ODS 1
Bem-vindo à terra do nunca
Italiano faz sucesso com parque de diversões que funciona sem energia elétrica
Escondido entre as árvores centenárias de um bosque, em Nervesa di Battaglia, no norte da Itália, encontra-se o Ai Pioppi, o primeiro parque de diversões no mundo que funciona sem energia elétrica. Construído pelas mãos do simpático e sonhador nonnino Bruno Ferrin, de 79 anos, o parque, na sua simplicidade, proporciona aos grandes e pequenos a possibilidade de redescobrir o prazer de brincar.
[g1_quote author_name=”Bruno Ferrin” author_description=”Criador do Parque Ai Pioppi,” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Gostaria de voltar a ser criança para brincar eternamente. Minha alegria hoje é saber que proporciono momentos de plena felicidade aos pequenos, mas aos grandes também.
[/g1_quote]Um lugar onde nada é proibido, a entrada é gratuita e o único aviso existente pede para que os visitantes informem se encontrarem algum brinquedo quebrado. O parque ocupa uma área de 30 mil metros quadrados e possui cerca de 50 atrações. Na verdade, nem mesmo Bruno sabe exatamente a quantidade de atrações. “Já perdi a conta”, diz ele. Tem um pouco de tudo: escorregadores, um enorme tobogã de 30 metros, tapetes elásticos, roda da morte, gira gira, balancinhos, tirolesa e até uma montanha-russa – uma das duas atrações que precisam de energia elétrica -, na verdade, a energia serve somente para carregar o carrinho com 6 pessoas a uma altura de 30 metros, depois a queda de 100 km/h é livre.
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Veja o que já enviamosSem querer, usando materiais reciclados – pedaços de pneus, metais e cordas – para fabricar os brinquedos, Bruno construiu um parque ecológico. “A intenção não era exatamente essa, mas acho bom poder contribuir com a natureza”.
Criativo, nonno Bruno se inspira no mundo ao seu redor para criar seus brinquedos. “As ideias nascem assim, não sei bem explicar, vejo um ramo que cai, uma folha que flutua, um pássaro que voa e até uma pedra que rola. E aí penso que talvez possa usar tal movimento”, diz o italiano. Sua última invenção acabou de sair do forno, se chama catapulta e só pelo nome já dá para imaginar o que ela faz. Segundo ele, “o divertimento é garantido com a aceleração do carrinho que chega a 60km/h em um segundo”.
A entrada gratuita pode até ser vista como um jogo de marketing muito bem feito. “Se cobrasse 50 euros pela bisteca, você talvez a comeria, mas, com certeza, não voltaria mais. É a mesma coisa. Prefiro não cobrar nada pela entrada e garantir nossa renda com as refeições na hosteria e no restaurante”, diz. Os preços são bem modestos. É possível comer com 10 euros na hosteria e com 25 euros no restaurante. Bruno conta que aos domingos chega a receber 1500 visitantes, mas mesmo assim, modestamente, prefere não cobrar a entrada. “Psicologicamente falando, não conseguiria cobrar nem 1 euro (de entrada), não precisamos disso, não criei o parque para enriquecer, mas para alegrar as crianças”, diz.
Ai Pioppi abre aos sábados, domingos e feriados a partir de 01 de março e vai até o início de novembro. Mas o melhor dia para visitá-lo é domingo, pois é quando funcionam os brinquedos que usam um pouco de energia elétrica. “Escolhemos somente um dia da semana porque não queremos pagar uma conta de luz salgada e porque assim o visitante tem um motivo para voltar a nos visitar”.
A Terra do Nunca que o senhor Bruno construiu está longe dos centros históricos italianos, mas nem por isso fora do alcance de turistas que vêm de todas as partes do mundo para conhecer o parque de diversões dos pobres, como foi carinhosamente chamado. O jornal britânico The Guardian o classificou como uma das dez atrações mais bizarras do mundo. Ano passado até o youtuber Tom Scott esteve por aqui enlouquecendo nos brinquedos de Bruno.
