Os novos muros para apartar a miséria

Europa investe para bloquear as rotas de entrada que restam aos imigrantes africanos

Por The Conversation | ArtigoODS 1 • Publicada em 30 de maio de 2017 - 17:28 • Atualizada em 2 de junho de 2017 - 22:19

Migrantes africanos aguardam num posto em Trípoli após serem capturados pela polícia da LybiaAfrican migrants sit at a gathering at the Tripoli branch of the Anti-Illegal Immigration Authority, in the Libyan capital on March 22, 2017. Libya had rescued 420 migrants trying to cross the Mediterranean to Europe, navy spokesman General Ayoub Qassem said on March 20, 2017, but three were found dead and 30 reported missing. Of them were 205 Africans which “were on two inflatable dinghies that had started to take on water”, according to Qassem. / AFP PHOTO / MAHMUD TURKIA
Migrantes africanos aguardam num posto em Trípoli após serem capturados pelas autoridades da Lybia. Foto Mahmud Turkia/AFP
Imigrantes africanos aguardam num posto em Trípoli, após serem capturados pelas autoridades da Líbia. Foto: Mahmud Turkia/AFP

(Martin Plaut*) – Um acordo assinado na Itália com tribos do sul da Líbia pode ser o último elemento da barreira que a União Europeia (UE) vem construindo para deter a chegada de africanos à Europa. “Selar a fronteira sul da Líbia significa selar a fronteira sul da Europa”, declarou o ministro italiano das Relações Exteriores, Marco Minniti, após a cerimônia de assinatura. O acordo, negociado em segredo com os líderes dos grupos étnicos Toubou e Awlad Sulaiman, beneficia políticos europeus sob pressão para interromper a entrada de mais imigrantes e refugiados africanos.

[g1_quote author_name=”Marco Minniti” author_description=”Ministro das Relações Exteriores da Itália” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Selar a fronteira sul da Líbia significa selar a fronteira sul da Europa

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Ao jornal italiano La Stampa, Minniti explicou que “o serviço de guarda da Líbia estará ativo em toda a longa fronteira sul do país, de cinco mil quilômetros. E, no norte, os que fazem tráfico marítimo de imigrantes serão reprimidos pela Guarda Costeira líbia, treinada por especialistas italianos e equipada com dez barcos a motor.

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O acordo líbio é a parte mais recente de uma barreira construída para proteger o sul da Europa – o Mediterrâneo. Pode não ser uma barreira física comparável ao muro de Donald Trump na fronteira EUA – México, mas está quase no lugar.

As rotas que os africanos usavam para chegar à Europa estão sendo fechadas rapidamente. Atualmente, quase não há trânsito marítimo da África Ocidental via Ilhas Canárias. Apenas 144 pessoas chegaram à Espanha por este caminho entre julho e setembro de 2016, segundo as estatísticas mais recentes da Frontex, a força de fronteiras da UE. Mais gente cruzou dos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, na costa norte de Marrocos, mas ainda assim foram pouco menos de 3 mil.

Migrantes ilegais chegam ao porto de Zawiyah, na Lybia, após serem capturados a caminho da Europa. Foto Mahmud Turkia/AFP
Imigrantes ilegais chegam ao porto de Zawiyah, na Líbia, após serem capturados a caminho da Europa. Foto: Mahmud Turkia/AFP

A rota pelo Sinai e Israel também foi fechada. O tratamento brutal de eritreus e sudaneses no Sinai por parte de grupos beduínos de estilo mafioso, que cobram resgates à força de tortura e estupro, certamente foi um grande obstáculo no passado. Mas essa rota foi totalmente fechada em dezembro de 2013, quando as autoridades israelenses construíram uma cerca quase inexpugnável, bloqueando a entrada pelo Sinai.

Líbia e Egito permanecem como uma possibilidade para os imigrantes, mas ambos se tornam cada vez mais difíceis de cruzar. O mais recente relatório da Frontex deixa isso claro. O Egito tornou-se mais atraente após a brutal matança e escravidão dos africanos que tentavam usar a rota líbia. Muitos são cristãos etíopes e eritreus, submetidos aos mais terríveis abusos por membros do Estado Islâmico (IS).

Mas mesmo o Egito tem suas desvantagens. Como a Frontex deixa claro, muitos refugiados tentam driblar as autoridades para evitar serem repatriados à força para seus países de origem. Isto deixou a Líbia – perigosa como é – como uma das poucas vias para a Europa. O bloqueio desta passagem é crítica para o êxito da estratégia da UE, como deixou claro uma recente avaliação oficial da Comissão Europeia:  “A Líbia é de importância crucial como o principal ponto de partida para a rota do Mediterrâneo Central”.

Por isso, o acordo assinado na Itália é tão importante. Como a Frontex explicou, a cooperação das tribos da área é vital para fechar a rota através da fronteira sul da Líbia: “Os grupos Tuareg e Toubou dominam o contrabando local de seres humanos graças ao fato de terem seus membros espalhados em ambos os lados da fronteira”.

As propostas italianas estão em sintonia com os acordos que a UE estabeleceu com os líderes africanos durante uma cúpula realizada em Malta, no final de 2015.  Os dois lados assinaram um documento para travar a fuga de refugiados e emigrantes. A Europa ofereceu formação às autoridades policiais e judiciais africanas em novos métodos de investigação, ajudando ainda na criação de unidades de polícia especializadas no combate ao tráfico e ao contrabando. As forças europeias da Europol e da Frontex auxiliarão a polícia africana a combater a produção de documentos falsos e fraudulentos.

Isso significava cooperar com regimes ditatoriais como o do Sudão, cujo governante, Omar al-Bashir, é procurado por crimes de guerra e contra a Humanidade pelo Tribunal Penal Internacional.  Mas al-Bashir é visto agora como um amigo do Ocidente, apesar de sua folha corrida. Um dos últimos atos de Barack Obama como presidente dos EUA foi levantar as sanções contra o Sudão.

É evidente que a Europa está determinada a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para reduzir e, finalmente, deter o êxodo africano. Mas um ponto precisa ser enfatizado: o “muro” da UE não é, de forma alguma, a única barreira que os africanos têm de enfrentar.

Como o documento da Frontex deixa claro, vários estados africanos têm seu próprio sistema de cercas, ou estão planejando construí-los. Estes incluem o muro marroquino para parar a passagem dos sarauís da Argélia, bem como cercas ao longo das fronteiras entre o Níger e a Nigéria, Tunísia e Líbia e uma cerca planejada entre o Quénia e a Somália.

A caminho da Europa, refugiados e emigrantes se deparam com obstáculos cada vez mais difíceis.

*Martin Plaut é pesquisador sênior sobre Sul e Chifre da África da Escola de Estudos Avançados do Instituto Commonwealth

Tradução: Trajano de Moraes

The Conversation

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