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Inclusão digital: ferramenta para transformar vidas

ODS 10ODS 9 • Publicada em 16 de dezembro de 2022 - 10:05 • Atualizada em 19 de dezembro de 2022 - 09:31

Esse texto começa quando não mais que de repente, num encontro com uma amiga, escuto falar de um projeto que tem levado inclusão digital para diversas regiões do país.

Duda (a amiga), me apresentou um pouco do trabalho e ao passo que me acenava sobre a iniciativa, eu conseguia sentir as sinapses ligadas pela lembrança de quem também havia feito parte de um projeto parecido de inclusão. Através da ONG Parati, há cerca de 10 anos, fui agraciado pelo aprendizado digital e até mesmo uma relação mais amigável com uma máquina. Não essas modernas, cheias de toques e não me toques. Mas aquelas “de bunda”, com CPU. E, por meio dela, desbravar conhecimentos que seria otimizados em minha vida até os dias atuais.

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Corta pro agora. Àquela época CDI, hoje Recode. O que se apresentava na descrição era a mesma ação, continuada anos após. E que mantinha-se fazendo por aí não só nerds da computação; formava também leigos do setor, fazendo com que a informação chegasse a quem mais pudesse. Eu não me contive e fui caçar mais sobre o atual momento.

Quando trombei com a história de Nathally Souza, ex-aluna (como eu), e que agora desponta como instrutora de um dos projetos da Recode. Travesti, ela assumiu seu nome social justamente no início do projeto, marcando para a história o antes e depois do curso. “Eu tinha acabado de me assumir e dentro do processo, era a primeira semana. Foi um local onde fui extremamente respeitada e acolhida. Lá eu vi que eu poderia ser realmente quem eu sou”, conta a jovem também jornalista, que hoje atua como desenvolvedora full stack em uma consultoria global de tecnologia, a Thoughtworks, e já recebeu vários prêmios e reconhecimentos.

Nathally, ex-aluna da ONG Recode, hoje é desenvolvedora em uma consultoria global de tecnologia e tornou-se instrutora para a inclusão digital de outros jovens (Foto: Acervo Pessoal)
Nathally, ex-aluna da ONG Recode, hoje é desenvolvedora em uma consultoria global de tecnologia e tornou-se instrutora para a inclusão digital de outros jovens (Foto: Acervo Pessoal)

“A gente que é de grupo minoritário, muitas vezes é subvalorizado e diminuído. Eu não me vejo como referência. Tenho muito a aprender, a estudar, mas eu recebo com muito carinho. Fico lisonjeada, feliz. O que posso fazer é ajudar as pessoas, compartilhar o conhecimento”, semeia.

Dentro de sala de aula, tem a sensação do espelho refletido, quando percorre ao lado de suas alunas o mesmo caminho – mas do outro lado da ponte. “Recentemente teve a formatura, vi todas as alunas falando, e voltei no tempo quando me formei em 2020. É um sentimento bem legal. Você vê as alunas ali, estudando, passando pelo perrengue do aprendizado, e você consegue entender melhor, sabe como é. Você compreende na hora que passa o conteúdo para a classe”.

O tempo como “professora” também a fez jogar luz sobre o que é ou deve ser inclusão digital, além do objetivo primordial do acesso. “Falar de inclusão é entender que tecnologia precisa resolver problemas reais. A realidade do mundo é internet para que as pessoas, na grande maioria, tenham celular para acessar o Facebook. Como vou falar de metaverso, criptomoeda? É pensar no povo e entender como fazer melhor”.

Talvez como o acontecido com outra trupe que tornaram-se “filhos” do projeto, os Cineastas 360. O time de alunos foi capacitado e recebeu aulas da Recode junto a Meta dentro de escolas públicas para produções com realidade 360º, tratando de questões relevantes de suas comunidades. Os alunos do IEMA, no Maranhão, fizeram uma visita na comunidade Baixão do Gato em 2019, e decidiram relatar no filme como aquelas pessoas não estavam “sendo vistas”. O motivo? Lá não tinha estrada.

“Nós não imaginávamos que o projeto poderia chegar tão longe. Mas fomos movidos pelo desejo de dar luz ao que as pessoas estão passando, a todas mazelas daquela comunidade. Imaginávamos apenas que as pessoas iriam ver e se comover, doar cestas básicas, algo humanitário”, conta Luiz Eduardo Case, um dos participantes e documentaristas.

Naquele momento, houve até quem estranhasse o tamanho dos equipamentos e até mesmo como poderiam manejá-lo para benefício próprio. “Lembro que nosso primeiro contato foi em uma eletiva, e nessa eletiva vimos pela primeira vez um óculos 360. Tinha até gente que sentia um pouco de vertigem pelo equipamento. Trabalhar com o assunto de produção foi um desafio prazeroso. Foi algo que nos abriu os olhos. E, se o projeto não tivesse atravessado nossas vidas, continuaríamos fazendo”.

Da sensação de pertencimento e realização com o que se foi possível fazer, gratidão define tudo. “Os moradores agradeceram muito. Quando nós vamos lá, eles agradecem, lembram, falam que a vida melhorou”. Com a realização do documentário em VR, o governador do Maranhão foi até Baixão do Gato para que a estrada fosse, enfim, construída.

“Parto do princípio que fazer política é trabalhar pro bem do povo, pelo bem daqueles que estão a nossa volta. Desde um protesto digital até o registro de um povo, para mostrar. Depois que o governador colocou um óculos e entrou naquela comunidade, ele se comoveu. Nossa pergunta foi apenas a chave”.

Rodrigo Baggio, fundador da Recode com alunos do projeto: “Saber utilizar da tecnologia é algo importante para se inserir na quarta revolução industrial, nessa sociedade em que vivemos" (Foto: Acervo Pessoal)
Rodrigo Baggio, fundador da Recode com alunos do projeto: “Saber utilizar da tecnologia é algo importante para se inserir na quarta revolução industrial, nessa sociedade em que vivemos” (Foto: Acervo Pessoal)

Para Rodrigo Baggio, fundador e CEO da Recode, mesmo com tantos anos de trabalho, pôde-se dizer que a messe ainda precisa de operários. “Hoje em dia, desenvolver projetos de empoderamento digital ainda é algo desafiador. Ainda é um desafio conseguir equipamentos, acesso à internet e por isso precisamos criar uma política pública de inclusão digital que possa nortear as condições necessárias para criar esses projetos em grande escala”, reflete.

Para ele, tanto acesso à internet como aos equipamentos avançaram na discussão, mas carecem de olhar mais atencioso. Justamente porque hoje, os conhecimentos básicos são preditivos para entrada e estabilidade dentro do mercado, mas não só. “Saber utilizar da tecnologia é algo importante para se inserir na quarta revolução industrial, nessa sociedade em que vivemos. O que há 27 anos atrás era inovação pura, hoje é fundamental para estimular, por exemplo, a diversidade de pessoas, incluir mulheres e pessoas LGBTQUIA+. Importa criar alianças intersetoriais que formem um plano de educação digital para evoluir. E para isso, precisamos criar novas consciências”.

Porém o que estava falando mesmo? De um encontro com uma amiga, num café, enquanto ela me falava de um projeto que me fez inclusive entender – e poder – fazer o que faço hoje. Graças a Deus.

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