ODS 1
Os novos muros para apartar a miséria
Europa investe para bloquear as rotas de entrada que restam aos imigrantes africanos
(Martin Plaut*) – Um acordo assinado na Itália com tribos do sul da Líbia pode ser o último elemento da barreira que a União Europeia (UE) vem construindo para deter a chegada de africanos à Europa. “Selar a fronteira sul da Líbia significa selar a fronteira sul da Europa”, declarou o ministro italiano das Relações Exteriores, Marco Minniti, após a cerimônia de assinatura. O acordo, negociado em segredo com os líderes dos grupos étnicos Toubou e Awlad Sulaiman, beneficia políticos europeus sob pressão para interromper a entrada de mais imigrantes e refugiados africanos.
[g1_quote author_name=”Marco Minniti” author_description=”Ministro das Relações Exteriores da Itália” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Selar a fronteira sul da Líbia significa selar a fronteira sul da Europa
[/g1_quote]Ao jornal italiano La Stampa, Minniti explicou que “o serviço de guarda da Líbia estará ativo em toda a longa fronteira sul do país, de cinco mil quilômetros. E, no norte, os que fazem tráfico marítimo de imigrantes serão reprimidos pela Guarda Costeira líbia, treinada por especialistas italianos e equipada com dez barcos a motor.
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Veja o que já enviamosO acordo líbio é a parte mais recente de uma barreira construída para proteger o sul da Europa – o Mediterrâneo. Pode não ser uma barreira física comparável ao muro de Donald Trump na fronteira EUA – México, mas está quase no lugar.
As rotas que os africanos usavam para chegar à Europa estão sendo fechadas rapidamente. Atualmente, quase não há trânsito marítimo da África Ocidental via Ilhas Canárias. Apenas 144 pessoas chegaram à Espanha por este caminho entre julho e setembro de 2016, segundo as estatísticas mais recentes da Frontex, a força de fronteiras da UE. Mais gente cruzou dos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, na costa norte de Marrocos, mas ainda assim foram pouco menos de 3 mil.
A rota pelo Sinai e Israel também foi fechada. O tratamento brutal de eritreus e sudaneses no Sinai por parte de grupos beduínos de estilo mafioso, que cobram resgates à força de tortura e estupro, certamente foi um grande obstáculo no passado. Mas essa rota foi totalmente fechada em dezembro de 2013, quando as autoridades israelenses construíram uma cerca quase inexpugnável, bloqueando a entrada pelo Sinai.
Líbia e Egito permanecem como uma possibilidade para os imigrantes, mas ambos se tornam cada vez mais difíceis de cruzar. O mais recente relatório da Frontex deixa isso claro. O Egito tornou-se mais atraente após a brutal matança e escravidão dos africanos que tentavam usar a rota líbia. Muitos são cristãos etíopes e eritreus, submetidos aos mais terríveis abusos por membros do Estado Islâmico (IS).
Mas mesmo o Egito tem suas desvantagens. Como a Frontex deixa claro, muitos refugiados tentam driblar as autoridades para evitar serem repatriados à força para seus países de origem. Isto deixou a Líbia – perigosa como é – como uma das poucas vias para a Europa. O bloqueio desta passagem é crítica para o êxito da estratégia da UE, como deixou claro uma recente avaliação oficial da Comissão Europeia: “A Líbia é de importância crucial como o principal ponto de partida para a rota do Mediterrâneo Central”.
Por isso, o acordo assinado na Itália é tão importante. Como a Frontex explicou, a cooperação das tribos da área é vital para fechar a rota através da fronteira sul da Líbia: “Os grupos Tuareg e Toubou dominam o contrabando local de seres humanos graças ao fato de terem seus membros espalhados em ambos os lados da fronteira”.
As propostas italianas estão em sintonia com os acordos que a UE estabeleceu com os líderes africanos durante uma cúpula realizada em Malta, no final de 2015. Os dois lados assinaram um documento para travar a fuga de refugiados e emigrantes. A Europa ofereceu formação às autoridades policiais e judiciais africanas em novos métodos de investigação, ajudando ainda na criação de unidades de polícia especializadas no combate ao tráfico e ao contrabando. As forças europeias da Europol e da Frontex auxiliarão a polícia africana a combater a produção de documentos falsos e fraudulentos.
Isso significava cooperar com regimes ditatoriais como o do Sudão, cujo governante, Omar al-Bashir, é procurado por crimes de guerra e contra a Humanidade pelo Tribunal Penal Internacional. Mas al-Bashir é visto agora como um amigo do Ocidente, apesar de sua folha corrida. Um dos últimos atos de Barack Obama como presidente dos EUA foi levantar as sanções contra o Sudão.
É evidente que a Europa está determinada a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para reduzir e, finalmente, deter o êxodo africano. Mas um ponto precisa ser enfatizado: o “muro” da UE não é, de forma alguma, a única barreira que os africanos têm de enfrentar.
Como o documento da Frontex deixa claro, vários estados africanos têm seu próprio sistema de cercas, ou estão planejando construí-los. Estes incluem o muro marroquino para parar a passagem dos sarauís da Argélia, bem como cercas ao longo das fronteiras entre o Níger e a Nigéria, Tunísia e Líbia e uma cerca planejada entre o Quénia e a Somália.
A caminho da Europa, refugiados e emigrantes se deparam com obstáculos cada vez mais difíceis.
*Martin Plaut é pesquisador sênior sobre Sul e Chifre da África da Escola de Estudos Avançados do Instituto Commonwealth
Tradução: Trajano de Moraes
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