ODS 1
Democracia está abalada, dizem historiadores
Possibilidade de queda de dois presidentes em pouco mais de um ano é sinal de fragilidade
A democracia brasileira está sensivelmente abalada, mas não há motivos para temermos um novo golpe. Não que as instituições estejam fortes, e sim porque os militares perderam o apetite pelo poder. É a conclusão a que chegaram historiadores ouvidos pelo #Colabora sobre o cenário político atual, com a possibilidade de queda de um segundo presidente – Michel Temer – em pouco mais de um ano. Na última quinta-feira (18/5), Temer passou a ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pela denúncia de que teria dado o aval à compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na prisão para evitar denúncias contra o governo. Temer foi gravado por Joesley Batista, um dos sócios do frigorífico JBS.
[g1_quote author_name=”Américo Guichard Freire” author_description=”Historiador” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Temos um governo condenado a tocar adiante uma agenda ultra-liberal antipopular; um Congresso desmoralizado pelas denúncias de corrupção e partidos políticos sem legitimidade para mediar os conflitos. O retrocesso civilizacional é enorme
[/g1_quote]A professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Cláudia Viscardi alerta para o fato de as origens da crise serem anteriores ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. “O Brasil está em convulsão há quatro anos, desde as manifestações de 2013”, observa a historiadora, autora do livro “O teatro das oligarquias” (Ed. Fino Traço, 2012). “São quase quatro anos de convulsões abruptas”, afirma. Para ela, o afastamento da ex-presidente Dilma – que não teve seus direitos políticos cassados, ressalta – , por pedaladas fiscais, teria exposto ainda mais a fragilidade da democracia de um país que vive em clima politicamente instável desde 2013.
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Veja o que já enviamosPara Viscardi, as instituições não estariam “suficientemente consolidadas”. “Foi um desrespeito à Constituição. Dilma continuou apta a exercer o cargo”, sublinha a historiadora, que coordenará o Simpósio Temático “A história do Brasil recente: democracia e autoritarismo entre dois golpes de Estado”, no II Encontro Nacional de História Política, em João Pessoa, entre os dias 24 a 26. O título do seminário revela que, se depender dos historiadores, o impeachment de 2016 ficará registrado na História como golpe.
Professor da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de livros sobre a ditadura militar – “Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil” (Perspectiva, 2002), “Jango e o golpe de 1964 na caricatura” (Zahar, 2006) e “As universidades e o regime militar” (Zahar, 2014) – Rodrigo Patto Sá Motta concorda que o cenário político atual, que não poupa o mais alto escalão da República, não é sinônimo de fortalecimento das instituições democráticas. Muito pelo contrário. “Eu vejo como demonstração de fragilidade. O impeachment foi aprovado sem provas de crime”, pontua. “Desde o início, havia um perigo grande para os líderes do impeachment: usaram argumentos que poderiam ser facilmente voltados contra eles, a corrupção, claro”. Insuflaram a opinião pública e incentivaram jovens procuradores e juízes que se acham capazes de limpar os pecados do mundo, sem considerar o risco de que o processo saísse do seu controle” (leia a íntegra da entrevista aqui).
Para o historiador Américo Oscar Guichard Freire, pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas (FGV), também há razões para preocupação: “há enormes motivos para nos preocuparmos com a estabilidade do nosso regime democrático”. Para ele, a “derrubada de um governo eleito ajudou a desencadear um conflito político-institucional que está longe de ser enfrentado”. Autor dos livros “Sinais trocados: o Rio de Janeiro e a República brasileira”(7Letras, 2012) e “Uma capital para a República”(Revan, 2000), ele afirma: “Temos um governo condenado a tocar adiante uma agenda ultra-liberal antipopular; um Congresso desmoralizado pelas denúncias de corrupção e partidos políticos sem legitimidade para mediar os conflitos. O retrocesso civilizacional é enorme”.
Quem faz coro é o historiador Daniel Chaves, professor de História Contemporânea na Universidade Federal do Amapá. Ele acrescenta: o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em maio de 2016, não só não gerou estabilidade política como banalizou o instrumento de destituição dos ocupantes do Planalto (já somam novo os pedidos de impeachment contra Temer). Chaves classifica como “precaríssima” a estabilidade institucional do país. “O Brasil havia se tornado, de alguma forma paradigmático para a ascensão de uma massa de pobres na direção da cidadania, com razoável grau de estabilidade democrática e governabilidade”, afirma. “Mas neste momento, surpreendentemente, voltamos a ser assombrados pela precariedade da nossa saúde política”, observa o historiador, autor do livro “Autonomias: Bolívia no tempo presente” (Multifoco, 2010).
