ODS 1
Água: desperdício e ineficiência
Ex-ministra Izabella Teixeira critica irresponsabilidade com os recursos hídricos
A Cedae, Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro, joga fora diariamente o que o Sistema Cantareira, que abastece a cidade de São Paulo, precisa para suprir as necessidades da maior metrópole brasileira. É água limpa jogada fora, antes mesmo de ser consumida. Não é de hoje que a combinação de desperdício e ineficiência tira do sério a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira. Ao participar ontem do seminário “Crise Hídrica no Brasil: ontem, hoje e amanhã”, uma parceria da equipe do Projeto #Colabora com o Museu do Amanhã, Izabella se lembrou dos momentos mais críticos da recente crise hídrica e, ao ouvir do diretor de Produção e Grande Operação da Cedae, Edes Fernandes de Oliveira, os dados da empresa, perdeu literalmente a paciência. Levantou a voz, apontou o dedo e cobrou resultados.
Mesmo admitindo estar numa posição confortável para criticar – dado que está afastada do ministério até que o processo de impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff seja aprovado pelo Senado – Izabela classificou de “ineficiente” a gestão da empresa e criticou o fato de os indicadores de desperdício continuarem sendo anunciados publicamente como se fizesse parte do negócio. Referindo-se à seca de 2014-2015 – a maior dos últimos 83 anos que atingiu, especialmente, São Paulo – ela lembrou que o desperdício da Cedae “enlouquecia a gente”. E foi taxativa: “isso se chama ineficiência”.
Fernandes replicou afirmando que a empresa estava preparada para enfrentar uma escassez como a de 2003 – até então, a pior que abateu-se sobre a cidade do Rio de Janeiro. “Estávamos preparados para uma crise hídrica daquela proporção, mas a situação foi bem mais dramática”. No auge da crise de 2014-2015, os estados que são abastecidos pelo rio Paraíba do Sul, Rio, São Paulo e Minas Gerais, foram obrigadas a se comprometer com novas regras de uso da bacia hidrográfica. Até então, bastava a Agência Nacional de Águas (ANA) baixar uma norma e os governados estaduais seguiam – ou não, porque não havia fiscalização. “Como a crise foi avassaladora, a Cedae passou a emitir sinais de alerta diários, fez campanhas de desperdício e reuso, e ainda estudou a possibilidade de dessalinizar as águas de Maricá”, lembrou Edes. O projeto de dessalinização, no entanto, nunca saiu do papel. “O custo ainda é muito alto”, explicou,
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Veja o que já enviamosAinda que o Brasil seja dono da maior reserva de água doce do mundo, a questão hídrica veio para ficar. A água entrou na agenda global, ganhou relevância durante a Conferência do Clima de Paris, a COP21, e passou a fazer parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O fato de termos diferentes brasis – aquele que convive, historicamente, com a seca, o Nordeste brasileiro; o dos grandes centros urbanos, onde existe abundância nos bairros de classe média e escassez de água e falta de saneamento nas favelas; e a disparidade entre empresas eficientes e aquelas que continuam desperdiçando água – é a prova de que a questão hídrica não é mais um tema periférico.
[g1_quote author_name=”Sandra Azevedo” author_description=”UFRJ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Não há plano B para a água
[/g1_quote]Dados do Banco Mundial (Bird) indicam que o déficit hídrico vai perdurar, no mínimo, pelas próximas três décadas, especialmente porque a demanda mundial por alimentos não pára de crescer. Mesmo países como o Brasil terão que adotar medidas emergenciais para garantir a segurança hídrica. “Estamos finalizando o Plano Nacional de Segurança Hídrica”, anunciou o diretor da ANA, Antonio Felix, sem antecipar quando o documento será anunciado. Izabella, enquanto esteve no ministério, participou ativamente das discussões, que incluem, por exemplo, a adoção de bandeiras tarifárias.
“Não há plano B para a água”, pontuou a bióloga e professor titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ, Sandra Azevedo, comentando que enfrentar a crise hídrica no Brasil é encarar problemas socioeconômicos. Cólera, febre tifoide, disenteria, malária, febre amarela, dengue, zika vírus, chicungunha, hepatite A, rotavírus são algumas doenças de veiculação hídrica que continuam matando cinco mil crianças diariamente no mundo. Sem falar no fato de que um bilhão de pessoas ainda não têm acesso a água potável.
