ODS 1
Quebre as gaiolas
Jovens indianas lutam contra uma história de violência e o preconceito
As meninas do Pinjra Tod quebraram a gaiola. É o que diz o próprio nome deste grupo de universitárias indianas sediado em Nova Delhi. No ano passado elas começaram a denunciar a discriminação contra as estudantes nos albergues das universidades. Ganharam o coração das mulheres indianas, cada vez mais organizadas na luta contra a violência e contra o preconceito nesta sociedade patriarcal.
[g1_quote author_name=”Devangana Kalita” author_description=”Ativista do Pinjra Tod” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Minha família, que vive em outro estado, não sabe os detalhes das minhas atividades aqui em Delhi. Pinjra significa gaiola. A família é uma gaiola muito grande e mais complicada de ser quebrada.
[/g1_quote]O movimento “quebre as gaiolas” começou a partir da reação de uma aluna da Universidade Jamia Milia Islamia, em Delhi, contra o fato de as normas de horário de fechamento dos albergues à noite serem impostas apenas às mulheres: as portas se fecham cedo para elas, às 18h ou às 20h, dependendo da faculdade. A partir daí a elas resta somente a clausura. Oficialmente o horário é o mesmo para ambos os sexos. Mas na prática os homens são livres: podem voltar na hora que quiserem. Já as moças, se passarem um minuto do horário ficam de fora. Se o atraso acontecer mais vezes, elas correm o risco de serem expulsas.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosO espaço público noturno acaba sendo vetado às mulheres em nome da “segurança”. É, na verdade, uma “caça às bruxas”, acusam as ativistas. As mais ousadas que se atrevem a sair de noite estão na mira e acabam punidas. O diretor de um dos albergues costumava tratá-las com ironia: “Você aqueceu a cama de quem na noite de ontem?”, lembram as meninas do Pinjra Tod. “Fazemos isso para o seu próprio bem” é um argumento comum que as jovens feministas acreditam ser uma das armas mais usadas contra as mulheres na Índia.
“Criamos uma página no Facebook e a partir daí estudantes de todo o país nos contactaram contando experiências semelhantes de frustração e humilhação”, conta Devangana Kalita, uma das ativistas do Pinjra Tod. Sorridente, voz doce, Devangana diz que vai seguir os passos das feministas indianas de gerações passadas já consagradas, como Uma Chakavarty.
Até na roupa ela sinaliza a contestação: Devangana usa um vestido branco de alcinha, deixando os ombros à mostra. O costume é cobrir esta parte do corpo. “As universidades reproduzem a mentalidade patriarcal da sociedade indiana”, reclamou. Ela cita a sua ídola feminista para explicar o papel que os albergues e as universidade assumiram em relação às mulheres: eles são um período de transição entre os pais e os maridos. “Os diretores mandam cartas para os pais ameaçando a gente de expulsão. Somos adultas e independentes. Não queremos que nos tratem como crianças que saíram das mãos dos pais e esperam acabar a universidade para cair nas mãos de um marido que vai continuar a nos tutelar”, contesta Devangana.
A luta feminista recente na Índia se divide entre o período anterior e posterior ao caso Nirbhaya: o violento estupro coletivo de uma jovem estudante em Delhi, dentro de um ônibus, em dezembro de 2012. Além do estupro, ela teve seu intestino destruído por um bastão de ferro e acabou morrendo.
O caso teve uma imensa repercussão internacional e levou as autoridades indianas a aprovarem punições mais duras para agressores, como pena de morte e prisão perpétua. Mas a implementação destas leis ainda segue um ritmo lento e vários outros casos já foram registrados após o de Nirbhaya, apelido dado pela mídia indiana à moça, cujo nome havia sido mantido em sigilo à época. “Após Nirbhaya passamos a ter muito mais cobertura da mídia”, constatou Devanagana.
As jovens abraçam as novas causas feministas, como campanhas de repúdio aos tabus da menstruação. No ano passado um templo hindu anunciou que iria instalar uma máquina para “checar a pureza das mulheres”: um scanner na entrada que detectaria quem está menstruada ou não. Isso provocou uma grande revolta e geraram campanhas na internet, como a “Happy to Bleed”.
“Nós somos influenciadas pela história de vários movimentos feministas que existiram em nosso país e estamos em permanente contato com as feministas das gerações anteriores”, ressalta Shambhavi Vikram, outra ativista. Mas apesar do sucessso e da exposição na mídia indiana, o Pinjra Tod sofre perseguição de estudantes de direita da Universidade de Delhi, que chegaram a rasgar seus cartazes e a fazer ameaças de agressão física contra elas.
Devangana cita novamente a consagrada feminista Uma Chakravarty para explicar que o medo de deixar as moças saírem à noite está ligado à repressão dos desejos femininos que podem transgredir as rígidas normas de castas e de classes. “Minha família, que vive em outro estado, não sabe os detalhes das minhas atividades aqui em Delhi. Pinjra significa gaiola. A família é uma gaiola muito grande e mais complicada de ser quebrada”, constatou.
Relacionadas
Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).