A regularidade é impressionante. Nos últimos dez anos, de 2014 a 2023, Duque de Caxias, São João de Meriti e Belford Roxo se mantiveram firmes entre os vinte piores índices de saneamento básico do Brasil. O ranking, divulgado anualmente pelo Instituto Trata Brasil, acompanha o desempenho das 100 cidades mais populosas do país. Nesse rol de resultados tristes, os municípios da Baixada contam com a companhia de São Gonçalo, com seus mais de 1 milhão de habitantes, e de algumas capitais da Região Norte, como Manaus, Belém, Porto Velho e Macapá, esta última ostenta o título de lanterna do campeonato nacional do descaso. No lado oposto da lista, entre as vinte melhores do país, aparecem as paulistas São José do Rio Preto e Santos, a mineira Uberlândia e Niterói, única representante do Estado do Rio.
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A explicação para esse desempenho lamentável dos municípios da Baixada Fluminense é relativamente simples e bastante óbvia: falta investimento, sobra desperdício de água e praticamente nenhum esgoto da região recebe tratamento. A Baia de Guanabara funciona como uma espécie de vaso sanitário que recebe a sujeira lançada por essas e outras cidades da região, incluindo São Gonçalo. O município de São João de Meriti, por exemplo, investiu em saneamento básico apenas R$ 3,07 (três reais e sete centavos) per capita entre 2017 e 2021. Com isso, o percentual de tratamento de esgoto na cidade foi zero. Nada foi tratado, tudo foi lançado in natura nos rios e córregos. Se comparada com São João de Meriti, a cidade de Duque de Caxias até que não foi tão mal. Ela investiu R$ 40,06 (quarenta reais e seis centavos) per capita e tratou 5,95% dos seus esgotos. Já Belford Roxo tratou 4,72% do esgoto coletado e investiu R$ 50,85 (cinquenta reais e oitenta e cinco centavos) per capita. Nos três municípios, o desperdício de água supera a marca dos 40%, sendo que em São João do Meriti as perdas chegam a 51,65%. Ou seja, mais da metade de toda a água tratada que chega na cidade é desperdiçada.
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Veja o que já enviamosSem uma solução definitiva para o saneamento básico dos municípios da Baixada e de São Gonçalo, fica praticamente impossível seguir com o projeto de despoluição da Baía de Guanabara, um sonho que já se arrasta há mais de 30 anos. O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) foi lançado no início dos anos de 1990 e, até hoje, quase nada aconteceu. Um levantamento da Associação de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) mostrou que atualmente cerca de cem toneladas de lixo são despejadas diariamente na baía. Desde 2021, o saneamento dos municípios que circundam a Baía de Guanabara está sob responsabilidade da concessionária Águas do Rio, que promete investir R$ 15 bilhões ao longo dos próximos cinco anos. Os primeiros resultados, ainda muito tímidos, começaram a aparecer, com o Inea (Instituto Estadual do Ambiente) indicando uma melhora na balneabilidade de praias da Ilha de Paquetá e da Ilha do Governador.
Um estudo feito pelo Instituto Trata Brasil, em 2022, calculou os benefícios diretos e indiretos do saneamento básico em itens como saúde, renda, turismo, valorização imobiliária e aumento da produtividade. Os números comparam os anos de 2005 e 2019. Ao longo desse período, os benefícios alcançaram R$ 1,106 trilhão em todo o país, sendo R$ 914 bilhões de benefícios diretos, como a renda gerada pela atividade e impostos recolhidos, e R$ 191 bilhões devido a itens como a redução de custos com saúde e ganhos imobiliários. Como o investimento em saneamento no período foi de R$ 597 bilhões, o ganho dessa operação foi R$ 509 bilhões, sem contar todos os outros benefícios sociais e ambientais. Não faltam dados, estatísticas, resultados, cifras e argumentos. Talvez falte um pouco mais de vontade política. Seria bom não precisar esperar mais dez anos para que algo aconteça.