Padrões do século XIX
O professor Paulo Rosman, da Coppe/UFRJ, chamou a atenção para o fato de que, enquanto não forem supridas as carências de quatro milhões das sete milhões de pessoas que vivem no entorno da Baía de Guanabara, não haverá como pensar em despoluição.
O presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, destacou que, hoje, 60% do esgoto despejado na natureza não são tratadas no país. “Temos padrões sanitários do século XIX. Os jornalistas me perguntam: ‘é difícil?’. E eu respondo: os romanos resolveram. Nem os esgotos eles despejavam próximos às cidades”.
[g1_quote author_name=”Carlos Nobre” author_description=”climatologista” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Se o Tietê tivesse a qualidade do Tâmisa ou do Sena, o problema da água em São Paulo seria menor
[/g1_quote]Diante da crise hídrica, é melhor limpar a água disponível em lugar de buscar novos reservatórios. O raciocínio aparentemente simples, que se traduz em saneamento básico, não tem sido praticado no Brasil, mas foi defendido pelos participantes do seminário.
“Se o Tietê tivesse a qualidade do Tâmisa ou do Sena, o problema da água em São Paulo seria menor”, avalia Carlos Nobre, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), destacando que em algumas áreas paulistas, a crise hídrica é igual à do semiárido Nordestino. Um dos maiores nomes no estudo das mudanças climáticas no mundo, o climatologista traçou um cenário desolador do futuro e relacionou a intensificação da seca nordestina – a pior em cem anos – ao aquecimento global. Para ele, a não ser que as emissões de gases sejam zeradas e, a partir de 2050, passem a ser negativas, veremos a aridização do Nordeste, que se parecerá com um deserto, e boa parte da Amazônia vai se tornar uma savana empobrecida.
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Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.
É lamentável que diante da proposta de discutirmos a crise hídrica, divergências de opinião, sejam no campo político ou no campo técnico, ou motivos desconhecidos não permitam o amplo debate de assuntos importantes e colocações equivocadas sejam publicadas como verdade absoluta. A Ministra ao falar do volume de água que flui na calha do rio Guandu proveniente do rio Paraiba do Sul e , que segundo ela é desperdiçada quando não captada pela CEDAE, esquece que a CEDAE é uma usuária do rio e não a gestora do recurso hídrico. A gestão do recurso hídrico, considerando o rio Paraíba do Sul um rio de domínio Federal cabe a ANA e não a CEDAE. Portanto, não foi a CEDAE que definiu a restrição de vazão de transposição no rio Guandu e logo não cabe falar de desperdício por parte da CEDAE. Não estou aqui imputando culpa a ANA, pois como disse na apresentação e reafirmo, a condução da ANA no que cabe a gestão dos recursos do rio Paraíba do Sul foi impecável e permitiu a participação de todos os envolvidos seja na esfera Municipal, Estadual ou Federal. A CEDAE participou ativamente deste processo e se orgulha de fazer parte deste grupo, que há dois anos e meio vem discutindo soluções e que permitiu atravessarmos a pior faze desta crise hídrica sem problemas sanitários. Cabe lembrar que apesar de estarmos enfrentando a maior crise já vivenciada na região sudeste, em momento algum houve redução de vazão de produção para a região do Grande Rio, abastecida pela ETA Guandu. Lamentável que após tanta discussão sobre o assunto e participação de tantas pessoas e organizações na gestão dos problemas enfrentados, colocações tirem o mérito daqueles que diuturnamente agiram para permitir o uso múltiplo da água a despeito da grave crise. Gostaria que publicassem aqui também as ações apresentadas pela CEDAE e que permitiram a continuidade do abastecimento de água a cerca de 10 milhões de pessoas no RJ.
Lamento muito tanto a forma como foi abordado o assunto pela Ex-Ministra, onde não houve tempo suficiente para contrapor aos argumentos equivocados expostos por ela, quanto a forma aqui apresentada pelo site.
Edes Fernandes de Oliveira.
Diretor de Produção e Operação da CEDAE.
Já que o evento tinha a intenção de discutir o assunto e informar a sociedade sobre as ações e o futuro da gestão de recursos hídricos, sugiro ao site que divulgue também as ações apresentadas pela SABESP e pela CEDAE que permitiram ambas as empresas superar a crise, mesmo que de forma diferentes, com o menor impacto possível para a população. A polêmica instiga as pessoas e normalmente é o combustível dos meios de comunicação, mas informação positiva também é notícia e vale a pena divulgar para que o conhecimento do assunto permita maior reflexão daqueles que realmente querem participar da solução e não apenas criticar.
Edes Fernandes de Oliveira