ODS 1
Catequista e professora: ensino religioso é ‘aprendizado para a vida’
Docente aposta no trabalho interdisciplinar para ganhar a atenção dos alunos
Docente aposta no trabalho interdisciplinar para ganhar a atenção dos alunos
Uma estudante evangélica carrega uma bíblia na mochila. Outro aluno ostenta dois crucifixos dourados no peito mais como um adorno do que como um símbolo de fé. É levando em consideração essa diversidade que Letícia Marques Bessa da Silva busca preparar suas aulas de ensino religioso para alunos do Colégio Estadual Minas Gerais, em Duque de Caxias. Uma realidade bem diferente da que ela encontra como catequista de uma paróquia, onde todos estão reunidos para aprender o dogma católico.
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Veja o que já enviamos“Dentro das igrejas, a gente ensina só a doutrina daquela religião. Em sala de aula, isso não acontece ou não deveria acontecer porque temos alunos de diversos tipos de fé. Não podemos tratar um livro sagrado como um livro único. Não devemos falar em Deus e sim em divindades. Não é uma catequese, é um ensino para a vida”, afirma ela, que é formada em Pedagogia e decidiu fazer a prova do estado após frequentar um curso de formação religiosa da Diocese de Caxias.
Letícia gosta de trabalhar de forma interdisciplinar. Com uma colega de história, estimulou os alunos a criarem maquetes que representavam diversos credos. Com a de artes, viabilizou o projeto Cartas Mágicas, pelo qual seus alunos trocaram correspondência com estudantes de outros estados. Tudo bem diferente da expectativa de alguns pais, que proíbem que os filhos frequentem a aula com receio de que a professora vá catequizá-los. Em 2019, ela deu aula para 8 turmas, num total de 183 alunos, sendo 116 do ensino fundamental e 67 do médio. O número poderia ser maior, acredita ela, não fosse a disciplina facultativa por lei.
“Muitos estudantes acreditam que não precisam de aula disso, que já veem esse conteúdo na igreja deles. Tento explicar que é diferente, que a gente não vai fazer oração ou ler a Bíblia. É um trabalho de convencimento. Hoje, tenho alguns alunos que não são optantes, mas assistiram a algumas aulas, gostaram, e acabaram entrando no meu diário como ouvintes”.
Não foi o caso de Sara Vitória, de 11 anos, aluna do 6º ano do ensino fundamental. Foi a mãe, pastora de uma igreja, quem decidiu que ela faria a disciplina. A menina diz que assiste às aulas porque “gosta muito”:
“É meio difícil entender que a minha professora tem uma religião diferente da minha. Mas desde quando ela começou a falar sobre algumas coisas, eu me interessei”, afirma ela, que diz não pensar em mudar de religião: “Gosto muito da minha, me dou muito para a obra do senhor”.
Católica como a professora, Ana Luiza Cunha, de 12 anos, também seguiu a decisão da mãe, que optou para que ela cursasse a disciplina. A jovem diz gostar das atividades em que aprende sobre outras religiões e da troca de correspondência com outros estudantes:
“Eu gostei do dia das cartas para a escola de Santa Catarina, de escrever como é a minha vida, do que eu gosto. E eu gosto muito da professora Letícia, ela é muito legal”.
Pelos abraços que recebeu de diversos alunos no pátio na hora do recreio, parece que os outros alunos também.
Essa reportagem foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social que tem o objetivo de fomentar a produção de material jornalístico de qualidade sobre temas relevantes da educação pública brasileira.
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Jornalista, com mestrado em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), trabalhou nos jornais O Globo e Extra e foi estagiária da rádio CBN. Há mais de dez anos trabalha com foco em internet. Foi editora-assistente do site da Revista Ela, d'O Globo, onde se especializou nas áreas de moda, beleza, gastronomia, decoração e comportamento. Também atuou em outras editorias do jornal cobrindo política, economia, esportes e cidade.