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Uma lição de Gandhi para o Brasil: a raiva pode ser positiva para a mudança
Neto do líder pacifista indiano, Arun Gandhi esteve no país para compartilhar os ensinamentos da filosofia de não-violência de seu avô
Ele passou quase despercebido pelo Brasil, em meio ao clima tenso da campanha eleitoral brasileira, contaminada pelo excesso de raiva. Nos primeiros dias de setembro, Arun Gandhi, 84 anos, visitou São Paulo, Goiás e Paraíba, para compartilhar os ensinamentos da filosofia de não-violência de seu avô, o líder pacifista indiano Mahatma Gandhi. Na bagagem, Arun trouxe uma mensagem especial aos brasileiros: a de que a raiva pode ser canalizada de forma construtiva.
“Nós acabamos causando mais violência porque não sabemos tirar proveito positivo da raiva. Meu avô dizia que não precisamos ter vergonha da raiva. Ela é algo muito poderoso, nos leva a agir. Meu conselho é: use a raiva com sabedoria, permita que ela o ajude a encontrar soluções com amor e verdade”, disse, em uma entrevista exclusiva para o #Colabora.
Nascido na África do Sul em 1934, Arun Gandhi – quinto neto do líder pacifista indiano – é autor de vários livros, o último deles “A Virtude da Raiva – e outras lições espirituais do meu avô Mahatma Gandhi” (Editora Sextante). Arun preside o Gandhi Worlwide Education Institute, que difunde as mensagens de paz e não-violência, com sede no estado de Nova York (EUA), onde ele vive.
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Veja o que já enviamosEm sua quarta visita ao Brasil, ele deu palestras e teve encontros com representantes da polícia e do Judiciário, a convite do Instituto RePacificar. “Disse a eles que precisamos olhar para as causas das crises”, relata. Para ele, o sistema foca nas pessoas que cometem o crime e não na raiz do problema.
Sobre a polarização na sociedade brasileira, Arun Gandhi lembrou que todos os países passam por isso e que o problema é agravado porque os que buscam o poder exploram as fraquezas do povo.
Ele sugeriu que as escolas ensinem seus alunos como lidar positivamente com a raiva, que é a causa de mais de 80% da violência que experimentamos em nossas vidas.
Manter a calma diante da raiva nem sempre é fácil, mas quando você experimenta essa estratégia e vê os resultados passa a acreditar nela, assegurou Arun: “À medida que aumentamos a nossa habilidade de canalizar a raiva, vemos as mudanças nas pessoas ao nosso redor”, afirmou.
Na sociedade não-violenta sonhada por Mahatma Gandhi não há inimigos. “Meu avô costumava insistir que nunca teve inimigos. Ele não permitia que chamássemos os britânicos de inimigos porque deveríamos tentar mudar o pensamento deles”, contou.
No livro “A Virtude da Raiva”, Arun relata as lições que o avô lhe ensinou durante os dois anos em que viveu no ashram (retiro espiritual) do líder pacifista na Índia, no fim dos anos 1940, justamente quando liderava o movimento pela independência do Império Britânico.
[g1_quote author_name=”Mahatma Gandhi ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Olho por olho e o mundo ficará cego
[/g1_quote]Mahatma Gandhi aplicou a sua filosofia da não-violência na África do Sul do Apartheid, onde viveu por mais de 20 anos, sofrendo preconceitos e segregação, e também na sua Índia natal, onde liderou o processo de independência por meio de protestos pacíficos, sem usar palavras agressivas e acusadoras, mas com firmeza. Mahatma é um apelido que significa “grande alma”, dado pelo poeta indiano e Nobel de Literatura Rabindranath Tagore.
A palavra Satyagraha que ele usava para descrever seu movimento de não violência significa “força da alma”. É uma força que nasce do entusiasmo positivo aplicado nas ações.
Arun se autointitula um “fazendeiro da paz” porque planta as sementes da paz e da não-violência entre os jovens, esperando que elas floresçam.
Ele observou que a filosofia da não-violência de Bapuji, como chama seu avô famoso, nada tem a ver com passividade ou fraqueza. “Meu avô considerava a não violência uma forma de nos tornarmos mais fortes em termos morais e éticos. A vingança não fazia sentido para ele”, afirmou. Uma das frases mais famosas do líder pacifista é: “Olho por olho e o mundo ficará cego”.
Arun lembrou que já viu muitas pessoas destruírem suas vidas porque reagiram com raiva a uma provocação, pessoas que passam a vida toda pensando em vingança, incapazes de perdoar e seguir adiante.
O desejo de vingança – disse Arun – acaba com uma pessoa, destrói a sua paz de espírito. Em vez de machucá-la uma vez, o malfeitor domina a sua vida e a destrói repetidas vezes, completa.
“Minha família passou por muitas perdas. Meu avô foi assassinado, meu pai sofreu torturas na prisão e acabou morrendo em consequência disso, e meu sobrinho de 29 anos foi morto em um crime político. Mas nós aprendemos com meu avô que não iríamos buscar vingança. Isso não significa esquecer o que aconteceu, nós sempre vamos lembrar porque não queremos que isso se repita”, explicou.
[g1_quote author_name=”Arun Gandhi ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]As pessoas precisam educar seus filhos sem violência
[/g1_quote]Quando Mahatma Gandhi foi assassinado por um fundamentalista hindu em janeiro de 1948, Arun tinha 13 anos e tinha acabado de voltar para a África do Sul para viver com seus pais, após ter passado dois anos com o avô na Índia.
“Eu continuaria a enfrentar injustiças e preconceitos durante a minha vida, mas após viver e ter lições com meu avô, nunca mais sentiria que precisava atirar pedras”, contou Arun, cujo pai, Manipal, era o segundo filho de Mahatma Gandhi.
Arun faz questão de ressaltar que a filosofia de seu avô não significa passividade ou covardia: “É aceitável usar a força limitada para desarmar agressores”.
As mudanças na direção da não violência começam pelas atitudes individuais, nas ações cotidianas. “Você pode achar que uma pequena mudança em sua vida não vai resolver nada, mas todas essas pequenas ações acabam se somando”, afirmou. Arun insiste em um ponto: “As pessoas precisam educar seus filhos sem violência”.
Foi o que seu avô fez. Mahatma Gandhi o ensinou a desenhar uma árvore genealógica da violência. Seus dois galhos eram o da violência física e o da violência passiva, ou seja, ações como desprezo, discriminação etc. “Antes de dormir, eu tinha que analisar minhas ações e as das outras pessoas”, lembrou.
Em alguns meses, ele cobriu a parede do seu quarto com exemplos de atos de violência passiva. “A violência passiva causa revolta na vítima, que acaba apelando para a violência física. Por isso, a violência passiva é o combustível da violência física”, explicou.
Essa mudança de atitude é urgente – constatou Arun. “Estamos alcançando níveis intoleráveis de violência e ódio no mundo”. Como dizia seu avô: “Seja a mudança que você deseja no mundo”.
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Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).