A escola que busca formar feministas

Curso oferece conteúdo para que mulheres se tornem de lideranças comunitárias a políticas

Por Fernanda Baldioti | ODS 5ODS 8 • Publicada em 8 de março de 2019 - 09:42 • Atualizada em 6 de abril de 2020 - 13:18

Escola Feminista em Ipojuca (Foto: Arquivo pessoal)

Escola Feminista em Ipojuca (Foto: Arquivo pessoal)

Curso oferece conteúdo para que mulheres se tornem de lideranças comunitárias a políticas

Por Fernanda Baldioti | ODS 5ODS 8 • Publicada em 8 de março de 2019 - 09:42 • Atualizada em 6 de abril de 2020 - 13:18

Escola Feminista em Ipojuca (Foto: Arquivo pessoal)
Escola Feminista em Itapipoca, no Ceará (Foto: Arquivo pessoal)

*Colaborou Raphael Monteiro

Já na pré-adolescência, Juliana dos Anjos não aceitava ter que lavar os copos e pratos dos irmãos mais velhos. Como em muitas casas do Nordeste, na dela, era assim: as meninas aprendiam desde cedo que cuidar da casa era uma função pras mulheres. Precocemente, Juliana, que é do município de Itapipoca, no Ceará, entendeu a importância do feminismo mesmo sem nunca ter ouvido falar no termo. Já adulta, resolveu fazer o curso da Escola Feminista de Formação Política e Econômica, que há anos vem formando mulheres em diversos estados para se tornarem líderes regionais e, quem sabe, até políticas.

Lançado em 2004, o modelo da Escola Feminista foi replicado, com maior ou menor intensidade, nos nove estados do Nordeste, não só nas comunidades rurais, mas também nos bairros das cidades, por meio de parcerias com escolas e até universidades públicas e particulares. Elaborado inicialmente pela Rede Mulher & Democracia, o projeto hoje funciona por meio da atuação de diversas entidades, como o Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR), o Centro das Mulheres do Cabo e a Casa da Mulher do Nordeste. A cientista política e antropóloga Cristina Buarque explica que as aulas acontecem de forma expositivas e práticas, por meio de oficinas, de seminários e de visitas a instituições como a câmaras de vereadores, delegacias especializadas da mulher, ambulatórios médicos, entre outras.

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Hoje, palavras como empoderamento, sororidade, fazem parte do discurso de Juliana. Mas ela sabe que, para além do lugar da fala, é preciso agir na prática para derrubar as barreiras impostas pelo patriarcado, outro termo recorrente no vocabulário da jovem de 24 anos.

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Tem mulher que apanha porque não lavou um prato

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“Hoje, eu posso dizer e reafirmar que sou feminista. Entendo que ser feminista é lutar por uma sociedade que permita à mulher ser o que ela quiser. No campo, onde eu moro, o patriarcado é muito mais forte do que na cidade. Estamos conseguindo desconstruir isso por meio do empoderamento das mulheres. Na Escola Feminista, muitas se identificam com as nossas falas, com os nossos exemplos, com a nossa ausência do lar, mas presença nas lutas cotidianas da comunidade”, define ela, que de aluna passou, ano passado, a ser facilitadora de uma das escolas.

Mãe de um menino de 5 anos, Juliana, que casou aos 18 – por opção, como faz questão de frisar -, conta que só conseguiu fazer faculdade por conta do apoio do marido e da família:

Juliana exibe orgulhosa o certificado da Escola Feminista ao lado da mãe (Foto: Arquivo pessoal)

“Precisamos, enquanto mulheres, fazer a diferença. Nem que a diferença seja eu ficar com o filho da outra enquanto ela está num espaço de debate”.

Bianca Lacerda sabe bem disso. Secretária Especial da Mulher do município de Ipojuca, em Pernambuco, ela, como Juliana, resolveu participar da Escola Feminista para se aprofundar ainda mais no assunto central de sua pasta. No curso, aprendeu conceitos históricos a partir de uma perspectiva regional e ouviu mais histórias como as que se depara constantemente na secretaria: de mulheres que não sabem sobre seus direitos.

“Temos que abraçar a causa não por modismo, mas porque é necessário. Outro dia, um amigo escreveu no Facebook: ‘Como é chato este papo de feminismo. Minha mulher agora está pedindo o tempo todo para eu lavar os pratos’. É algo que parece bobo, mas tem mulher que apanha porque não lavou um prato. Vemos o tempo todo histórias assim na secretaria”.

