato de ter sido traída por ele. Mas parece que é só Arthur devorar (mais) um saco de pão de forma para que qualquer fala ou atitude questionável dentro e fora da casa se perca em uma névoa de farinha de trigo, e o participante saia ileso.
E não, não importa que a própria Maíra se fantasie de fatias de pão e torça pelo homem que ela um dia denunciou. É a velha história: a culpa nunca é da vítima. A questão nem é essa, afinal, mas sim como os parâmetros de moralidade são sempre mais frouxos quando homens são julgados.
Por que a régua que condena Luiza Sonza por uma traição que ela não cometeu absolve Arthur pelas quais ele mesmo se desculpou, admitindo culpa? Por que a revelação de Pedro Scooby, tão “fofo” e “good vibes”, de que bateu na boca de um dos filhos, choca menos do que o fato de sua ex, Luana Piovani, não ter liberado a imagem dos meninos em um programa de exibição nacional? Como Arthur pode sugerir que Lina tenha assediado PA em situações em que o consentimento das duas partes estava nítido das interações? Por que o julgamento das bebedeiras é sempre mais cruel com Natália do que com Eliezer? Por que a resposta para questões tão diferentes tem a mesma origem?
Vale lembrar que não existe “mulher universal”. Quanto mais distante se está do ideal de mulher socialmente construído, mais cruel é o golpe do martelo dos julgadores. Quando Eslovênia tomou algumas a mais e quebrou uma câmera, fazendo com que a casa toda perdesse estalecas, os participantes pareceram ficar muitíssimo menos incomodados do que com qualquer pileque de Natália. Esse “incômodo” tem cor e nome. Sem falar na quantidade de vezes em que Lina teve sua identidade violada ao ser referida no masculino pelos colegas de confinamento.
Quanto a Arthur, longe de mim fazer previsões, mas o ex-Rebelde tem tudo para segurar seu favoritismo. Porque está debaixo de um guarda-chuva que historicamente tem mantido homens brancos, cis e héteros bem sequinhos durante as intempéries: o machismo estrutural. Assim, o ator tende a chegar no pódio do programa. A menos que o tempo vire radicalmente. Acreditar na possibilidade de superação da misoginia é também crer que grandes tempestades podem vir a qualquer momento.
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Júlia Pessôa é jornalista, mestra em comunicação, especialista em gêneros e sexualidades e doutoranda em ciências sociais. Atuou no jornalismo diário por mais de dez anos, cobrindo principalmente cultura, gastronomia, gêneros, sexualidades e direitos humanos. Tem experiência de docência no ensino superior público e privado, no qual atua até hoje. É autora do livro de crônicas “Heteronímia” (2017), publicado pela Lei Murilo Mendes de Incentivo à Cultura (Juiz de Fora- MG) e tem publicações em veículos como UOL Tab, BBC Brasil e O Globo. Inexoravelmente feminista.