Mas, afinal, afirmar que a democracia brasileira está fragilizada significa supor que estamos sujeitos a golpes de Estado? Pelo menos não formalmente. Para Viscardi, já estamos assistindo no Brasil a um golpe, só que “branco, não violento”. A historiadora faz um paralelo do cenário político atual com o do pré-1964. “Assim como em 1964, o empresariado articulou o golpe de 2016 com o apoio da mídia, da população e da elite civil”, compara. “A diferença é que o papel dos militares hoje é ocupado pelo Judiciário e pelo Ministério Público”, afirma. “Em 1964, o STF aprovou o golpe, mas ele não teve papel relevante. O conjunto dos atores é o mesmo, mas com protagonismos diferentes”, prossegue Viscardi. Além, é claro, da conjuntura internacional, à época do golpe de 1964 marcada pela Guerra Fria.
Para Patto, a melhor comparação do cenário atual é com o golpe de 1964. O professor da UFMG classifica esta como uma das piores crises da República por conjugar fatores políticos e econômicos. Crises anteriores foram graves politicamente, mas não desestabilizaram a economia do país, sustenta. Em 1954, no suicídio de Getúlio Vargas, a situação econômica era estável e, logo em seguida, vieram os anos de desenvolvimentismo de JK. Em 1992, no impeachment do ex-presidente Fernando Collor, tínhamos a hiperinflação, mas não vivíamos uma recessão, acrescenta.
“Só não estamos ainda em uma ditadura efetiva porque os militares perderam o apetite pelo poder, felizmente, pois não seria difícil para a força armada assumir o controle”, afirma Patto. “No consórcio golpista atual, falta ossatura semelhante e o seu projeto de poder é mais frágil, como está claro agora. Isso aumenta as nossas incertezas quanto ao futuro, mas pode aumentar também as esperanças”.
Freire também estabelece semelhanças e diferenças com a ditadura militar: “Nos dois movimentos, as camadas médias ajudaram a compor o bloco conservador que liderou a ruptura política para derrubar governos reformistas. Em ambos, a grande imprensa cumpriu posição decisiva na defesa de ações golpistas”. Para ele, como já notara Viscardi, a diferença “é a forte presença do Poder judiciário e do Ministério Público no coração da crise”. Mas Freire não vê motivos para a intervenção dos militares no jogo político atual porque, nota o pesquisador e professor da FGV, a política “ainda permanece sob controle do bloco conservador-liberal”.
Então haveria luz no fim do túnel? O único caminho para o imbróglio, indica Freire, seria a aprovação de uma legislação que permitisse “a rápida recomposição da institucionalidade política” por meio de eleições diretas para a presidência. A mesma solução é apontada por Patto: “A saída de Temer pode abrir caminho para uma solução mais democrática, de preferência com eleições gerais (incluindo os parlamentares) diretas”. Chaves demonstra um pouco de otimismo: “Guardo ainda alguma expectativa de que um país com 200 milhões de pessoas, com tanta riqueza e vivacidade cultural, vá construir saídas criativas para o problema”.
Independentemente do desfecho do cenário atual, Viscardi resume a sensação de perplexidade que tomou conta do país nos últimos tempos. No mesmo dia, as hashtags #Temer renuncia e #Temer não renuncia foram para os Trending Topics do Twitter. Para a professora da UFJF, a História está mais acelerada, com muitos capítulos e fatos que mudam constantemente. “Os historiadores precisam de um intervalo cronológico para refletir sobre os acontecimentos”. O Brasil também.
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É jornalista com experiência nas redações de O Estado de S.Paulo, IstoÉ e O Globo, onde ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo com a série de reportagens “A história secreta da Guerrilha do Araguaia”. Pelo #Colabora, foi vencedora do Prêmio Vladimir Herzog, em 2019, na categoria multimídia, com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", em um pool jornalístico com a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo. Professora Adjunta do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs), na Universidade Federal Fluminense (UFF), é autora dos livros “Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência” e "Uma história da primeira página: do grito no papel ao silêncio no jornalismo em rede". É colaboradora no #Colabora e acredita (muito!) no futuro da profissão.
É um momento de muita reflexão, pois a corrupção está minando toda a história do Brasil. Roubos, desencontros, falta de caráter dos envolvidos nesse golpe, e a justiça também desestabilizada. Tendendo também há proteção de políticos corruptos e desonesto.
Sou otimista, pois, uma democracia com apenas 29 anos é natural ter alguns percalços e não existe ”caminho fácil”, portanto, é preciso passar por algumas dificuldades.