Tudo começou no Brasil
A história do Ai Pioppi começou, na verdade, graças a um negócio frustrado com o Brasil. Bruno ri ao falar sobre suas peripécias pelo país. Em 1963 foi ao Brasil atrás de fortuna, mas não deu certo. Ele tinha uma sociedade com um amigo que não gostou nem um pouco do país e dizia, “com um discurso para lá de fantasioso, que iria embora para não ser devorado por canibais”, diz rindo. A coisa engraçada é que esse sócio, após viver um tempo na Itália, voltou de mala e cuia e foi viver em Belo Horizonte, onde torrou todo o dinheiro com uma produção de frango.
Bruno, de volta à Itália e procurando o que fazer da vida, se lembrou de um compadre que havia conhecido no Brasil e que produzia colares feitos com sementes. Jurando que o produto teria uma boa aceitação no mercado italiano, encomendou uns 3 mil exemplares. “Mandei o dinheiro, mas ele não mandou a mercadoria”, diz. Após 4 meses, Bruno pegou o navio e foi ao Brasil encontrá-lo. Conclusão: o italiano inventou mil desculpas pelo atraso e convenceu Bruno a comprar outras 10 mil unidades. “Acabei até me endividando”, diz. Até hoje, ele ainda encontra colares brasileiros escondidos em alguma parte da casa.
Mas o negócio não deu certo e faliu. Bruno então entrou no ramo da panificação e aproveitou para colocar em prática uma antiga ideia: abrir uma hosteria. Assim, encontrou um pedaço de terra cercado de Pioppis (um tipo de árvore, daí o nome do parque) e o alugou. Foi num minúsculo barracão que ele começou a vender linguiça, polenta, queijo e vinho, comidas típicas da região do Vêneto.
Anos mais tarde, comprou a terra e começou a pensar em estratégias que chamassem as pessoas para o sua hosteria. “Vou lembrar para o resto da minha vida o dia que comprei essa terra, foi a primeira vez que tive algo de minha propriedade”, conta. Daí começaram a brotar as ideias malucas de construir brinquedos para a molecada. A ideia inicial era construir um balanço e para isso precisava soldar uns ganchos. “Fui até a oficina de um amigo, que estava ocupado e disse que me arranjasse com aquilo. O problema é que nunca havia soldado nada antes. Me lembro dos dedos doendo e das faíscas laranjas, mas no final consegui fazer aqueles ganchos e montei o balancinho”, diz. Desde então, se apaixonou pelas invenções e nunca mais parou de construir brinquedos. “Para fazer um escorregador, bastam dois parafusos”, brinca.
Futura geração
O amor que coloca no parque é tão grande que não consegue nem quantificar quanto dinheiro já gastou. “Não saberia dizer, melhor assim, porque se minha esposa soubesse, me deixaria (risos)”. Apesar de querer fazer tudo como antes, Bruno sabe que a idade pesa e que o corpo não é mais o mesmo. Com muito carinho, começou a delegar algumas responsabilidades. Hoje seu maior orgulho é o neto que valoriza o mundo mágico que o nonno criou e está se preparando para ocupar o seu lugar. “Não me sinto mais com a mesma energia e força de anos atrás, ainda bem que agora meu neto está seguindo tudo”, diz. Além dele e do neto, trabalham lá, a esposa, as duas filhas e outros parentes.
“Gostaria de voltar a ser criança para brincar eternamente. Minha alegria hoje é saber que proporciono momentos de plena felicidade aos pequenos, mas aos grandes também”. Bruno, com seus brinquedos absurdos, deu vida ao lugar imaginário preferido das crianças que, como Peter Pan e seus amigos, não querem crescer.
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Formada pela Universidade São Judas Tadeu (SP), trabalha há 17 anos como jornalista e vive há 15 na Itália, onde fez mestrado em imigração, na Universidade de Veneza. Escreve para Estadão, Opera Mundi, IstoÉ e alguns veículos italianos como GQ, Linkiesta e Il Giornale di Vicenza. Foi gerente de projetos da associação Il Quarto Ponte, uma ONG que trabalha com imigração.