Mães sem licença

EUA podem deixar de ser o único país desenvolvido do mundo a não pagar pela licença-maternidade

Por Bárbara Marcolini | ODS 1 • Publicada em 8 de novembro de 2016 - 08:57 • Atualizada em 8 de novembro de 2016 - 13:29

A licença familiar remunerada é um dos poucos temas em que Hillary Clinton e Donald Trump concordam. Foto de Mark Ralston/AFP
A licença familiar remunerada é um dos poucos temas em que Hillary Clinton e Donald Trump concordam. Foto de Mark Ralston/AFP
A licença familiar remunerada é um dos poucos temas em que Hillary Clinton e Donald Trump concordam. Foto de Mark Ralston/AFP

Sete anos sem tirar férias. Foi assim que a enfermeira Karina Albuquerque, que mora em Nova York há 15 anos, conseguiu ficar longe do trabalho durante os primeiros meses de vida de seu primeiro filho – um luxo que poucas mães por aqui podem bancar.

Os Estados Unidos são o único país desenvolvido no mundo que não tem licença-maternidade paga em todo o território nacional – ao lado apenas de Suriname, Nova Guiné e algumas ilhas no sul do Pacífico. No setor privado, somente 12% dos trabalhadores americanos podem contar com algum tipo de licença familiar remunerada. O tema é um dos poucos em que Hillary Clinton e Donald Trump concordam – apesar de terem propostas diferentes, os dois candidatos prometem tirar o país dessa vergonhosa lista.

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Tenho trabalhado como uma louca nos últimos meses, tentando guardar o suficiente para me sustentar por alguns meses sem uma fonte de renda, mas tem sido difícil.

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A lei americana garante até 12 semanas de licença não remunerada, mas apenas para quem esteja há pelo menos um ano trabalhando em uma companhia com mais de 50 funcionários. A legislação não impede que o funcionário seja demitido ao retornar da licença, o que faz com que muitas mulheres tenham medo de perder o emprego ao se ausentarem.

Karina Albuquerque e seu filho recém-nascido, Brian, em 2014. Ela guardou as férias durante sete anos para poder aproveitar os primeiros meses do bebê. Foto: Arquivo Pessoal/Brilianna Photography
Karina Albuquerque e seu filho recém-nascido, Brian, em 2014. Ela guardou as férias durante sete anos para poder aproveitar os primeiros meses do bebê. Foto: Arquivo Pessoal/Brilianna Photography

Karina é uma exceção: conseguiu passar sete meses em casa quando seu primeiro filho, Brian, nasceu em 2014. Para isso, a enfermeira planejou em detalhes sua licença anos antes de engravidar. Como o hospital em que trabalha permite que as funcionárias fiquem até um ano afastadas do trabalho, ela acumulou folgas e férias durante sete anos e guardou o equivalente a 12 meses do seu salário.

“Ser um país desenvolvido e não ter licença-maternidade é uma vergonha. No Brasil as pessoas têm esse benefício que a gente não tem aqui,” critica Karina. “Quando comecei a pensar que um dia ia querer engravidar e descobri que não teria direito a licença remunerada, comecei a guardar minhas férias para esse momento.”

Nem todas têm a mesma flexibilidade. Nos Estados Unidos, mulheres que têm direito a tirar licença não remunerada ficam em média 58 dias longe do trabalho, de acordo com uma pesquisa da National Partnership for Women & Families. Metade respondeu que encerrou sua licença antes do que gostaria por questões financeiras.

“Algumas voltam a trabalhar duas semanas após dar à luz. Isso não é bom para a mãe nem para o bebê,” aponta a economista Eileen Appelbaum, do Center for Economic Research.

Cerca de 57% das pessoas que trabalham até 30 horas por semana, as chamadas part-time, não têm um dia sequer de licença médica remunerada. O mesmo ocorre com 35% dos trabalhadores de baixa renda. Segundo a economista, esses empregos normalmente estão nos setores que mais empregam mulheres jovens, como varejo, restaurantes, hospedagem e trabalhadores domésticos. Isso significa que essas mulheres têm descontados do contracheque até mesmo o dia que faltarem por estarem em trabalho de parto.

“Nesses casos, essas mulheres vão apelar para os benefícios sociais, ou seja, para o governo. Muitas vezes ficam endividadas, pois simplesmente não têm como pagar suas contas,” diz Eileen.

Para aliviar a situação, muitas famílias têm apelado para plataformas de financiamento coletivo. Há pelo menos 6 mil páginas com a expressão “licença-maternidade” no GoFundMe, um dos sites mais populares para esse tipo de campanha. Nos pedidos de ajuda, pais e mães citam gastos com despesas médicas, fraldas e o desejo de passar mais tempo ao lado dos filhos recém-nascidos.

“Tenho trabalhado como uma louca nos últimos meses, tentando guardar o suficiente para me sustentar por alguns meses sem uma fonte de renda, mas tem sido difícil,” escreveu a futura mãe Nicole Gurgiolo, que conseguiu arrecadar US$ 1.605. “Estou pedindo o equivalente a três meses de aluguel, e vou usar o que guardei para pagar todas as outras contas e despesas durante essas semanas sem trabalhar.”

O tema ganhou maior repercussão durante a campanha presidencial – mas não por um bom motivo. Ivanka Trump, porta-voz do pai quando o tema é alguma política voltada para as mulheres, garantiu em entrevistas que todos os empregados das empresas da família tinham direito a oito semanas de licença-maternidade paga (o mesmo que o candidato defende caso seja eleito). Foi desmentida em seguida, quando trabalhadoras revelaram ao Huffington Post que só tinham direito às 12 semanas não remuneradas estabelecidas pela lei. A polêmica foi ainda maior quando uma ex-funcionária relatou no Facebook sua luta para conseguir tirar a licença enquanto trabalhava para a filha de Trump.

“Quando perguntei sobre licença-maternidade, ela disse que iria pensar, que na empresa eles não ofereciam licença-maternidade e que ela voltou ao trabalho uma semana depois de ter seu primeiro filho,” escreveu a ex-funcionária, Marissa Velez Kraxberger.

A polêmica acabou beneficiando Hillary Clinton, que propõe 12 semanas remuneradas para mães e pais. A proposta não apenas é um avanço para os padrões americanos, como também estimula a igualdade de gênero no ambiente de trabalho, explica a economista Elise Gould, do Economic Policy Institute:

“Se você conseguir fazer com que homens e mulheres tenham direito à mesma licença, você começa a trabalhar de forma a diminuir a diferença salarial entre os sexos,” explica Elise. “Além disso, também é preciso oferecer creches acessíveis. Nós, como país desenvolvido, estamos muito atrás nesse aspecto.”

Bárbara Marcolini

Jornalista, mora em Nova York, trabalha com mídias sociais e faz mestrado em Jornalismo Empreendedor na CUNY. Cobre Economia, Direitos Humanos e América Latina para veículos internacionais. Trabalhou no jornal O Globo.

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