Estrela Dalva – Instituto Lecca

Por Alfredo Mergulhão | Mapa das ONGs • Publicada em 26 de outubro de 2015 - 01:00

Estrela Dalva: escola para superdotados
Crianças superdotadas de comunidades carentes do Rio frequentam o Programa Estrela Dalva, onde a média de aprovação é elevada

Samuel fazia aniversário no dia em que resolveu colaborar com um dos espaços que tem mudado sua vida. Na data em que completava 10 anos de idade, 21 de setembro, o menino ofereceu um livro da série “O ônibus mágico” para a biblioteca do Programa Estrela Dalva, que funciona no terceiro andar de um prédio na Rua Morais e Vale, na Lapa. Era a trigésima obra literária lida pelo garoto apenas em 2015. Ele é uma das 24 crianças superdotadas que participam do projeto, voltado para moradores de comunidades carentes do Rio de Janeiro.

O Programa Estrela Dalva trabalha com meninos e meninas de 9 a 11 anos, de baixa renda e que possuem capacidade de pensar acima da média. Eles são precoces, criativos, curiosos, críticos e não se contentam com o currículo formal aplicado nas escolas públicas convencionais. Precisam ser estimulados para que não fiquem entediados e desistam dos estudos.

– Aqui eu aprendo muito mais, as professoras ensinam melhor. Na minha escola os meninos nem gostam de usar a biblioteca – disse Samuel, que sonha em ser cientista quando crescer. Ele estuda na Escola Municipal Nova Holanda, no Complexo da Maré, e se prepara para seleção das unidades de ensino público de excelência do Rio: os colégios Pedro II e CAp-Uerj. No processo seletivo de 2015, os alunos do Programa Estrela Dalva tiveram 92% de aprovação.

A missão do projeto social é perceber a capacidade diferenciada dessas crianças de baixa renda e colocá-las nas melhores escolas, condizentes com o potencial que elas têm. Criado em 2007, o programa atendeu 216 alunos e fez a vida de cada um deles se transformar. Alguns já estão na faculdade em cursos como Biomedicina, Direito e Engenharia.

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Nossa meta é selecionar crianças muito inteligentes e aprová-las nas escolas de excelência, para que elas passem nas melhores universidades de país e se tornem profissionais de primeira linha. Elas têm uma enorme capacidade de pensar e vieram de uma vida dura, conhecem os problemas brasileiros. Nós precisamos dessas pessoas como produtoras de conhecimento, capazes de resolver os desafios que nossa sociedade enfrenta

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Aproveitar os talentos

Na semana que antecedeu seu aniversário, Samuel não pôde participar da programação de aulas, jogos educacionais, debates, oficinas e atividades culturais. Nem mesmo acessar a biblioteca com mais de 2500 livros à disposição. A favela onde mora, a Nova Holanda, no Complexo da Maré, estava com a “chapa quente”, como ele mesmo descreveu. Então o menino aproveitou o tempo para terminar o livro da série que mais gosta.

A van que busca Samuel e outras cinco crianças em casa na Maré sequer pôde entrar na comunidade. Muitas vezes, as mães precisam levar os filhos até a Avenida Brasil para que eles possam seguir até o Programa Estrela Dalva. Maria Clara Sodré lembra que episódios de violência são frequentes na vida das crianças superdotadas atendidas no projeto que desenvolve. Mantê-las estimuladas e ocupadas em atividades extracurriculares significa não perder esses talentos para atividades ilegais que rendem dinheiro fácil.

Samuel e a coordenadora do curso
Samuel e a coordenadora do curso, Maria Clara

– Nós desperdiçamos pessoas com capacidade altíssima todos os dias. No Brasil exitem milhares de garotos como os que trabalhos aqui. São talentos jogados pelo ralo – criticou a pedagoga. Maria Clara Sodré ressalta que as famílias também não percebem o quanto suas vidas vão mudar. Na medida em que os alunos levam conhecimento para casa e são aprovados em seleções concorridas, os familiares buscam correr atrás dos estudos. As crianças selecionadas no projeto e seus irmãos ganham bolsa de estudos da Cultura Inglesa.

A percepção das famílias é explicada pelas condições dos adultos. A maioria trabalham como empregadas domésticas, diaristas, porteiros e faxineiras.

Com orçamento anual de R$ 800 mil, o Programa Estrela Dalva tem capacidade limitada de atendimento. A escolha das crianças envolve a aplicação de testes para 3 mil alunos de 50 escolas indicadas pela Secretaria municipal de Educação, seguida de uma prova de interpretação de texto, redação e matemática para os 10% melhores colocados e, por fim, uma entrevista com os 80 primeiros. Finalizada a peneira, 24 crianças são escolhidas.

