Vitória da biodiversidade na guerra contra a biopirataria

Simpósio no Rio junta governo, academia, setor privado e povos tradicionais para discutir como explorar o uso de ingredientes da biodiversidade brasileira

Por Liana Melo | ODS 12 • Publicada em 8 de novembro de 2019 - 12:50 • Atualizada em 9 de novembro de 2019 - 14:10

Urucum. Foto de Sylvain Cordier-Biosphoto-AFP
Planta nativa das florestas tropicais, o urucum é um exemplo de patrimônio genético da biodiversidade brasileira. Urucum. Foto de Sylvain Cordier-Biosphoto-AFP

Em 2006, o povo Ashaninka, que vive no Acre, deflagrou uma guerra contra a biopirataria. A vitória ocorreu no último dia 10, quando o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) deu ganho de causa à comunidade contra a empresa Tawaya pelo uso indevido do conhecimento tradicional dos indígenas na fabricação do sabonete de murumuru – uma planta de origem amazônica com alto poder de hidratação. Por 13 votos favoráveis e uma abstenção, a empresa foi multada em R$ 5 milhões, fora os valores arbitrados pelo Ministério Público Federal (MPF) do Acre que chegaram a R$ 500 milhões.

LEIA MAIS: Brasileiras podem ser tornar ‘Guardiães Mundiais da Biodiversidade’

LEIA MAIS: Sínodo da Amazônia condena o pecado ecológico

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos

É para coibir este tipo de golpe do qual os Ashaninka foram vítimas que uma das metas da 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-10) é a repartição justa e equitativa entre seus membros dos benefícios oriundos dos recursos genéticos provenientes das plantas, animais e microorganismos.  A vitória dos Ashaninka foi histórica, especialmente pelo fato de o Brasil ser  um dos 123 países signatários do Protocolo de Nagóia, que foi aprovado na COP-10, há uma década, mas, até hoje, o acordo não foi ratificado pelo Congresso Nacional.

Parafraseando a economista americana Elionor Ostrom, cujo trabalho sobre governança econômica rendeu o Nobel de Economia em 2009 – ano de assinatura do Protocolo de Nagóia -, o ex-secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB), Bráulio Dias está convencido de que o Brasil carece de “uma boa coordenação e uma boa governança” para lidar com o tema: “O momento político é delicado, mas para sorte do Brasil essa temática não depende exclusivamente do governo Federal, ainda que ele seja um ator importante”. Depois de vencer resistências internas, especialmente do setor agropecuário, e do desmonte ambiental patrocinado pelo governo Bolsonaro, a expectativa de Bráulio Dias é de que o Congresso Nacional ratifique o Protocolo de Nagóia no próximo ano.

[g1_quote author_name=”Braúlio Dias” author_description=”Ex-secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

O momento político é delicado, mas para sorte do Brasil essa temática não depende exclusivamente do governo Federal, ainda que ele seja um ator importante

[/g1_quote]

Bráulio Dias esteve no I Simpósio Brasileiro sobre Acesso ao Patrimônio Genético e Conhecimento Tradicional Associado: Interfaces entre detentores, Academia, Empresas e Governo, que termina hoje na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ – um encontro fundamental e necessário para colocar lado a lado os diferentes atores envolvidos no assunto para dialogar sobre como explorar de forma justa e equitativa a biodiversidade brasileira. O país é dono da maior biodiversidade do mundo, detendo de 15% a 20% de todo o patrimônio genético do planeta Terra. É a primeira vez que todas as partes interessadas em trabalhar com ingredientes da biodiversidade se reúnem sob o mesmo teto para discutir o tema, inclusive os detentores dos conhecimentos tradicionais de várias partes do país.

[g1_quote author_name=”Laila Salmen Espíndola” author_description=”conselheira da SBPC” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

O marco legal brasileiro, traduzido pela lei 13.123, reconhece o conhecimento tradicional sobre a biodiversidade e os direitos associados a esse sistema de conhecimento

[/g1_quote]

Presente ao encontro, a representante da academia, Laila Salmen Espíndola, conselheira da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), defende que o “diálogo é fundamental” e admite que, apesar de o país não ter ratificado o Protocolo de Nagóia, “o marco legal brasileiro, traduzido pela lei 13.123, reconhece o conhecimento tradicional sobre a biodiversidade e os direitos associados a esse sistema de conhecimento”. A lei garante, por exemplo, que no caso de conhecimento tradicional associado, a empresa é obrigada a repassar 0,5% para um fundo, onde o dinheiro é “carimbado” para os detentores do conhecimento, ou seja, a comunidade.

Citando dados do último relatório da Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), Bráulio Dias lembrou que 1 milhão de espécies de animais e vegetais estão ameaçadas de extinção na próxima década. Até a própria Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) já admitiu em relatório, diz ele, que o setor agrícola depende da biodiversidade. Com a emergência climática, a produção agrícola e a pecuária serão obrigadas a se adaptarem, o que só será possível com recursos genéticos. A resistência do setor agropecuário em ratificar o Protocolo de Nagóia está, segundo ele, superada, ainda que alguns setores, identificados como “os mais retrógrados”, insistam na tese de que a conservação da biodiversidade compete com os interesses do setor produtivo.

Empresas como a L´Oréal vêm lançando mão de ingredientes da biodiversidade e com isso beneficiando 276 famílias. Hoje, 59% das matérias-primas da empresa são derivadas de fontes renováveis e, em grande parte, de origem vegetal. De um total de 1.600 matérias-primas, cerca de 340 espécies de plantas provenientes de uma centena de países. “O marco legal brasileiro é inovador e o Brasil talvez seja um dos poucos países a aplicar de forma integral a Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB), comenta Cristina Garcia, da L´Oréal, que também participou do encontro.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *