ODS 1
O fogo no palácio da Independência
Paço de São Cristóvão: palco da história antes de virar museu
Setembro chegou azul e este cronista da cidade pretendia falar de outro Paço e de sua praça no centro da cidade, onde tomavam-se as decisões que fizeram o Brasil independente de Portugal, quase 200 anos atrás. Mas a tragédia do incêndio no Paço da Imperial Quinta de São Cristóvão, residência da família real brasileira durante toda a monarquia, obriga a mudança da nossa prosa. Não vou falar do fogo, nem dos maus tratos sistemáticos do governo ao patrimônio histórico nem da catástrofe científica da destruição do Museu Nacional: são 200 anos de coleções de arqueologia, geologia, botânica, paleontologia, zoologia, que não tenho capacidade de mensurar sua perda.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]No dia 2 de setembro de 1822, exatamente 196 anos antes do incêndio, a princesa, regente em exercício, chamou o Conselho de Estado no Paço Real e comandou, ao lado do ministro José Bonifácio, homem de confiança do casal, a reunião que decidiu pela separação definitiva entre Brasil e Portugal, assinando e a declaração de independência.
[/g1_quote]Fico aqui com minha viagem pela história do Rio de Janeiro e, no caso do palácio destruído, da construção da própria nação brasileira. O Paço de São Cristóvão, seu primeiro nome, foi erguido em 1803 pelo traficante de escravos português Elias Antonio Lopes, dono de toda a Quinta da Boa Vista, que doou a propriedade a Dom João VI, que, para lá se mudou logo após as primeiras reformas. Durante todo seu tempo como Palácio Real do Reino de Portugal, Brasil e Algarve, a casa e seu jardim – a quinta – estiveram em obras. A maior reforma começou em 1816, quando foi acertado o casamento de Dom Pedro, herdeiro do trono, com a futura imperatriz Leopoldina, sacramentado no ano seguinte: em novembro de 1817, a filha do imperador Francisco I, da Áustria, chegava ao Brasil para morar no palácio.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosA futura imperatriz Leopoldina mandava muito: estava nomeada regente por Dom Pedro naquele começo de setembro de 1822 quando ele foi a São Paulo acalmar paulistas quando já havia feito antes com mineiros. Já tinha dado luz a seus quatro primeiros filhos – um nasceu morto – no palácio da Quinta da Boa Vista. A primogênita Maria, futura Rainha de Portugal, brincava nos jardins. A culta imperatriz havia sido entusiasta da fundação, um ano depois de sua chegada, pelo sogro Dom João VI, do Museu Nacional, que ficava, então, no Campo de Santana. A missão científica austríaca que veio com ela ao Brasil ajudou na montagem do museu.
No dia 2 de setembro de 1822, exatamente 196 anos antes do incêndio, a princesa, regente em exercício, chamou o Conselho de Estado no Paço Real e comandou, ao lado do ministro José Bonifácio, homem de confiança do casal, a reunião que decidiu pela separação definitiva entre Brasil e Portugal, assinando e a declaração de independência. Creio que não há registro, mas deve ter sido ali, em mesas do palácio, que ela e Bonifácio escreveram as cartas que Dom Pedro receberia cinco dias depois, às margens do Ipiranga, relatando o ultimato das Cortes Portuguesas para que voltasse a Lisboa e para que o Brasil fosse submetido às vontades de Portugal. O resto – o teor das cartas, inclusive – é história: Independência ou Morte.
Dom Pedro virou Pedro I, imperador do Brasil, a Imperatriz Leopoldina morreu no agora Palácio Imperial em 1826, que aliás continuou passando por uma reforma atrás da outra até 1831, quando o imperador renunciou em favor do filho, então com seis anos. O imperador Pedro II, que também brincou naqueles jardins, foi o responsável pelas grandes reformas que deram a Quinta da Boa Vista a face que tem hoje, sob o comando do arquiteto francês Auguste Glaziou – responsável também pelo Passeio Público e o Campo de Santana. Após o casamento de Pedro II com a imperatriz Teresa Cristina, o próprio Palácio Imperial passou por reformas.
A chegada da República não fez bem ao antigo Paço de São Cristóvão como a quase nada no bairro. Boa parte do que aqui sobrara após a partida de Dom Pedro II e da família real foi destruído e, felizmente, antes que algo pior acontecesse, em 1892, o Museu Nacional e seu acervo foram transferidos para o Paço da Quinta da Boa Vista – o museu, desde 1946, passou a ser administrado pela Universidade do Brasil, hoje UFRJ. Das imensas riquezas destruídas pelo incêndio, a memória da monarquia talvez tenha sido a menos afetada: há muita coisa guardada no Museu Imperial de Petrópolis e no Museu Histórico Nacional, no Rio.
Enquanto escrevo, já nas primeiras horas do dia 3, quando o mensageiro real cavalgava 196 anos atrás com as cartas de Leopoldina e José Bonifácio para Dom Pedro, as informações dão conta que quase todo o acervo do Museu Nacional – o mais antigo fóssil humano encontrado no Brasil, a coleção egípcia iniciada por Dom Pedro, os esqueletos de dinossauros encontrados no país, artesanatos e artefatos indígenas – foi destruído. Mas as paredes e a estrutura do prédio estão firmes e – sonhar não custa nada – podem servir de alicerces para alguma nova independência para tratarmos melhor a ciência, a cultura, a história e patrimônio do Brasil. #RioéRua
Relacionadas
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade
Não há um erro em relação às datas? 1926 e 1931? Acho que confundiram com 1826 e 1831, no século XIX e não XX.
Obrigado, Miguel
Pingback: Independência e vida – Bem Blogado