ODS 1
MPF investiga fusão do ICMBio – e sua ameaça de extinção – com Ibama
Após audiência pública com críticas de procuradores e ambientalistas, Ministério do Meio Ambiente prorroga por mais 120 dias estudo de fusão
Em outubro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, criou um grupo de trabalho para discutir a fusão do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Formado por dirigentes dos dois órgãos (seis policiais militares e um civil, o presidente do Ibama, Eduardo Bim), o grupo de trabalho reuniu-se várias vezes mas não mostrou seus planos e nunca ouviu servidores ou organizações ambientais. “O MPF tem um inquérito civil para investigar a desestruturação dos órgãos ambientais. A fusão Ibama/ICMbio é mais um componente neste cenário de possível desmonte. Está em estudos no MMA mas não houve debate público contrapondo argumentos contrários e favoráveis”, alertou a procuradora da República Ana Carolina Haliuc Bragança, coordenadora da Força-Tarefa Amazônia (FT Amazônia), em audiência pública virtual realizada nesta segunda (01/02).
A reunião foi convocada pelo Ministério Público Federal do Amazonas para debater os impactos da fusão estudada pelo Ministério do Meio Ambiente, particularmente na Amazônia, e a transparência e a participação da sociedade deste trabalho. Os ambientalistas foram duros nas críticas, mostrando que a fusão significaria a extinção do ICMbio e prejudicaria a atuação do Ibama, sobrecarregando o órgão responsável pela fiscalização. Três dias depois da audiência pública, o Diário Oficial da União publicou portaria assinada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, prorrogando o Grupo de Trabalho por mais 120 dias.
Na audiência, críticos da fusão apontaram os avanços na conservação e na fiscalização após a criação do ICMBio em 2007 e denunciaram o impacto negativo da mudança. “A intenção do ministério é a extinção do ICMBio, pelas evidências mostradas no próprio orçamento previsto para 2021. Há uma redução drástica, de 61% nos recursos do ICMBio, em relação à proposta orçamentária de 2018. E o Ibama, que também sofrerá corte de verbas, não tem como assumir a gestão das unidades de conservação”, alertou Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista do Observatório do Clima, que participou da audiência pública. “O governo Bolsonaro quer paralisar as duas autarquias”.
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Veja o que já enviamosPresidente da Ascema (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente), o geógrafo Diego Rivas lembrou que a criação do ICMBio, responsável pela gestão das Unidades de Conservação, permitiu que o Ibama se concentrasse na fiscalização e no licenciamento. “Os dois órgãos entregaram resultados positivos e melhoraram a gestão ambiental. O ICMBio dobrou o território de áreas protegidas, triplicou o número de UCs com plano de manejo. O Ibama, com foco em fiscalização e licenciamento, reduziu o desmatamento ao menor índice em 2012. Agora, corremos um risco de apagão na gestão ambiental pública”, disse Rivas, ex-analista ambiental do Ibama e agora no ICMBio.
O biólogo João Paulo Capobianco, presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade, acrescentou que a criação do ICMBio significou o aprimoramento da gestão pública ambiental. “ICMbio não foi uma ideia isolada, foi parte de um projeto de estruturação da gestão ambiental e da efetiva melhoria da preservação e valorização das Unidades de Conservação. ICMBio, com seus problemas e dificuldades, é um sucesso. Basta ver que, quando ele foi criado, as UCs recebiam cerca de três milhões de visitantes por ano; em 2019, elas receberam 15,6 milhões de visitantes, um aumento de 393.5%”, destacou Capobianco.
Dirigente da Comissão Mundial de Áreas Protegidas, Claudio Moretti frisou que a fusão prejudicará o serviço prestado à sociedade pelas Unidades de Conservação. “A visitação é papel das UCs, mas há outras funções que foram fortalecidas com a gestão do ICMBIo. O número de famílias extrativistas cadastradas para atuar nas áreas de conservação se multiplicou, alcançando, hoje, 1200. As Unidades de Conservação também foram algo de trabalho de mais de 65 mil pesquisadores, de 3 mil instituições de pesquisa. Os programas de voluntariado foram ampliados”, afirmou Moretti, ex-presidente do ICMBio, acrescentando que a multiplicação de visitantes significa geração de 90 mil empregos e R$ 3,8 bilhões agregados ao PIB.
Os procuradores convidaram o Ministério do Meio Ambiente para explicar os estudos do grupo de trabalho sobre a fusão, mas o governo não mandou representantes à audiência pública. “Nós temos o desafio apurar, de forma técnica, esse desmonte dos órgãos ambientais que nos foi denunciado. dever do Estado Brasileiro assegurar que qualquer decisão administrativa tomada comprovadamente não implique retrocesso ambiental. Pela Constituição, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, destacou a procuradora Ana Carolina Haliuc Bragança.
Mais de 20 especialistas e representantes de organizações ambientais participaram da audiência pública, que também abordou a forma com o qual o estudo da fusão vem sendo desenvolvido. “É importante também avaliar se essa importante mudança administrativa está sendo debatida dentro dos necessários princípios da transparência e da publicidade”, afirmou o procurador José Gladston Viana. No edital de convocação da audiência pública, os procuradores ressaltaram que as atas das reuniões do GT “não evidenciam a participação ou consulta a especialistas ou outros servidores dos respectivos órgãos”.
A procuradora Ana Carolina explicou que as informações colhidas na audiência pública vão embasar “possíveis iniciativas jurídicas” sobre a fusão de ICMBio e Ibama – a previsão é que o GT apresente seu relatório sobre a proposta até o final do fevereiro.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade