Quando o antigo vira vanguarda

Festival Lixo Zero, em Paris, aposta em soluções simples e caseiras para reduzir o volume de lixo

Por Marlene Oliveira | LixoODS 15ODS 6 • Publicada em 15 de agosto de 2018 - 08:11 • Atualizada em 5 de junho de 2019 - 03:09

Inauguração da Casa Lixo Zero, em Paris. Foto DENIS MEYER / HANS LUCAS
nauguração da Casa Lixo Zero, em Paris. Foto DENIS MEYER / HANS LUCAS
Inauguração da Casa Lixo Zero, em Paris. Foto DENIS MEYER / HANS LUCAS

Você, como eu, já deve ter recebido em um WhatsApp da família ou de amigos do colégio, mensagens saudosistas sobre produtos, comportamentos e forma de consumir totalmente “ultrapassadas”. Pois bem, sacuda a poeira do passado, pois o que era antigo ressurge como vanguarda. Para tentar minimizar os efeitos que o consumo desenfreado está causando no planeta, o moderno agora é recuperar, reutilizar, emprestar, consertar e, quando – somente quando – não houver outra solução, comprar algo novo.

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Na França, cada cidadão possui em média 34 objetos que raramente utiliza ou, pior, não utiliza jamais. Cerca de 20% dos eletrodomésticos jogados no lixo poderiam ser facilmente consertados

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Liquidações, preços irresistíveis, promoções, pagamentos parcelados, obsolescência programada, técnicas de marketing, descontos… Tudo é feito para provocar a compra impulsiva, criando um desejo e uma necessidade artificial.  Na França, cada cidadão possui em média 34 objetos que raramente utiliza ou, pior, não utiliza jamais. Cerca de 20% dos eletrodomésticos jogados no lixo poderiam ser facilmente consertados.

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Para ajudar as pessoas a terem um consumo mais responsável e ecológico, especialistas reunidos no último Festival Lixo Zero, em Paris, criaram dois métodos que apresentam perguntas fundamentais que devem ser feitas antes de se aventurar em uma nova compra. O primeiro método, apresentado como acrônimo da palavra BISOU, beijo em francês, foi desenvolvido por duas francesas, Marie Lefèvre e Herveline Verbeken, no livro “J’arrête de surconsommer!” (Eu paro de consumir demais). As perguntas são:

Arte Elise Kamm

O segundo método, “Partager c’est sympa” (Compartilhar é legal)

Arte Elise Kamm

Confesso que levei uma boa chacoalhada – no bom sentido, mental e não físico – percorrendo os ateliers, as conferências, os debates e até a visita a uma casa “zero waste“. Lactofermentação de resíduos alimentares, absorventes higiênicos laváveis, fraldas plásticas para bebês, sacolas de tecido que você mesma costura à mão para comprar sementes e grãos – sim, você deve privilegiar a compra à granel – uso de vinagre branco na limpeza doméstica… Práticas que andavam esquecidas e que voltaram a ganhar notoriedade.

Para mostrar que o “Lixo Zero” não é mera ficção de militantes, o festival incluiu na agenda a visita a uma casa, residência de um casal e suas duas crianças. Durante a caminhada de meia-hora para chegar lá, fui imaginando como seria uma casa “Lixo Zero”. A resposta é…. uma casa normal: sala, quarto, cozinha, banheiro. O que muda é a atitude perante o consumo. Produtos comprados a granel, alguns produzidos em casa – sabão líquido e amaciante, por exemplo, o que evita as embalagens, além de brinquedos reciclados e artesanais. Em um pequeno espaço do jardim, o casal faz a compostagem dos resíduos alimentares de todo o prédio, gerando adubo que é usado nos jardins do condomínio.

Nova militância: Foco nas boas práticas e no positivo

Enchentes, terremotos e furacões andam varrendo a Terra sem dó nem piedade. As imagens chocam e nos fazem lembrar que, além de vítimas, somos, muitas vezes, os responsáveis. No entanto, esse tipo de alerta parece não surtir mais os efeitos necessários pois sua duração é curta.

Segundo Isabelle Hajek, cientista social, professora e pesquisadora da universidade de Estrasburgo (França), a militância ecológica passou por várias etapas e está numa nova fase. “Até pouco tempo atrás, usava-se as catástrofes e desastres ecológicos para conscientizar e, num certo sentido, amedrontar a população. Era a busca da conscientização pelo pânico e estresse. As imagens eram chocantes”. Segundo ela, hoje, a mobilização é focada no agir, na ação e no positivo, usando mais pedagogia e menos o terror e o medo. ” Há uma valorização do indivíduo, como ator principal, para que as mudanças aconteçam.”

As mudanças não param aí. Isabelle revela ainda que houve uma mudança radical no perfil do novo ativista. “Quem é o ativista hoje? São pessoas comuns e que se questionam sobre o estilo de vida imposto pelo mercado, baseado no consumo.  São o que chamamos de “pessoas em movimento”, ou seja, que viajaram e que aproveitaram suas viagens para ter contato com outras experiências ecológicas. Há também aquelas que estão numa fase de transição – nascimento de filho, término de faculdade, fim de um trabalho, ou que buscam uma nova atividade.” Ela confirma que os ativistas são diplomados. “São diplomados sim, mas são pessoas sensíveis aos conhecimentos que vão além daqueles aprendidos na universidade. São pessoas que dão importância, por exemplo, aos saberes populares”. Ultra-conectados, integrantes em sua maioria da geração Y, ou Millenials, os novos militantes ecológicos são defensores do lixo zero e, também, dos produtos orgânicos, vegetarianos e da causa animal.

Marlene Oliveira

Jornalista e profissional de comunicação, vive em Paris e conhece bem a ebulição do ambiente corporativo. Acredita que a queda do império romano "é pouco" perto das transformações que a sociedade está vivendo mas, otimista até a raiz dos cabelos, acredita que dias melhores virão. Inxalá!

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