ODS 1
Diário da Covid-19: Américas do Sul e do Norte em ondas defasadas
Apesar de ter 51% da população com vacinação completa, EUA apresentam, em agosto, coeficientes de incidência e de mortalidade maiores do que o Brasil
A região do mundo mais impactada pela pandemia do novo coronavírus é a América. Mas as duas partes do continente americano avançam em ritmos diacrônicos, pois a América do Sul e a América do Norte (incluindo América Central e Caribe) têm se alternado em ondas de alta e de baixa que ocorrem de maneira sucessiva, mas de forma defasada. O fluxo pandêmico da América do hemisfério Norte coincide, grosso modo, com o refluxo da América do hemisfério Sul e vice-versa.
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O gráfico abaixo mostra que entre março e maio de 2020 a América do Norte tinha uma média de casos superior à da América do Sul. Nos meses seguintes houve alternância entre as duas partes das Américas, mas entre outubro de 2020 e fevereiro de 2021 a média de casos da América do Norte foi bem superior à média da América do Sul. Porém, os países sul-americanos ultrapassaram os países norte-americanos entre março e julho de 2021. No dia 20 de julho a América do Sul tinha um coeficiente de 323 casos por milhão e a América do Norte parecia que estava no fim da pandemia com somente 39 casos por milhão e diminuindo.
Sem embargo, as ondas se inverteram em agosto de 2021 e a América do Norte voltou a apresentar novo surto, com coeficiente de 325 casos por milhão, enquanto a América do Sul caiu para 86 casos por milhão. Se a tendência das alternâncias anteriores prevalecerem nos próximos meses pode ocorrer uma nova inversão das curvas.
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Veja o que já enviamosO gráfico abaixo mostra que a curva epidemiológica de óbitos mantém um padrão semelhante ao da curva epidemiológica de casos (mostrada no gráfico anterior). No dia 20 de junho de 2021 a América do Sul tinha um coeficiente de mortalidade de 9 óbitos por milhão, enquanto a América do Norte tinha caído para menos de 1 óbito por milhão. Mas no dia 27 de agosto a América do Norte se aproximou de 4 óbitos por milhão e a América do Sul caiu para 2,6 óbitos por milhão. Da mesma forma, se as alternâncias anteriores prevalecerem nos próximos meses pode ocorrer uma nova inversão das curvas, com os países do sul do continente ultrapassando os países do norte.
Os três maiores países das Américas: EUA, Brasil e México
O continente americano é o mais impactado pela pandemia, sendo que os três maiores países das Américas estão entre as quatro nações com maior montante de casos e óbitos acumulados do mundo: Estados Unidos com 39 milhões de casos e 634 mil óbitos, Brasil com 21 milhões de casos e 578 mil óbitos, Índia com 33 milhões de casos e 437 mil óbitos, e México com 3,3 milhões de casos e 257 mil óbitos.
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O gráfico abaixo mostra o coeficiente de incidência dos três maiores países das Américas, sendo que o grande destaque cabe aos EUA, com quase o dobro dos casos brasileiros e mais de 10 vezes os casos mexicanos. Todavia, mesmo com curvas em patamares inferiores, o México segue, aproximadamente, os fluxos e refluxos temporais dos EUA, enquanto o Brasil segue ritmos inversos e alternados. No dia 24 de junho, o Brasil tinha um coeficiente de 361 casos por milhão, enquanto os EUA tinham 35 óbitos por milhão e o México 28 óbitos por milhão. No dia 27 de agosto os números se inverteram, com o Brasil apresentando 121 casos por milhão, o México, pela primeira vez na frente do Brasil, com 128 casos e os EUA com 468 casos por milhão.
O gráfico abaixo mostra o coeficiente de mortalidade dos mesmos três países das Américas e fica claro que as curvas epidemiológicas dos EUA e do México se aproximam bastante durante todo o período e a curva brasileira avança de forma defasada no tempo. No dia 20 de junho o Brasil tinha um coeficiente de 10 óbitos por milhão; o México, 1,5 óbito por milhão, e os EUA, menos de 1 óbito por milhão. Mas no dia 27 de agosto as curvas se inverteram e o México chegou a 5,5 óbitos por milhão, os EUA a 3,6 óbitos por milhão e o Brasil caiu para 3,3 óbitos por milhão de habitantes.
A vacinação nas Américas e nos três maiores países do continente
Em termos acumulados, a América do Sul tem números superiores à América do Norte. A parte Sul das Américas tem coeficiente de incidência de 85 mil casos por milhão e coeficiente de mortalidade de 2.595 óbitos por milhão, enquanto a parte Norte das Américas tem coeficientes menores, com 77 mil casos por milhão e 1.626 óbitos por milhão de habitantes.
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Em termos de imunização, a América do Norte já tem 41% da população com vacinação completa e 12% da população com vacinação parcial (53% no total), enquanto a América do Sul tem 29% da população com vacinação completa e 25% com vacinação parcial (54% no total). Todavia, a despeito da maior parcela populacional completamente imunizada, atualmente, a parte norte das Américas tem apresentado maior proporção de casos e de óbitos.
O mesmo acontece com a comparação entre os dois maiores países das Américas. Os EUA já registram 51% da população com vacinação completa e 9,3% com vacinação parcial (61% no total), enquanto o Brasil tem 28% no primeiro caso e 34% no segundo caso (62% no total). Não obstante, os EUA apresentam, no mês de agosto, maiores coeficientes de incidência e de mortalidade do que o Brasil.
