ODS 1
Um bonde chamado saudade
Obras em Santa Teresa, que já estavam em marcha lenta, são paralisadas com apenas 3km de trilhos instalados
Nada mais moderno no Rio contemporâneo do que andar de bonde, ou melhor, no hi-tech VLT do Centro do Rio de Janeiro, sempre lotado de cariocas e turistas. Mas a euforia que viaja no conforto do veículo leve sobre trilhos, inaugurado em julho ao custo de R$ 1,157 bilhão, não contagia os usuários de sua versão vintage, o bondinho de Santa Teresa. Os moradores veem o meio de transporte mais tradicional do bairro voltar aos trilhos em marcha lenta, desde que, em 2011, foi retirado das ruas, depois de um acidente com seis mortos e 50 feridos.
[g1_quote author_name=”Claudia Helena Schuch Pinto” author_description=”da Associação de Moradores de Santa Teresa” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A situação é tão absurda que os moradores já fizeram até uma horta aqui na rua para denunciar o abandono da obra
[/g1_quote]Dos 10,5 quilômetros de trilhos prometidos, foram entregues apenas 3 mil metros. E há mais de dois meses as obras de expansão estão paradas. Foram interrompidas pela Secretaria estadual de Transportes, para desânimo maior dos moradores, de um dia para o outro. Quem passa hoje na Rua Almirante Alexandrino, a principal do bairro, se espanta com o estado da pista no trecho entre o Hospital Quarto Centenário e o Morro do Fallet. São cerca de 350 metros em que a rua ficou sem capeamento em uma de suas duas faixas, o que fez o trilho se destacar no meio da terra e da brita que cobrem o chão esburacado, deixando motoristas e ciclistas em risco.
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Veja o que já enviamos“Essa situação é tão absurda que os moradores já fizeram até uma horta aqui na rua para denunciar o abandono da obra”, diz a jornalista Claudia Helena Schuch Pinto, diretora de comunicação da Associação de Moradores de Santa Teresa (Amast).
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Contra o abandono, os moradores já fizeram várias ações. Uma delas – “A primeira trilhorta urbana das Américas” – foi um protesto bem-humorado que a Amast promoveu no bairro, dia 26 de julho, lançando “o desafio olímpico”, para saber quem chegaria primeiro ao Silvestre: a plantação ou o bonde. O resultado, segundo Cláudia, foi a promessa da Secretaria estadual de Transportes de desmontar o canteiro de obras e recapear a rua até o dia 4 de agosto. Mas apenas parte dela foi cumprida.
“Eles vieram aqui e jogaram terra e brita na rua para abrir novamente a via. Mas fizeram isso sem recapear a pista. Depois falaram que recapeariam até o dia 8 e, por fim, só depois das Olimpíadas”, conta a diretora da Amast, dizendo que nenhum dos prazos foi respeitado.
A assessoria de comunicação da Secretaria estadual de Transportes informou que a obra foi paralisada por falta de recursos, mas que, há 15 dias, o trabalho foi retomado com a reforma da oficina dos bondes. A previsão é que as duas linhas – tanto a do Largo das Neves, quanto a do Silvestre –, que tiveram as obras interrompidas, sejam concluídas até dezembro de 2017. Sobre o trecho reclamado pelos moradores, a assessoria disse que estão sendo solicitados recursos para, no mínimo, recapear a rua.
A razão da prioridade da reforma da oficina é, segundo a secretaria, a necessidade de um local para a manutenção dos bondes, para que a expansão do sistema e a ampliação dos horários de funcionamento, reclamada pelos moradores, possa seguir adiante. Hoje, os bondes circulam de 8h às 16h de segunda-feira aos sábados, exceto feriados, o que, segundo a Amast, não atende às necessidades dos moradores que precisam do transporte para ir e vir do trabalho.
Tanto que o reduzido percurso do bonde faz a festa dos turistas, que são maioria entre os passageiros, por enquanto isentos de pagar a passagem. Reinaugurado em julho de 2015, o bonde ligou, em um primeiro momento, o Largo da Carioca ao Curvelo e, somente cinco meses depois, venceu os 500 metros até o Largo dos Guimarães. Um mês mais tarde, em janeiro deste ano, chegou à Rua Francisco Muratori, onde sua caminhada parou, em final de junho.
Mas para quem mora no trecho em que a obra foi abandonada, a prioridade é recapear a via e devolver à normalidade ao trânsito. Com a falta do asfalto, os trilhos salientes e os vários buracos, muitos motoristas preferem trafegar na contramão, passando para a única faixa asfaltada. O resultado é que, neste trecho, o trânsito fica muito lento e confuso.
“Esse pedaço da Almirante Alexandrino está muito perigoso, porque os carros vêm na contramão. Além disso, a poeira que sobe com o trânsito é muito incômoda para os moradores e para quem deixa os carros estacionados na rua. Eles ficam brancos de tanta poeira”, reclama a artista plástica Beatriz Rocha.
Tanta demora, faz com que a tão sonhada volta do bonde para o bairro tenha se transformado em um imbróglio. A recuperação do sistema foi anunciada pelo então governador Sérgio Cabral, em novembro de 2011, quando prometeu a recuperação dos bondes até 2013. O prazo não foi respeitado e a obra que, inicialmente, foi orçada em R$ 100 milhões já está em R$ 125 milhões e ainda longe de ser concluída.
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Luciana ContiJornalista há 25 anos, mantém na web o blog Gato de Sofá sobre literatura para crianças e jovens. Apaixonou-se pelo ofício de repórter no dia a dia das redações do Jornal do Brasil e de O Globo, tendo graduado-se em Comunicação Social e em Sociologia e Política, ambas pela PUC-Rio. É também especialista em literatura infantil e juvenil pela UFF e cursa a pós-graduação em Literatura, Artes e Pensamento Contemporâneo da PUC-Rio.