E não é exagero. No município, 201 mulheres deram entrada no Centro de Referência para Atendimento às Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Sexista Dona Amarina (CRM) apenas no ano de 2018.

“O aumento no número de denúncias mostra que mais mulheres se sentem seguras para denunciar. Este ano, nosso desafio vai ser conseguir inaugurar a delegacia da mulher em Ipojuca”, conta ela, que já se candidatou a vereadora, mas não se elegeu: “Por ser mulher, as pessoas acham que existe uma fragilidade. Muitas chegam ao poder por meio da força do homem. Mas não basta ser mulher, as que chegam lá têm que nos representar de fato. Queremos que as políticas façam a diferença”.

Aumento no número de mulheres eleitas

Para cientista política e antropóloga Cristina Buarque, diante do avanço do conservadorismo no país, as Escolas Feministas são mais do que nunca necessárias:

“A sub-representação feminina depois de mais de 100 anos de vida republicana emergiu de uma análise histórica sobre o lugar das mulheres na política, a qual reafirmava haver no Brasil um déficit democrático de gênero, cujas origens remontavam aos tempos coloniais, e que se traduzia no início do novo milênio, numa participação parlamentar em torno de 10%. Nas eleições de 2018, essa participação chegou a 15% na Câmara Federal e nas assembleias legislativas. Além do aumento no número de eleitas, houve também, um bom resultado da presença de mulheres feministas eleitas e das formas de disputar os mandatos”.

Escola Feminista do Centro das Mulheres do Cabo, em Pernambuco (Foto: Divulgação)

Apesar de o fantasma do programa Escola Sem Partido assombrar as Escolas Feministas, Cristina lembra que a discussão da participação da mulher na política já ocorre, de forma velada, nas escolas de base:

“Até 1934, por exemplo, meninos e meninas aprenderam na escola que os homens tinham direito a votar e ser votado e as mulheres não. Isso não impediu que as mulheres lutassem e conquistassem o direito de participar da vida política. Hoje, o que vai se discutir sobre a participação política das mulheres é o fato de os partidos não cumprirem com as leis e as prejudicarem como candidatas, com parlamentares usando candidatas laranjas, sabotando seus tempos de televisão, escamoteando o repasse de recursos a que elas têm direito para fazer campanha, preterindo-as, quando eleitas, de serem presidentes dos parlamentos. Neste contexto, deverão ser discutidas, ainda, as razões dessas infrações e as formas de corrigi-las. Isso é fundamental para que as novas gerações construam uma sociedade mais igualitária”.

Coordenadora da Escola Feminista de Formação Política e Econômica do Centro das Mulheres do Cabo (organização sediada no Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco), Izabel Santos conta que nas aulas que acontecem na região as alunas chegam a participar de entrevistas no rádio e são treinadas a falar em público.

“Não basta somente eleger. Essas mulheres precisam nos representar. Hoje vemos muitas parlamentares com discursos machistas, alinhadas com a bancada evangélica. Nossa ideia é qualificar os discursos para que elas possam, por exemplo, rebater falsas ideias, como o senso-comum que diz que as feministas são sapatonas, que não se arrumam”.

Alunas da Escola Feminista participam de programa de rádio. Foto: Divulgação

Outro senso-comum que as Escolas buscam desmistificar é de que as mulheres não estão na política porque não se interessam pelo assunto. Coordenadora do MMTR, Maria Verônica de Santana, moradora de Santa Luzia do Itanhy, no Sergipe, lembra que elas estavam nos sindicatos, mas dentro da cozinha, quando muito escreviam ata, organizavam reuniões, mas não nos espaços de poder, de decisão. É esse tipo de representante, que conhece a fundo as causas feministas e luta por elas, que as responsáveis pelo projeto almejam formar e eleger:

“O mandato feminista se concretiza com o compromisso assumido, seja por mulheres ou homens, de promoverem a igualdade de gênero como elemento indispensável a todos os ritos e atos da vida em sociedade”, encerra Cristina.

Fernanda Baldioti

Jornalista, com mestrado em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), trabalhou nos jornais O Globo e Extra e foi estagiária da rádio CBN. Há mais de dez anos trabalha com foco em internet. Foi editora-assistente do site da Revista Ela, d'O Globo, onde se especializou nas áreas de moda, beleza, gastronomia, decoração e comportamento. Também atuou em outras editorias do jornal cobrindo política, economia, esportes e cidade.

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