O México, com menores taxas de vacinação, apresenta maiores coeficientes de mortalidade. Isto mostra que se uma maior imunização não protege totalmente dos impactos do SARS-CoV-2, a carência de vacinas só agrava a situação. O Brasil precisa aprender com os problemas da América do Norte e ficar alerta para a possibilidade de um novo surto no país, especialmente em função da difusão de novas variantes do coronavírus.
O Brasil, na última semana de agosto, registrou as menores médias de casos e de mortes do ano, menores inclusive que as médias do primeiro pico da covid-19. Contudo, há sinais preocupantes. O Rio de Janeiro é uma das Unidades da Federação que tem apresentado aumento da taxa de hospitalizações em função da difusão e do predomínio da variante delta. Portanto, todo cuidado é pouco e, além do avanço da vacinação, outras medidas de prevenção precisam estar na agenda das políticas públicas.
As estimativas populacionais do IBGE e a população do Rio de Janeiro
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou as estimativas da população brasileira, com data de referência de 01 de julho de 2021 (para Brasil, estados e municípios), no dia 27 de agosto de 2021. O IBGE tem divulgado as estimativas de população desde 1975. A partir de 1992, passou a publicá-las no Diário Oficial da União, em cumprimento ao Art. 102 da Lei n. 8.443, de 16/07/1992. A publicação é um dos parâmetros utilizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para o cálculo do Fundo de Participação de Estados e Municípios, além de referência para indicadores sociais, econômicos e demográficos.
As estimativas divulgadas são baseadas nas projeções populacionais revistas em 2018. Portanto, não incorporam os feitos da pandemia do novo coronavírus. A justificativa para não levar em consideração os efeitos da covid-19 se deve à ausência de novos dados de migração, além da necessidade de consolidação dos dados de mortalidade e fecundidade que não estão ainda plenamente disponíveis. Isto quer dizer também que as estimativas para 2021 da população brasileira estão superestimadas, pois, comprovadamente, a pandemia reduziu o número de nascimentos e aumentou o número de óbitos.
Para efeito de ilustração, apresentamos abaixo os dados para o território fluminense. Segundo as estimativas do IBGE, o Estado do Rio de Janeiro tinha uma população de 17,37 milhões de habitantes em 01 de julho de 2020 e passou para 17,46 milhões em 01 de julho de 2021, com um crescimento populacional de 90 mil novos habitantes. Ainda segundo a projeção do IBGE (rev. 2018), o número de nascimentos foi de 222,6 mil bebês, o número de mortes foi de 131,7 mil óbitos, confirmando um crescimento vegetativo de cerca de 90 mil pessoas, conforme resumido no gráfico abaixo. Todavia, as projeções do IBGE, como é sabido por todos, está desatualizada, já que não levou em consideração os efeitos da pandemia na dinâmica demográfica nacional, regional e municipal.
O gráfico abaixo também mostra os dados do Portal da Transparência do Registro Civil (ARPEN Brasil) que já leva em conta o efeito da covid-19. Nota-se que, no período de 01/07/2020 a 01/07/2021 o número de nascimentos no estado do Rio de Janeiro foi de 191,1 mil (cerca de 30 mil a menos que na projeção do IBGE) e o número de mortes chegou a 186 mil (cerca de 55 mil a mais do que na projeção do IBGE). Consequentemente, o crescimento vegetativo pelos dados da ARPEN Brasil foi de 5,1 mil novas pessoas (muito menos do que as cerca de 90 mil pessoas da projeção do IBGE). Ainda segundo a mesma fonte e considerando apenas os 8 primeiros meses de 2021 houve decrescimento populacional vegetativo no estado do Rio de Janeiro, fato inédito no país e entre as Unidades da Federação.
Nascimentos, óbitos e crescimento vegetativo do Rio de Janeiro: julho 2020 a junho 2021
Como mostrado no “Diário da Covid-19: Rio e Rio Grande do Sul com mais óbitos que nascimentos em 2021” (ALVES, 30/05/2021), aqui no #Colabora: “Pela primeira vez na história brasileira, duas Unidades da Federação apresentam redução da população. Foi uma redução vegetativa pequena, mas uma grande e inédita novidade para a demografia brasileira. Evidentemente, esse decrescimento populacional é temporário e deve ser revertido com o avanço da imunização, a redução dos óbitos da covid-19 e a volta da confiança dos casais para colocar em prática suas decisões reprodutivas. O Brasil tem uma história de 521 anos de crescimento demográfico contínuo e ininterrupto. Mas as projeções populacionais indicam um novo quadro nas décadas vindouras. A grande mudança rumo ao decrescimento populacional estava prevista para a segunda metade do século XXI, mas o que a pandemia traz de novo é antecipar, conjunturalmente, cenários estruturais previstos para a segunda metade do século XXI”.
Saber o tamanho exato da população brasileira, assim com a sua estrutura etária e a distribuição regional e municipal é fundamental para orientar as políticas públicas (como o Plano Nacional de Imunização) e para definir os cenários de investimento da iniciativa privada. O cancelamento da Contagem de População de 2015 e o adiamento do Censo Demográfico de 2020 têm prejudicado a acurácia das pesquisas do Instituto e dificultado a realização da missão do IBGE que é “retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania”.
A pandemia tem tornado as projeções do IBGE defasadas, mas atualizar os dados é essencial para controlar a própria pandemia. Vivemos na sociedade da informação e os dados das pesquisas domiciliares do IBGE são fundamentais para a construção de um país mais justo, saudável e próspero.
Frase do dia 22 de agosto 2021
“Acumulamos conhecimento, mas repetimos erros”
John N. Gray (1948 – ) filósofo britânico
Referência
ALVES, JED. “Diário da Covid-19: Rio e Rio Grande do Sul com mais óbitos que nascimentos em 2021”, #Colabora, 30 de maio de 2021
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.