ODS 1
UTFPR desenvolve argamassa com pó de vidro reciclado
Material recolhido no lixo substitui cimento em até 20% e já é usado na construção de meio-fio, bancos e lápides em cidade paranaense
O vidro que se acumula no lixo está sendo reciclado com tecnologias inovadoras da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). No campus de Apucarana, centro-norte do estado, o aluno de pós-graduação em Engenharia Ambiental Alexandre Amado registrou uma patente de argamassa feita com pó de vidro reciclado. Com essa técnica, as fábricas podem reduzir a emissão de gás carbônico na fabricação de cimento. Já no campus de Toledo, no oeste do Paraná, o Grupo de Polímeros e Nanoestruturas (Gpan) ganhou R$ 2,9 milhões do Ministério da Justiça para reciclar o vidro dos aterros sanitários da cidade. Cooperativas de catadores saem ganhando e também a prefeitura, que usa o pó de vidro para obras na cidade, como construção de meio-fio, bancos e lápides.
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“A universidade gera o conhecimento, que deve ser direcionado às necessidades da sociedade. O governo deve colaborar por meio de políticas adequadas para que esse conhecimento seja transferido para as empresas, as quais irão gerar empregos e receita”, explica o professor Alesandro Bail, que orientou a pesquisa da argamassa com pó de vidro. A pesquisa foi publicada na revista científica “Journal of Cleaner Production” demonstrando que foi possível substituir o cimento por até 20% de pó de vidro sem alterar as propriedades da argamassa.
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A argamassa usada na construção civil é formada por areia, cimento e água. A fabricação do cimento é um dos processos que mais contribui para o aumento das emissões de gás carbônico no mundo, cerca de 8 % do total das emissões. Segundo o Sindicato Nacional da Indústria do Cimento – SNIC, em 2018, foram produzidas mais de 35 milhões de toneladas de cimento no Brasil, liberando cerca de 20 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera. Para produzir cimento, as fábricas usam um aditivo chamado clínquer, que quando aquecido se transforma em gás carbônico.
[g1_quote author_name=”Alesandro Bail” author_description=”Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Grande parte do empresariado brasileiro não está aberto à modificação de processos industriais obsoletos e isso dificulta a implementação de novos materiais, novas tecnologias. Por outro lado, muitos pesquisadores não têm dado a atenção desejável à questão de interação com o setor industrial
[/g1_quote]A argamassa faz parte da história da humanidade, uma espécie de “argamassa antiga” foi usada para construir, por exemplo, as pirâmides do Egito e o Coliseu no Império Romano. “O Brasil necessita melhorar muito seu nível de desenvolvimento tecnológico para alcançar soberania. Estudar o comportamento de partículas subatômicas é importante, e deve gerar grandes desdobramentos no futuro, porém, devido às carências do nosso povo, há uma urgência maior com questões de desenvolvimento sustentável, tais como, acesso à água potável, a esgoto tratado, à moradia, transporte público e emprego”, observa Bail. Essa tecnologia desenvolvida na UTFPR para produção da argamassa, além de reduzir a poluição, pode diminuir custos e incentivar a construção civil.
No campus de Toledo, o professor Ricardo Schneider, do Gpan, que reúne pesquisadores de Engenharia Civil e Tecnologia em Processos Químicos, acredita que o vidro não deveria ser um problema ambiental, mas uma solução sustentável, já que é possível reciclar e aplicar de diversas formas. A dificuldade, de acordo com Schneider, é conseguir financiamento público e privado para colocar em prática as muitas soluções que a universidade propõe.
“O objeto do projeto não é produto, é uma solução de como usar o vidro em pó localmente, soluções locais, sem aumento do custo por logística. O vidro não deveria ser problema ambiental, pois é possível refundi-lo, mas não é isso que observamos, apesar de escutarmos isso no nosso dia a dia”, avalia Schneider.
“Grande parte do empresariado brasileiro não está aberto à modificação de processos industriais obsoletos e isso dificulta a implementação de novos materiais, novas tecnologias. Por outro lado, muitos pesquisadores não têm dado a atenção desejável à questão de interação com o setor industrial”, completa Bail.
O Brasil gera cerca de 20 mil toneladas de resíduo de vidro por ano que são despejados em aterros sanitários ou lixões a céu aberto. O projeto “Reaproveitamento de Resíduos Vítreos de Aterros Sanitários: solução ambiental e geração de renda”, em Toledo, propôs inicialmente uma parceria com a prefeitura, que instalou um equipamento que separa e tritura o vidro no aterro municipal, valorizando assim o trabalho dos catadores de lixo. As soluções locais são importantes porque o vidro é pesado e o frete para transporte encarece o processo de aproveitamento, além disso incentiva a as cooperativas de catadores da região, que conseguem vender por preços maiores o pó de vidro do que seria apenas com o caco de vidro.
“O diferencial é o viés social. O que foi proposto é uma forma de comercializar através da cooperativa de catadores, bem como produzir em escala o material que possui baixo valor agregado”, explica o professor Schneider, que orientou a pesquisa da aluna Isabelle Costa, vencedora de um prêmio, em 2017, que propiciou os 50 mil reais iniciais para o desenvolvimento do projeto. A pesquisa propunha que resíduos de vidraçarias comerciais fossem reciclados e utilizados na construção civil de maneira sustentável e com baixo custo e conquistou o Prêmio Instituto 3M para Estudantes Universitários.
Com o financiamento do Ministério da Justiça, anunciado em maio de 2019, a UTFPR irá investir em equipamentos de grande porte como Difratômetro de Raios-X, Microscópio Eletrônico, LIBS e analisador de tamanho de partículas, com o objetivo de transformar a região em referência na produção do pó de vidro reciclado e usar a reciclagem do vidro também para finalidades de maior valor agregado, como a separação por cores e a produção de microesferas de vidro.
Existe um outro pedido de patente da universidade em andamento, o projeto da aluna Laísa Belusso, também do grupo do professor Schneider, em que é possível obter um material bactericida a partir do vidro. “Temos superfícies que se mostraram ativas contra bactérias mesmo depois de processos de pressão e temperatura para limpeza. Uma outra vertente mostrou que a espumas de vidro não matam células de osteoblastos, responsáveis pela síntese dos componentes orgânicos da matriz óssea, assim podendo ser potenciais na fabricação de implantes”, comemora Schneider. Esse novo material é uma vitrocerâmica de grande resistência térmica e fácil de produzir. Pode ser usado como aditivo para filtros de água e superfícies resistentes a micróbios, que podem ser úteis em hospitais ou locais de grande circulação.
Para seguir adiante, os pesquisadores procuram parcerias com empresas e governo. “Na prática nós temos que contar com um tipo de mágica chamada transferência de tecnologia, que é a forma mais eficaz de tornar o conhecimento tecnológico gerado nas universidades acessível”, explica Bail. Se uma empresa decide explorar a patente de invenção em parceria com a universidade, pagando os royalties, pode gerar renda para novas pesquisas. A pesquisa com resíduo de vidro, por exemplo, começou com uma visita técnica a pedido de uma empresa, a Cristalsete, o que propiciou um desafio real aos pesquisadores com a compra do equipamento adequado. “Agora estamos decididos a transferir essa tecnologia para fabricantes de cimento, de blocos, queremos a comercialização da tecnologia, desenvolvimento de novos projeto e captação de mais investimentos para a universidade”, planeja Bail.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]45/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil
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Parabéns pela matéria, Luciana. Conseguiu fazer uma bela síntese desses dois importantes projetos que andam em paralelo na UTFPR. Obrigado.