ODS 1
Trabalho em troca de casa e comida
Jovens oferecem força de trabalho para conhecer o mundo e até entrar em contato com projetos com impacto social ou ambiental
Samana, República Dominicana. Um anúncio no site Worldpackers busca um “guest relations/bartender” que possa ajudar no check in dos hóspedes e preparar deliciosos coquetéis, durante uma jornada de cinco horas de trabalho por dia, com duas folgas, em uma ecovila. É preciso ter entre 18 e 34 anos e inglês fluente. Em troca, o estabelecimento oferece hospedagem, café da manhã, jantar, passeios e aulas de yoga de graça, além de descontos em restaurantes e drinks da casa. Este é apenas uma das inúmeras oportunidades de turismo de “work exchange” – no bom português, trocar trabalho por estadia.
O espanhol Mikel Ordónez, de 33 anos, quando está em seu país atua como operário de produção em indústria de automação, mas já foi guia turístico e bartender: “Tinha muita vontade de viajar, conhecer lugares e ter experiências novas, mas bem pouca grana. Fiz isso direto por cerca de sete anos; agora continuo fazendo essas trocas, só que combinando com períodos como assalariado”, conta. Ele busca hostels e entra em contato por e-mail. Desta forma, morou no Rio por dois anos e meio, durante três períodos diferentes: “Me apaixonei pela cidade, curti muita balada, vários carnavais, conheci muitas pessoas, e cheguei a fazer tour mostrando a Rocinha e trilhas como Dois Irmãos e Pedra da Gávea para os gringos. Realmente, foi a vez que mais gostei do meu ‘trabalho’ na vida”, lembra.
[g1_quote author_name=”Mikel Órdonez” author_description=”Operário e viajante” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Não pode ter medo e é preciso abrir a mente para viver assim e se conformar com a pouca grana. Você troca esforço por aventuras e experiências. Eu realmente recomendo a todo mundo, se soubesse, tinha começado mais novo
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Veja o que já enviamosA princípio, pode parecer uma prática interessante a quem quer viajar gastando menos, mas existem outras questões que a torna atraente, como a possibilidade de imersão cultural, e trabalhar em projetos com impacto social ou ambiental. Através da plataforma Worldpackers, o viajante pode escolher entre as três possibilidades em todos os continentes. O site, que tem mais de 5 mil anfitriões e 1,5 milhão de viajantes cadastrados, conecta anfitriões e viajantes divulgando vagas. Mas, para se candidatar, é preciso ter uma conta verificada, que custa 49 dólares anuais. O valor financia uma estrutura que conta com equipe de operações para monitorar as oportunidades: “Diferente de outras plataformas, o anfitrião não pode subir a vaga. Tem um processo de verificação para garantir que ele entenda o significado da proposta. Não é substituir mão-de-obra e nem precarizar. Falamos de colaboração, e o período máximo que permitimos é de três meses, para não criar relação de trabalho. A melhor forma de garantir que não exista exploração é ter limitação, como jornada de máximo de 30 horas,”, explica o diretor de marketing da Worldpackers, Rodolfo Montu, que viajou assim por um ano e meio: “Economizar é a cereja do bolo. O fundamental é a questão da troca e da colaboração, deixar de lado os medos, sair da zona de conforto. Uma viagem de turismo de uma semana, 15 dias, é diferente do turismo colaborativo e de propósito”, defende.
Durante as férias, a professora Debora de Souza Silva, de 34 anos, queria viajar sozinha, mas com alguma segurança e, pesquisando sobre o assunto, chegou à plataforma: “Fiz duas vezes e a mais marcante foi no Equador, durante 15 dias, onde fiquei numa fazenda agroecológica. O melhor foi fazer uma viagem minimamente turística. Comi na casa das pessoas que me receberam e vivi a rotina deles. O ruim é não ter todo o tempo disponível para fazer o que quiser. No meu caso, eram quatro horas diárias de trabalho, mas, como é uma área que me interessa, foi produtivo. A dica é escolher um trabalho que possa acrescentar. Eu jamais trabalharia em hostel, por exemplo”.
Existem outras dificuldades que envolvem essa modalidade de viagem, como a confiança, ainda mais em um país como o Brasil, marcado pela violência. Doutora em Comunicação pela PUC-SP, a professora Alessandra Barros Marassi estudou o assunto em sua tese, onde destaca o caráter colaborativo em sociedades capitalistas e as avaliações nas redes: “O usuário faz um voto de confiança, não sai confiando cegamente. Toma medidas de segurança, vê os reviews, o que estão falando, a nota, e toma uma decisão”, diz ela que entende que há uma relação de troca: “O outro tem que confiar que você vai cumprir sua parte também”. E aí que podem acontecer problemas, principalmente se houver ruído na comunicação, como ela constatou em entrevistas: “Às vezes não tinha um lugar decente para a pessoa se hospedar, o que tinha combinado ficou diferente, o anfitrião falava pra trabalhar mais tempo que o combinado e aí o viajante não conseguiu conhecer o local como imaginava”.
Mikel lembra também que há pouco conforto e, vivendo por longos períodos assim, sentiu falta de estabilidade: “Não pode ter medo e é preciso abrir a mente para viver assim e se conformar com a pouca grana. Você troca esforço por aventuras e experiências. Eu realmente recomendo a todo mundo, se soubesse, tinha começado mais novo”.
Jornalista formada pela PUC-Rio com MBA em Gestão de Negócios Sustentáveis pela UFF. Trabalhou no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e nos jornais O Globo, Extra e Expresso. Atualmente é freelancer e colabora com reportagens para jornais e sites.