– Nós selecionamos o grupo e convidamos para estudar conosco. Claro que fica muita gente boa de fora, a escolha é dolorosa – explica Maria Clara Sodré. Com ela, trabalha uma equipe fixa formada por outras quadro psicopedagogas que trabalham como prestadoras de serviço. Mais duas professoras atuam pontualmente, com Recibo de Pagamento a Autônomo (RPA). Somente as duas funcionárias que cuidam da limpeza e alimentação têm contrato via CLT.

O Programa Estrela Dalva se mantém com recursos provenientes de parcerias. A principal é com o Instituto Lecca, que é a pessoa jurídica do projeto. Braço social da Lecca Financeira e Investimentos, a entidade auxilia na parte de contabilidade. Outro parceiro é o Instituto Brookfield, ligado à empresa da área de construção civil. Há ainda parcerias com o Instituto Phi e com a Vila Olímpica da Maré.

O projeto depende de patrocínio, pois todos os profissionais são remunerados e as atividades funcionam em salas alugadas. Cada patrocinador solicita informações diferentes na prestação de contas, mas a maior contrapartida que exigem é social, de acordo com a coordenadora d Estrela Dalva.

– Nossos patrocinadores acreditam no que estamos fazendo e a contrapartida é um Brasil melhor a longo prazo. Com educação de primeira classe para indivíduos muito inteligentes e de baixa renda, teremos no futuro profissionais muito bem preparados e capazes de produzir em direção a um país melhor. A criança vai se beneficiar poque já acham estudar divertido. Mas, além disso, as supercabeças vão ser estimuladas para trabalhar para o bem do país e as necessidades do Brasil serão atendidas – pontua a pedagoga.

Exemplos internacionais

Idealizadora do Estrela Dalva, Maria Clara Sodré fez doutorado na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde estudou pessoas superdotadas. Lá, as escolas convencionais identificam os alunos mais capazes e separam em uma turma, na qual os conteúdos são ensinados de forma mais ampla e profunda. Essas crianças geralmente conseguem entrar para as universidades com ingresso mais competitivo, como Harvard e MIT.

Ela também aponta casos de sucesso como o da China, no qual um programa educacional identifica e acelera o processo de aprendizado dos mais capazes. Não é a idade que os freia. Os pequenos chineses superdotados estudam com seus pares intelectuais. Há outros exemplos como o Japão e Cingapura, mas Maria Clara Sodré prefere lembrar do trabalho desenvolvido na Coréia do Sul.

– A Coréia do Sul buscou esses alunos de forma científica e sistemática, com base em indicadores desde a pré-escola para saber onde estão esses talentos. E fizeram esses alunos andarem mais rápido para chegar até a universidade – afirmou. As experiências internacionais inspiram o que a pedagoga faz no Brasil. Ela sonha com o dia em que seu projeto seja dispensável porque todas as escolas serão de excelência. (veja vídeo)

Políticas públicas

Maria Clara Sodré é crítica ao governo brasileiro, que não percebe as oportunidades que perde quando relega a educação ao segundo plano. Por outro lado, o Programa Estrela Dalva não busca influenciar na aplicação de políticas públicas.

– Já cansei desse pedaço. O que posso fazer de convencimento é participar de congressos para falar sobre a importância de trabalhar com as melhores cabeças do Brasil, só que o poder público não dá importância para isso. Somos conscientes de que fazemos pouco em relação ao número de superdotados, mas é como a história do beija-flor que pega água no bebedouro e joga uma gotinha em cima do incêndio. É o que ele pode fazer para ajudar – argumenta.

O Programa Estrela Dalva pretender colaborar mais, em 2016. A entidade negocia uma nova parceria que ampliaria a capacidade de atendimento para 36 crianças.

Alfredo Mergulhão

Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Goiás. Trabalhou nos jornais "Diário da Manhã", "O Hoje" e "O Popular", de Goiânia. Desde 2014 está Rio, onde trabalhou no Portal UPP e, atualmente, no "Extra".

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Um comentário em “Estrela Dalva – Instituto Lecca

  1. Leticia ramos disse:

    Pena que nao é em São Paulo… Meu filho tem apenas 3 anos, ele já lê, conta ate 100, sabe todas as formas geométricas, abc completo , planetas, cores, animais, etc … Obs: tudo em inglês e português… Passa no psicólogo do sus e por enquanto o diagnóstico é alta potencialidade e criança atípica.

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