Energia solar na terra arrasada de Chernobil

A primeira usina solar de Chernobil fica a 14 quilômetros da antiga usina nuclear. Foto STR/NurPhoto

Mais de trinta anos depois da pior tragédia nuclear da história, novas fontes iluminam a região

Por José Eduardo Mendonça | ODS 7 • Publicada em 27 de novembro de 2018 - 08:47 • Atualizada em 27 de novembro de 2018 - 13:41

A primeira usina solar de Chernobil fica a 14 quilômetros da antiga usina nuclear. Foto STR/NurPhoto
A primeira usina solar de Chernobil fica a 14 quilômetros da antiga usina nuclear. Foto STR/NurPhoto
A primeira usina solar de Chernobil fica a 14 quilômetros da antiga usina nuclear. Foto STR/NurPhoto

Chernobil, Ucrânia, União Soviética. 26 de abril de 1986. Técnicos da usina nuclear tentam fazer um teste de segurança e acabam provocando uma reação em cadeia. A operação terminou com a explosão do reator 4. Trinta pessoas morreram na hora e nos dias sofridos que se seguiram. Não se sabe até hoje a extensão da tragédia, mas é fato que milhares de pessoas foram expostas às radiações causadoras de câncer. Cento e trinta mil moradores foram evacuados logo depois da explosão.

Não se trata apenas de mais uma usina. É mesmo muito difícil subestimar o simbolismo deste projeto em particular

Duas teses sustentam causas diferentes para o desastre. Uma delas, publicada ainda em 1986, fala em erro humano. A segunda, de 1991, atribui a culpa a defeitos na construção da usina. Provavelmente, porém, o que ocorreu foi uma conjunção dos dois fatores. Não ajudou em nada o fato de a região se encontrar naquele momento sob jurisdição de um governo centralizado e fechado. Foi necessária a ajuda de engenheiros da Suécia e da Finlândia para captarem os altos níveis de radioatividade. Foram eles que deram o alerta mundial.

O episódio teria consequências políticas amplas. Historiadores afirmam que ele aprofundou a desconfiança sobre o governo da União Soviética, o que levaria à sua dissolução, e ainda ao movimento separatista da Ucrânia.

Chernobil se tornou terra arrasada. Nela, mais de trinta anos depois, brota uma usina de energia solar, cuja construção começou em setembro. É ainda de pequena potência, mas o simbolismo é significativo e exemplar. “Não se trata apenas de mais uma usina”, disse Evhen Variagin, principal executivo da Solar Chernobyl, empresa responsável por sua operação. “É mesmo muito difícil subestimar o simbolismo deste projeto em particular”.  As instalações ficam a 14 quilômetros a noroeste de Chernobil, perto da fronteira com a Bielorrúsia.

Seus 3.800 painéis estão sendo instalados em área contaminada, na qual visitantes são acompanhados por um guia munido de um medidor de radiação. A energia gerada irá alimentar cerca de mil lares. É a primeira vez que se produz energia no local desde 2000, quando a usina nuclear foi finalmente fechada.

Pripyat, a comunidade soviética planejada de 50 mil habitantes, onde a usina nuclear se localizava, hoje é um sombrio destino turístico com prédios de apartamentos em ruínas, um hotel decrépito e um supermercado vazio. Lá, um parque de diversão abandonado se desmancha lentamente.

O memorial pelas vítimas do desastre de Chernobil às margens do rio Prypiat,, na Bielorrúsia. Foto Celestino Arce/NurPhoto
O memorial pelas vítimas do desastre de Chernobil às margens do rio Prypiat,, na Bielorrúsia. Foto Celestino Arce/NurPhoto

“A realidade é que parte desta terra ficará abandonada por gerações, talvez por um milhão de anos”, lamenta Yevgen Gucharenko, empregado de uma agência que acompanha grupos de turistas. Ele tinha treze anos quando o reator explodiu. Há dois anos, um arco gigantesco de 36 mil toneladas foi construído sobre a usina nuclear para bloquear radiação e permitir que o remanescente do reator fosse desmontado com segurança.

A usina solar de Chernobil faz parte da política de energia renovável da Ucrânia. Entre janeiro e setembro deste ano foram acrescentados mais de 500 megawatts de energia à rede, mais do que o dobro de 2017. Yulia Kovaliv, que chefia o Conselho Nacional de Investimento do país, diz que investidores querem colher os benefícios de um generoso esquema de subsídios, antes que o parlamento volte a tratar do assunto em julho do ano que vem.

O projeto é comandado pela empresa de engenharia ucraniana Rodina Energy Group. Há dois anos, companhias chinesas manifestaram interesse de construir seu projetos dentro da zona de exclusão. E talvez esta seja a única atividade econômica viável no local, que não serve mais à agricultura, caça ou reflorestamento. “É uma terra barata e o sol abundante constitui uma fundação sólida para a atividade”, diz Ostap Semerak, ministro do ambiente e recursos naturais da Ucrânia.

“O lugar é bem apropriado. A estrutura necessária de transporte e energia ainda está preservada. E, o mais importante, a manutenção do parque solar não exige o envolvimento de muitas pessoas”, afirmou ele, que vê uma saída para a dependência do gás russo e a insegurança no fornecimento de carvão.

“Nossa ideia é aproveitar uma terra que não serve para nada e fazer negócios”, diz Yevgen Variagin, dono da Rodina, que tinha treze anos de idade e era um estudante em Kiev quando a tragédia aconteceu.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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