Os incêndios que queimam a Amazônia

Ameaças à floresta ganham contornos dramáticos nas vésperas das eleições

Por Marizilda Cruppe | ODS 15 • Publicada em 5 de setembro de 2018 - 09:00 • Atualizada em 6 de setembro de 2018 - 15:12

Incêndios florestais na Amazônia, praga que se repete anualmente com aumento da grilagem e do desmatamento (Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace)
Imagens aéreas, feitas em 2015, mostram o incêndio florestal na Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, onde vivem 12 mil Guajajaras e cerca de 80 indivíduos isolados do povo Awá-Guajá. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace.
Imagens aéreas, feitas em 2015, mostram o incêndio florestal na Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, onde vivem 12 mil Guajajaras e cerca de 80 indivíduos isolados do povo Awá-Guajá. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace.

A metáfora do país em chamas imortalizada na imagem do fogo lambendo o acervo do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista serve também para a Amazônia. Em 2015, por exemplo, um incêncio florestal na Terra Indígena Arariboia, da etnia Guajajara, no Maranhão, devastou quase 50% da área. Hoje, 5 de setembro, comemora-se o Dia da Amazônia. E é exatamente no segundo semestre, quando começa o verão amazônico – chuvas diminuem e nível dos rios baixa – que a floresta fica ainda mais vulnerável aos mais variados tipos de incêndio: desde as queimadas propriamente ditas, até o desmatamento para a criação de pastos e plantações de soja, milho e algodão – culturas recordistas em uso de agrotóxicos. Os povos da floresta também estão em condição de extrema vulnerabilidade, seja no verão ou no inverno, devido às ameaças de garimpeiros, grileiros, madeireiros, fazendeiros e de grandes obras, como estradas e hidrelétricas. O Brasil detém o vergonhoso recorde de país que mais mata defensores da floresta e dos direitos humanos.

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Uma maneira que temos para dar valor a essa grande floresta é reconhecer que a ela é um grande sistema de irrigação. Se nós colocarmos dessa forma, como a ciência vem mostrando, podemos dizer o seguinte: a alimentação que é produzida no Brasil, tanto agora quanto no futuro, dependerá desse sistema gigante de irrigação, que é a floresta sendo mantida em pé

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Na esteira da tristeza coletiva pela perda de um patrimônio insubstituível, como o fóssil de Luzia, é bom pensar que a floresta amazônica está perto de cruzar uma fronteira que pode não ter volta. “Essa capacidade da floresta de absorver carbono e de certa forma limpar a atmosfera está diminuindo. Há três décadas ela era mais intensa do que é no momento. Se essa absorção cair e a floresta passar a emitir CO2  isso vai agravar ainda mais os efeitos das mudanças climáticas” disse Luiz Antonio Martinelli, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP) em entrevista à agência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Martinelli continua: “a hipótese principal, hoje, é que talvez pelos efeitos de eventos extremos como as secas que crescem na Amazônia, a mortalidade das árvores vem aumentando e com isso essa capacidade de estocar carbono tem diminuido. Então, talvez, a gente já esteja vendo os efeitos das mudanças climáticas na Amazônia, que por sua vez vai decrescer a capacidade de absorver carbono e vai retroalimentar o sistema lançando mais CO2 na atmosfera agravando ainda mais as mudanças climáticas.”

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Desmatamento ilegal na área de Uruará, no Pará. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace
Desmatamento ilegal na área de Uruará, no Pará. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace

Às vésperas das eleições, convém estar bem informado sobre como deputados e senadores votaram, nos últimos anos, nas pautas que envolviam a floresta e seus povos. Os planos de governo dos candidatos e candidatas à presidência estão todos disponíveis. Então, o eleitor não precisa votar enganado. Há como saber o que os candidatos pensam sobre as questões socioambientais.

Spoiler. Os programas de governo nos temas relacionados ao meio-ambiente, clima e energia, biodiversidade e demarcação de terras seguem o FLA x FLU que se instalou no debate político de uma forma geral: quem não é a favor do meio-ambiente é contra.

