Regidas sob a exclusiva ótica do lucro a qualquer custo, as indústrias produtoras de riscos e seus interessados defensores, diretos ou indiretos, têm histórias semelhantes. A indústria do tabaco, por exemplo, mesmo após a descoberta dos malefícios do consumo do cigarro como causador de doenças como os cânceres, doenças pulmonares e cardiovasculares crônicas (Richard Doll, e col. BMJ 1950, 1955,1976, 1994, 2000, 2004) e de que a nicotina era causa de dependência desde os anos 60, como atestam documentos da Philip Morris (Elias J, e col PLoS Med. 2018 May 1;15(5)), protelou esses reconhecimentos, responsabilizando os indivíduos por consumir por livre e de espontânea vontade seus produtos.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]A comprovação de que o amianto é cancerígeno existe desde 1955, mas em 1977, a Agencia Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC) reafirmou que todas as suas variedades de fibras são prejudiciais ao homem, com a comprovação de que não apenas o pulmão, a pleura e o peritônio estavam sujeitos ao risco de câncer, mas também o ovário, a laringe e provavelmente a faringe, o estômago, o cólon e o reto
[/g1_quote]A lógica do cigarro guarda semelhança com políticas que reforçam o controle de riscos centrado no individuo, como o aumento dos limites de velocidade nas cidades, a redução da fiscalização em rodovias, a redução de radares e a permissividade no uso de armas. A pretexto de oferecer liberdade aos cidadãos, ainda que de matarem a si e aos outros, tem origem na visão pré-capitalista de redução da ação do Estado como protetor coletivo dos cidadãos, vigilante da lei e aplicador de responsabilidades apuradas sob o rigor das mesmas.
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Veja o que já enviamosSó o consumo do tabaco foi responsável, em 2017, por mais de oito milhões de óbitos no mundo (Lancet 2018; 392: 1923–94). Ao longo da sua história, já sabendo dos malefícios, utilizou-se da indústria da propaganda, do cinema, do financiamento a eventos de toda natureza, da introdução dos filtros como se eliminadores dos riscos, dos sabores para atrair jovens e mulheres, dos aditivos para melhorar adição à nicotina e causar mais dependência. Atualmente, com as progressivas quedas que vêm sendo observadas no consumo global do tabaco, para manter seus lucrativos negócios, lança mão do cigarro eletrônico, do aquecido e, aqui no Brasil, encontrou guarida governamental para discutir a redução de impostos, como mecanismo de baratear os cigarros e melhor competir com o preço dos produtos contrabandeados, por eles mesmos produzidos. Ou alguém considera que a produção de cigarros, sua embalagem, transporte e vendas ocorrem sem anuência das tabageiras? Quem é responsável pela morte de oito milhões de pessoas por ano, não brinca em serviço.
História paralela vem ocorrendo com a indústria do amianto. Comprovado ser cancerígeno desde 1955 (Doll R , BIMJ 1952), reconhecido pela Agencia Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC) desde 1977, todas as suas variedades de fibras como sendo cancerígenas para o homem. Reafirmado seus efeitos cancerígenos em sucessivas avaliações da IARC, a última delas a Monografia 100C de 2012. Com a comprovação de que não apenas o pulmão, a pleura e o peritônio estavam sujeitos ao risco de câncer, mas também o ovário, a laringe e provavelmente a faringe, estômago, cólon e reto. Além de reafirmar que todas as fibras são cancerígenas, incluindo a crisotila, fibra predominante na mina de amianto localizada em Minaçú-GO, de propriedade do grupo Eternit.
Assim como no caso do tabaco, as mineradoras e manufatureiras de produtos com amianto vinham, primeiro, negando o efeito nocivo da fibra. Depois, que era possível seu uso seguro e controlado (como se fosse possível controlar o uso de um produto de venda livre em indústrias ou lojas comerciais). Com o banimento do uso da fibra em mais de 60 países nos últimos anos, a aprovação de leis proibitivas do uso em diversos estados e municípios no Brasil, e a resolução do Supremo Tribunal de 11/2017, diversas empresas que fabricavam produtos de amianto cessaram o uso e passaram a produzir produtos com fibras artificiais, sobre as quais não existem, até o momento, evidências de serem cancerígenas e nem causadoras de fibrose pulmonar, para a espécie humana.
As empresas do grupo Eternit, no entanto, vinham resistindo até o momento e apenas recentemente migraram para a fabricação de produtos com fibras artificiais. Mas, insistem em manter a mineração em Goiás, alegando que deixarão de ter lucros, ameaçando de desemprego cerca de 400 trabalhadores. Sua ganância pelo lucro a qualquer preço não guarda limites. Não satisfeita de, por mais de 50 anos lucrar com a extração, fabricação e venda de produtos causadores de cânceres e de fibrose pulmonar, apesar das evidências científicas na literatura internacional, e da possibilidade de serem fabricados produtos utilizando materiais alternativos. Agora, como evidenciado por amplas reportagens, entre elas a publicada no jornal Valor econômico de 03/05/2019, tenta chantagear os trabalhadores da mina, para obter apoio dos que não veem solução contra a ameaça de desemprego, e o Supremo Tribunal Federal, exigindo que permita a mina funcionar, sob pena de se desobrigar com os trabalhadores. E tudo isto com apoio do Governador de Goiás – Ronaldo Caiado, do Presidente do Senado – Davi Alcolumbre e outros cinco seus colegas de casa.
A expectativa dos que defendem a saúde, a vida, a preservação ambiental é de que o STF não se curve às pressões da empresa e de seus lobistas governadores e senadores. A SAMA/ETERNIT tem condições e deve arcar com os custos para uma vida digna de todos os trabalhadores empregados na Mina pelo resto de suas vidas. Ganhou o suficiente nos mais de 50 anos de exploração da mina e na venda e uso dos produtos, que lhe permite compensar os prejuízos causados à saúde, a qualidade de vida e à vida das pessoas Brasil afora, além dos gastos impostos ao sistema público de saúde e à previdência social, fruto de uma irresponsável avidez pelo lucro. É preciso resistir.