Depois do novo coronavírus, uma nova geopolítica

Forças da ideologia, do nacionalismo e da competição econômica e tecnológica vão tensionar as relações entre nações, na guerra fria do século 21

Por José Eduardo Mendonça | ODS 16 • Publicada em 24 de agosto de 2020 - 08:05 • Atualizada em 27 de agosto de 2020 - 11:09

A bandeira da China e uma seringa representando a vacina contra a covid-19: tema de disputa geopolítica (Andrea Ronchini/NurPhoto/ AFP)

Dois eventos no século 20 mudaram por mais de uma centena de anos o panorama geopolítico mundial – a primeira e a segunda guerra mundiais. Redividiram a Europa e criaram novas zonas de influência, que por sua vez alteraram o desenvolvimento ou agravaram as situações dos países da periferia do globo.

Agora uma crise tripla de mudanças – de poder geopolítico, da pandemia de covid-19 e dos desastres decorrentes da pandemia – irão redimensionar a forma do poder global, as redes globais de produção e levar ao fim da globalização desregulada O mundo pós-pandêmico ainda tem de tomar forma, mas deverá ser dividido e bifurcado, como aconteceu depois da segunda guerra.

O pano de fundo da nova guerra fria terá como epicentros a vasta região Indo-Pacífico, do oeste do do Pacífico ao oeste do Oceano Índico. E a China pode emergir atingida e muito enfraquecida em um mundo pós-epidêmico fragmentado, com um estilo mais regulado de uma “ globalização dirigida”.

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Guerras tecnológicas em torno de inteligência artificial, big data, robótica, biotecnologia e o 5/6 G poderão resultar em uma economia de “um mundo,  dois sistemas” – dois blocos separados, dirigidos primariamente por preocupações de segurança nacional e interesses econômicos e comerciais. Nesse novo cenário – onde entraria também a influência da disputa mundial sobre vacinas e seu papel nas zonas de influência – seria criado um mundo com visões e regras conflitantes nos domínios políticos, ecológicos, tecnológicos, marítimos e do ciberespaço.

Voltando ao coronavírus, imaginem um cenário. Europa e Estados Unidos começam a sentir que têm a pandemia sob controle e se aproximam do mundo em desenvolvimento. Exaustos, endividados e desesperados para que suas economias voltem a crescer, os países ricos tardam demais em ajudar. Chega o pânico: no sul da Europa, migrantes em massa ainda lutando para se manter fora da depressão causada pela doença. Em outro local, um país em default (termo usado pelo mercado quando a nação não tem como pagar suas dívidas) junto a instituições financeiras ocidentais. No caos, um autocrata aproveita para tomar terras de países vizinhos. E os Estados Unidos já estão dispostos a levar a China a um buraco.

As forças da geopolítica, da ideologia, do nacionalismo e da competição econômica e tecnológica vão tensionar as relações entre nações. Países grandes e pequenos serão forçados a escolher lados. Será difícil ficar em cima do muro.

A economia chinesa é particularmente suscetível a declínios em investimentos estrangeiros, controles da economia e mercados de exportações. Um desaquecimento prolongado forçado pela pandemia, economia, guerra ou desastres naturais tornarão potencialmente piores o êxodo de corporações multinacionais, e podem mesmo ameaçar a estabilidade de seu regime de um partido.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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