ODS 1
O troca-troca do séc. XXI
O problema não é a falta, é a distribuição. E isso se aplica nos lugares mais insuspeitos
O editor deste site insiste, explica com detalhes conceitos que para mim são esotéricos: inclusão social, economia colaborativa, vida sustentável essas coisas. Esgotado na sua missão quase religiosa, ele parte para exemplos mais rasteiros. “Você tem uma furadeira?”. “Claro! Afinal sou homem, hetero e classe média”. O editor finge que não escuta meu festival de preconceitos. “Há quanto tempo você tem essa furadeira?” Faço um esforço de memória e me vejo nas Lojas Americanas de Copacabana, no início dos anos 90. “Mais de vinte anos” respondo com convicção. “E nesses vinte anos quanto tempo voce usou essa ferramenta?” Um parafuso em 1998, um varal em 2002, e dois quadros pendurados em 2010. No total quinze minutos, com folga. “Então não seria melhor se os seus vizinhos de prédio comprassem só uma e todos pudessem usá-la? Ou mesmo todos os vizinhos de rua?
Esse raciocínio acendeu uma velha e boa lâmpada incandescente. Não sou muito do esoterismo mas o rasteiro é comigo mesmo.
E se fosse criado um aplicativo para organizar essa colaboração entre próximos? Algo que, de acordo com as diretrizes dos novos tempos, pudesse otimizar aquilo que não está sendo usado corretamente. Como a furadeira do editor. Se a gente organizar, todo mundo se dá bem. Este será o bordão do meu app.
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Veja o que já enviamosVocê chega em casa e tem chuchu com couve para jantar. Você detesta chuchu. Jogar fora? Não! Vai no meu aplicativo e pergunta qual o jantar dos vizinhos e se alguém gosta de chuchu. O do 802 responde que o dele é carne com bacon mas que o colesterol tá alto. É só trocar! Voce janta na casa dele e ele na sua. Nada de desperdício. Outro exemplo: são nove da noite e a família está vendo o último capítulo da novela. No mesmo horário jogam Barcelona e Real Madrid. Uma situação insustentável. Como é que fica? Compra outra TV? Não! Olha a pegada de carbono! O mundo não suporta mais televisões. Mais uma vez meu aplicativo resolve o problema: descobre um vizinho boleiro, te avisa e você assiste com ele! Não é assim que se constrói um mundo melhor, conectando pessoas?
E por falar em conexões, moderno e antenado que sou, já imagino um uso mais criativo da minha novidade. Tem muito desperdício por aí em áreas às quais não se dá a devida atenção, onde reina o consumo irresponsável e a desigualdade. A mulher chega em casa e o namorado ou marido está atracado ao jogo do mengão. Ela quer namorar um pouco e o cara, rubro-negro fanático, só prestando atenção em Guerrero, Alan Patrick e cia. Meu app resolve! Ele vai revelar alguém próximo chateado com a namorada rubro-negra, também obcecada por futebol. Basta fazer a troca! É a verdadeira mobilidade urbana funcionando.
Um casal bissexual: o homem tem dias que é gay, tem dias que é hetero. A mulher a mesma coisa. Vai que um dia a opção que se tem à mão (com trocadilho) não é a que se quer. Certamente naquele bairro existirá outro casal, também bi, na mesma situação frustrante. É só conectar os fios e ativar a inclusão social.
Sabado à noite, a mocinha do 235 quer organizar um ménage à trois mas ela só tem o deux, falta o trois. O síndico solteirão do prédio 155 tá de bobeira em casa, entediado, assistindo Zorra Total. Alguém imagina economia mais colaborativa do que juntar essas pessoas?
Consigo inventar um aplicativo, consigo até decifrar alguns dos conceitos esotéricos do editor. Só não me peçam pra lembrar onde guardei a furadeira.
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Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.
Quem nunca ouviu, mulher dizendo: “Trabalhar fora, cuidar do marido, casa, filhos”! Quem é homossexual e cisgênero, tem que ter aquele “jogo de cintura” literal. Mulheres e Homens que buscam conversar, as vezes, até “chegarem”! Homens que parecem perceber o que a gente “quer”, já vieram muitas vezes, quando eu trabalhava, em finais de expediente, para happy hour e, maroto havia quem dissesse, função de marido realizada!