Entre os conservadores há quem diga que vai sair do Acordo de Paris, vai acabar com Unidades de Conservação, vai extinguir o Ministério do Meio Ambiente, vai facilitar a legalização de terras públicas griladas. Há quem garanta até que “agrotóxico não é veneno, é remédio”, que vai transformar o país num canteiro de obras e gerar empregos – ou seja, uma conhecida agenda de desenvolvimento predadora, destruidora de recursos naturais e violadora de direitos. O candidato da situação inspirou-se num programa escrito quando ainda não  havia sido votado o impeachment da presidente Dilma onde as palavras meio-ambiente, Amazônia e clima não aparecem sequer uma vez. Tem quem prometa uma política socioambiental menos conservadora, mas escolhe uma vice que é expoente do agronegócio. Na ala das boas propostas estão os candidatos progressistas. Mas mesmo assim ainda pecam por deixarem temas importantes de fora; um deles, a mineração e, o outro, o compromisso com o desmatamento zero. Ponto positivo para os programas que vão cumprir o Acordo de Paris, que prometem demarcação de terras e um novo modelo de produção em que movimentos sociais, indígenas e do campo sejam ouvidos.

Menino Munduruku brinca na aldeia Sawré Moybu, às margens do rio Tapajós, no Pará. Foto Marizilda Cruppe
Menino Munduruku brinca na aldeia Sawré Moybu, às margens do rio Tapajós, no Pará. Foto Marizilda Cruppe

“Em muitas das propostas, a pauta ambiental continua divorciada do debate econômico. Qualquer proposta para retomar o desenvolvimento econômico do país vai perpassar os direitos humanos e o meio-ambiente. Os ataques aos povos da floresta, como a paralisação dos processos de demarcação de terras indígenas, são exemplos claros da atual disputa pelas terras públicas que acontece hoje no Brasil”, analisa Tica Minami, coordenadora da Campanha da Amazônia da organização ambiental Greenpeace. Para ela “a proteção ambiental não deveria estar dissociada do desenvolvimento econômico, o que não é possível nesse modelo que vemos hoje. Precisamos reposicionar o debate sobre desenvolvimento olhando também para outros indicadores além do PIB. Que desenvolvimento é esse onde o PIB do país cresce, mas os indicadores de desigualdade e violência não diminuem? Podemos considerar desenvolvimento um sistema que continua gerando riqueza para poucos?”

O Instituto Socioambiental (ISA) preparou um documento para influenciar os planos de governo dos candidatos à presidência que também ajuda o eleitor a ter uma noção do que está em jogo. A publicação “ELEIÇÕES 2018 – Direitos territoriais e economia dos povos da floresta no próximo mandato presidencial” contém propostas e recomendações que focam no ordenamento territorial de terras indígenas, quilombos, áreas públicas destinadas a comunidades tradicionais e unidades de conservação e na promoção da economia da floresta.

Área de floresta desmatada no Mato Grosso, próxima ao município de Nova Ubiratã. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace
Área de floresta desmatada no Mato Grosso, próxima ao município de Nova Ubiratã. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace

O modelo de desenvolvimento vigente – grandes obras, exploração mineral e agronegócio – se dá pela disputa de terras, pelo que está acima e abaixo dela. Essa disputa destroi a floresta e viola os direitos dos seus povos numa escala que atinge a todos os brasileiros, mesmo os que não se dão conta da importância de se manter a floresta em pé.

O pesquisador senior Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), disse, em entrevista à agência FAPESP que “uma maneira que nós temos para dar valor a essa grande floresta, de maneira quase que imediata, é reconhecer que a floresta é um grande sistema de irrigação. Se nós colocarmos dessa forma como a ciência vem mostrando nós podemos dizer o seguinte, a alimentação que é produzida no Brasil, tanto agora quanto no fututro, dependerá desse sistema gigante de irrigação que é a floresta sendo mantida em pé.”

Marizilda Cruppe

​Marizilda Cruppe tentou ser engenheira, piloto de avião e se encontrou mesmo no fotojornalismo. Trabalhou no Jornal O Globo um bom tempo até se tornar fotógrafa independente. Gosta de contar histórias sobre direitos humanos, gênero, desigualdade social, saúde e meio-ambiente. Fotografa para organizações humanitárias e ambientais. Em 2016 deu a partida na criação da YVY Mulheres da Imagem, uma iniciativa que envolve mulheres de todas as regiões do Brasil. Era nômade desde 2015 e agora faz quarentena no oeste do Pará e respeita o distanciamento social.

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