ODS 1
As demandas de quem trabalha exposto ao clima extremo


Setores que atuam a céu aberto precisam de adaptação imediata às ondas de calor. Entidades sindicais cobram justiça social no debate climático


(De Belém, Pará) – Imagine trabalhar 8 horas sob o Sol e diante de uma temperatura média de 33,83°C? Essa é a realidade de diversos trabalhadores e trabalhadoras rurais no Pará e em outros locais pelo Brasil. Na COP30, representantes sindicais defendem medidas de adaptação climática e transição justa para quem labuta em condições de estresse térmico.
Belém, cidade sede da Conferência do Clima das Nações Unidas, registrou um aumento de 1,96°C na temperatura média, alcançando a marca de 33,83°C na década de 2020, segundo estudo publicado no início deste ano. O limite estabelecido como meta no Acordo de Paris foi de limitar a elevação da temperatura média global em 1,5°C, porém, a necessária transformação de modelo de sociedade para viabilizar essa meta segue distante.
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“Colocar o trabalho na centralidade do debate climático é fundamental, porque também somos nós os trabalhadores e as trabalhadoras que somos mais prejudicados. Somos nós que moramos nas periferias”, enfatiza Vânia Marques Pinto, presidenta da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), agricultura familiar e educadora popular.
Moradora de um assentamento em Iraquara (BA), na Chapada Diamantina, Vânia relata os impactos da desertificação nas comunidades rurais. Segundo ela, é necessário que as pessoas responsáveis por garantir a segurança alimentar da população estejam presentes nos espaços de discussão da COP30. “O trabalho precisa ser ressignificado nessa perspectiva de ser um trabalho justo”.
Ao longo da primeira semana da COP30, diferentes painéis tiveram como foco a relação entre o mundo do trabalho e as mudanças climáticas. Em comum, temas como adaptação e transição justa foram citados por representantes de entidades sindicais como necessidades de primeira ordem, principalmente, para trabalhadores de setores mais vulneráveis à eventos extremos, como ondas de calor.


Estresse térmico
“Todas as instituições e empresas reconhecem o efeito do calor no dia-a-dia. Quem está parado aqui, está se abanando, procurando um fluxo de vento para baixar a temperatura do organismo”, comenta Eduardo Annunciato, mais conhecido como Chicão. Presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, ele apresentou estudos feitos que indicam os reflexos do calor no setor.
O calor adoece e pode gerar graves consequências à saúde, desde problemas respiratórios, de pele e a própria exaustão. No caso de quem atua no setor elétrico, o problema é agravado por conta da proximidade com estruturas que emanam calor e da necessidade de uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) por quase todo o corpo.
“O calor é uma coisa, já o nível de estresse metabólico é outra, porque considera o tipo de esforço que o trabalhador está fazendo, além do uniforme. A somatória dos três elementos corresponde ao estresse térmico”, explica Chicão. Ele defende que as empresas respeitem o chamado de limite de tolerância em relação a esses fatores, com períodos de pausa entre atividades.
“O trabalhador que atua em linha viva (rede elétrica ligada), ele lida com 40°C em um dia de verão. Ele ainda tem o estresse de estar subindo e puxando cabos e todo coberto, tampado”, exemplifica o representante sindical. Uma das estratégias adotadas para esses casos é distribuir termômetros para monitorar a temperatura e disparar alertas em determinados horários do dia.
Para este repórter, filho de um trabalhador do setor elétrico, é impossível não associar o relato de Chicão com os inúmeros dias em que observou seu pai chegar do trabalho exausto, após um dia todo exposto ao sol. Nesses momentos, o calor extremo podia ser sentido apenas ao chegar perto do corpo dele.
Enchentes no Rio Grande do Sul
Presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT-RS), Norton Jubelli descreve os desafios coletivos encarados durante as enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul. Além de ameaçar diretamente a vida e as casas das pessoas, desastres socioambientais também impactam os trabalhos e os meios de sustento de trabalhadores e trabalhadoras.
“Nós passamos mais de 5 meses sofrendo os impactos diretos das cheias, sendo que os sindicatos foram os primeiros a serem atingidos, porque os escritórios estavam nas áreas onde o Rio avançou”, recorda Norton, sobre a situação vivenciada na capital Porto Alegre (RS). Ele também listou ações realizadas à época, desde doações até o acolhimento das vítimas das enchentes.
Diante do contexto atual, o presidente da UGT-RS acredita ser urgente considerar a justiça social e climática em negociações e acordos coletivos dos mais diversos setores trabalhistas. “O caminho é trabalhar por justiça social e climática, incluindo empregos verdes, requalificação profissional, redes de segurança, mitigação de crises e infraestrutura resiliente”.
Vânia Marques Pinto lembra ainda que assentamentos da agricultura familiar estiveram entre as algumas das áreas mais atingidas pelas enchentes no RS. Esse tipo de situação amplia as desigualdades, uma vez que, aqueles responsáveis por conservar e produzir de forma equilibrada, pagam a conta da degradação ambiental promovida pela monocultura.
“Se olharmos aqui para a região da Amazônia, um espaço que é coberto majoritariamente por água e floresta, viveu secas extremas nesses últimos anos. E quem sofre são as comunidades tradicionais: quilombolas, assentados da reforma agrária e indígenas”, aponta Vânia. Esse processo amplifica o que ela nomeia como desterritorialização, além de ameaçar o bem-viver dessas comunidades.


E os trabalhadores do setor fóssil?
O debate sobre a transição energética também implica pensar em alternativas para trabalhos que precisam deixar de existir. Nessa lista, estão os empregos da indústria fóssil, principal responsável pela emissão de gases que causam o aumento médio da temperatura global.
Representantes sindicais defendem a requalificação para que esses trabalhadores possam atuar em outros setores, além da criação de postos de trabalho em outras áreas da economia, como o turismo de base comunitária e social. Porém, a postura do governo brasileiro evidencia uma contradição e a falta de ações para pensar a transição justa no presente.
“A transição justa só será efetivamente regrada, se as pessoas tiverem no centro do debate”, disse Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego (MTE), em um dos paineis sobre o tema na COP30. Porém, ao ser questionado sobre as alternativas para os trabalhadores do setor fóssil, a resposta foi negar a necessidade de uma transição imediata: “Devemos aproveitar e utilizar combustíveis fósseis para financiar a transição”, acrescenta.
Secretário Nacional de Meio Ambiente e Sustentabilidade da UGT, José Francisco Pereira enfatiza a necessidade de enfrentar a crise climática, em conjunto com o desemprego, os subempregos e os ataques aos direitos trabalhistas. “Não é possível fazer uma transição justa sem justiça social, sem condições de trabalho e de emprego”, finaliza.
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Micael Olegário
Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.












































