ODS 1
Grilagem e desmatamento avançam em área pública no Amazonas
Estudo do Greenpeace mostra que, dos 295 mil hectares de floresta que havia dentro de gleba, 93 mil já foram derrubados e queimados
Estudo do Greenpeace mostrou a explosão de desmatamento em uma área gigantesca no sul do Amazonas, rica em biodiversidade. De acordo com a organização ambientalista, a Gleba João Bento – com 295 mil hectares, equivalente a cerca de duas vezes o tamanho do município de São Paulo – é alvo de um sistema organizado de grilagem de terras públicas. “Dos 295 mil hectares de floresta que havia dentro da gleba, 93 mil já foram derrubados e queimados, dando lugar a imensas áreas de pasto para a criação de bois. Cerca de 57% dessa destruição se deu entre 2019 e 2021, durante o governo Bolsonaro”, alerta o Greenpeace.
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Glebas são terras do governo ainda não destinadas – e geralmente enormes. No caso da João Bento, aponta o estudo do Greenpeace, este território tem sido alvo de grilagem por grupos criminosos desde a década de 1970. “Em 2011, a área foi retomada pelo governo federal, mas isso não impediu que novos roubos de terras acontecessem por lá”, destaca o documento. Seguidas iniciativas do Ministério Público Federal (MPF), não conseguiram conter o esquema de invasão de terras públicas.
O Greenpeace aponta que o método usado na Gleba João Bento é típicos dos grileiros da região. “As fraudes criam uma enorme cadeia de títulos fraudulentos, levando ao surgimento de centenas de escrituras de compra e venda, duplicidade de registro de imóveis, e a multiplicação de escrituras, por meio do desmembramento ilegal em inúmeras áreas, as quais, por sua vez, recebiam novas matrículas, pela abertura de matrícula da mesma gleba em livros diferentes ou em cartórios de comarcas diferentes do Sul do Amazonas”, relata o estudo.
De acordo com a ONG ambiental, a Justiça Federal no Amazonas determinou recentemente o imediato cancelamento das matrículas de 14 (catorze) fazendas localizadas no interior da Gleba João Bento, após a constatação de diversas irregularidades relativas a desmembramentos nessas áreas. O Greenpeace lembra, entretanto, que, desde 2015, o MPF vinha solicitando ao Incra que informasse se já havia declarado a nulidade dos títulos e também ingressado com ação na Justiça Federal para a declaração de nulidade. “Entre a primeira solicitação do MPF e a decisão da Justiça Federal, se passaram 7 longos anos, em grande medida resultantes da incapacidade do Incra para localizar os desmembramentos de áreas colecionadas”, aponta o estudo.
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Veja o que já enviamosO estudo destaca outra ilegalidade na Gleba João Bento: o Ipaam, órgão que deveria zelar pela conservação da floresta, aprovou planos de manejo florestal dentro da gleba, ignorando que ela é uma terra pública federal e que, portanto, os supostos proprietários – grileiros, na verdade – não tinham título de domínio ou autorização do Incra para utilizar a área. De acordo com o Greenpeace, as investigações da Polícia Federal na Operação Arquimedes evidenciaram que “as autorizações dadas pelo Ipaam faziam parte de um gigantesco esquema de extração ilegal de madeira no Amazonas”.
O levantamento feito pelo Greenpeace reuniu dados sobre as autuações ambientais, registros de documentos e movimentações de invasores na área formada por 32 municípios do sul do Amazonas, leste do Acre e noroeste de Rondônia, região conhecida pelo acrônimo de Amacro (junção da sigla dos três Estados) e que soma uma área de 454.220 km² – quase o tamanho da Espanha. Nesta região, vivem de cerca de 1,7 milhão de pessoas; o rebanho chega a 8,4 milhões de cabeças de gado. “Um dos cantos mais biodiversos da Amazônia se transformou em um laboratório do crime especializado em grilar, derrubar e queimar florestas. Essa não é uma coincidência conjuntural, mas o fruto de um claro desejo de transformar esse pedaço da Amazônia numa verdadeira república do boi”, denuncia o estudo.
A ameaça do PL da Grilagem
Para o Greenpeace, o estudo sobre a Gleba João Bento serve como alerta sobre o que pode acontecer em toda a Amazônia com a aprovação do PL da Grilagem (PL 2.633/20 e PL 510/21), que fazem parte do chamado Pacote da Destruição do governo Bolsonaro e pode ser votado a qualquer momento no Senado. “Estamos diante de mais um projeto de lei que pretende legalizar o que é ilegal, adequando a legislação aos interesses do mercado de terras”, alerta o Greenpeace.
A organização lembra que o projeto é uma revisão, a segunda desde 2009, da lei que trata da regularização fundiária. E volta ao exemplo da Gleba João Bento para mostrar o impacto da ações legislativas na ofensiva dos grileiros. “Se traçarmos uma linha histórica no interior da Gleba João Bento, é possível perceber o avanço da destruição caminhando lado a lado das discussões para alterar a lei fundiária”, alerta. O levantamento mostra que o desmatamento disparou a partir de 2010, com as expectativas geradas pela aprovação da Lei 11.952, de 2009. Depois, é registrado novo pico significativo de desmatamento entre 2015 e 2017, quando o lobby da grilagem pressionava por mais mudanças, o que acabou acontecendo com a aprovação da Lei 11.465, de 2017.
Em dezembro de 2019, o governo editou a Medida Provisória 910, buscando garantir passe livre para a regularização das áreas griladas até 2018. A MP caducou, perdeu a validade, mas o governo, a bancada ruralista e outros aliados no Congresso passaram a concentrar seus esforços no PL da Grilagem. De acordo com o Greenpeace, a expectativa de novas alterações na lei se tornou “o combustível para o avanço de tratores e motosserras sobre milhares de árvores da Gleba João Bento e de outros territórios na Amazônia”.
O estudo conclui com um alerta sobre o lobby para a aprovação do projeto em análise no Senado. “Todos esses crimes ambientais dentro da gleba João Bento são o prelúdio do que está por acontecer em toda a Amazônia, caso o PL da Grilagem seja aprovado. As consequências do aumento da grilagem são devastadoras e têm relação direta com a emergência climática que o Brasil e o mundo já experimentam de maneira intensa. Essa mamata da grilagem estabelecida em Brasília beneficia poucos, mas tem um alto custo, já que coloca sob sua mira a proteção da floresta e seus povos”, destaca o documento.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade