ODS 1
Moradores e ONGs denunciam privatização da água e alertam que fontes estão secando em São Lourenço
Moradores de São Lourenço lutam pelo fim do uso comercial da água e pedem indenização pelos danos causados
Moradores de São Lourenço lutam pelo fim do uso comercial da água e pedem indenização pelos danos causados
Parque das Águas, em São Lourenço: protestos por privatização da água (Foto divulgação)
Situada às margens do Rio Verde, na Serra da Mantiqueira, a cidade de São Lourenço é conhecida pelas águas curadoras, de sabor estranho, mas agradável. Em meio a protestos e denúncias de danos ambientais, investigadas pelo Ministério Público de Minas Gerais, a Nestlé Waters anunciou, em março, a venda dos negócios de exploração de água em todo o Brasil para a Indaiá Minalba, do Grupo Edson Queiroz. A transação envolveu as marcas locais São Lourenço e Petrópolis, e as fábricas localizadas no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em São Paulo, além da administração do Parque das Águas de São Lourenço, cujo controle mudou de mãos em 1° de julho.
A Nestlé era responsável pela manutenção do espaço desde 1992. Para visitá-lo, os moradores da cidade pagam R$ 6, metade do que é cobrado dos turistas. Conhecido pelas águas de uso medicinal, o parque atualmente concentra nove fontes. A décima, chamada Oriente, fica dentro da empresa, e é dela que sai a água comercializada para todo o país. Parte, no entanto, vai para um fontanário público, onde a população pegar água de graça. Mas, segundo moradores e representantes de ONGs, a fonte vem secando pouco a pouco.
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“Às vezes, eu acordo às 4h para ir para a fila da fonte pública. O que o povo vai fazer se as fontes estão secando? E a culpa é da Nestlé, que está roubando a nossa água”, reclama o charreteiro José Roberto Almeida.
“Uma água que cura é um presente que a natureza nos oferece de graça. Eu moro em São Lourenço há 31 anos, bem antes de a Nestlé chegar aqui. Além do volume de água estar muito mais fraco, o gosto também mudou, principalmente da fonte magnesiana. Eu não sinto mais sabor de nada”, completa a moradora Nádia Albuquerque, afirmando que tentou entrar em contato com a empresa, mas que não obteve retorno.
A redução do fluxo de água também é denunciada pela ONG Nova Cambuquira, que aponta risco de seca das fontes, como ocorreu em Lambari e em outras fontes de São Lourenço:
“Essa percepção é clara para todos os usuários frequentes das fontes de água mineral, em todos os parques do Circuito das Águas. Há, inclusive, determinação judicial, em condenação recente, para que a empresa detentora da concessão faça um acompanhamento regular da vazão e emita um relatório com os dados apurados”, afirma Marcos Rodrigues, membro da ONG, lembrando que o Ministério Público Estadual já apresentou denúncia sobre o problema.
Novo modelo de gestão
Integrantes de organizações não governamentais e associações de proteção ambiental na região do Circuito das Águas, que engloba cidades como São Lourenço, Cambuquira, Lambari e Caxambu, estão preocupados com a proposta de privatização do manuseio dos mananciais feita pela Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig):
“Apesar de a Codemig/Codemge ter mantido o processo de privatização, disfarçado no conceito de parceria público-privada, e a empresa vencedora da licitação — que conforme entendemos foi, no mínimo, suspeito — já estar atuando em Caxambu e Cambuquira, a resistência continua firme”, diz Marcos.
O grupo propõe um modelo de gestão que envolva a Codemig, a prefeitura, organizações da sociedade civil, conselhos de bairros, órgãos ambientais e empresários.
Em março deste ano, um grupo de aproximadamente 600 mulheres ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) invadiu a fábrica da Nestlé em São Lourenço para chamar atenção por um uso mais sustentável da água. Na ocasião, o MST afirmou que a unidade da Nestlé em São Lourenço foi alvo do protesto porque a exploração do produto no município afetou a disponibilidade do líquido aos moradores.
“Antes de ser privatizada, a água era amplamente utilizada para tratamentos medicinais. Além da redução da vazão, nota-se a mudança no sabor da água, ou seja, a exploração está fazendo com que [o líquido] perca seus sais minerais”, dizia o comunicado do MST.
Segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral, a capacidade de vazão do poço é de 10 metros cúbicos por hora. A medição é feita por teste de bombeamento que verifica o tempo que o poço leva para se recuperar depois de a água ser bombeada por certo número de horas. Essa quantidade deve abastecer a indústria, o bebedouro do Parque das Águas e o Fontanário Público.
Em 2010, a Nestlé, que afirmava extrair menos da metade do que estaria autorizada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), encomendou um estudo à universidade suíça Neuchâtel, com o objetivo de garantir uma exploração sustentável das águas. A associação Amar’Água solicitou acesso ao estudo pelo Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente, mas o pedido foi negado, por serem dados de “divulgação restrita e sigilosos”.
A Nestlé Brasil afirmou que “está totalmente comprometida com a administração sustentável dos recursos hídricos e o direito humano à água” e que “em todos os locais onde extraía água realizava estudos de recursos hídricos e monitorava frequentemente as retiradas para garantir que não afetassem as bacias hidrográficas locais e os aquíferos”.
Garantir a segurança hídrica deve ser um compromisso das empresas e uma tarefa para toda a sociedade. Por ser considerada um recurso mineral, a água está sujeita a uma contribuição chamada Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), que é dividida entre o município produtor (65%), o Estado (23%) e a União (12%). Em 2013, a Nestlé pagou ao governo brasileiro cerca de R$ 445.600, segundo o DNPM. Portanto, São Lourenço deve ter recebido em torno de R$ 290 mil pela exploração das águas na região.
Para Marcos Rodrigues, da ONG Cambuquira, a solução seria criar em cada estância uma fundação com participação popular na diretoria:
“Dessa forma, poderíamos reunir a administração de cada parque e seu respectivo processo de engarrafamento, sempre fiel aos princípios abraçados pela sociedade civil organizada. Essas instituições não teriam fins lucrativos. Deveria igualmente ser formado um consórcio entre essas fundações locais, com interesse não apenas de manutenção do negócio, mas divulgação do nome das estâncias e promoção do turismo local, fazendo com que o turista tenha interesse em visitar a região, em vez de pura e simplesmente comprar a água engarrafada”.
Marcos questiona ainda o fato de que a venda dos negócios de água para a Minalba não revelou garantias de preservação das fontes e aquíferos, nem foi divulgado qualquer plano ou projeto de revitalização do parque.
A entrega do comando do parque foi anunciada, oficialmente, por representantes das duas empresas no dia 28 de março na Câmara Municipal de São Lourenço, em encontro a portas fechadas com o presidente da Casa, vereador Ricardo de Mattos (PMN):
“Nossas águas são o bem mais precioso do nosso município, e é preciso cuidar e combater a escassez. Contamos com o compromisso do Grupo Edson Queiroz nessa questão e esperamos ter um parque com cada vez mais atrativos e muito bem conservado”, disse o presidente da Câmara, por meio de sua assessoria de imprensa.
O grupo Indaiá Minalba não divulgou seus planos a respeito do parque:
“Ainda vamos colher informações, conversar e estudar se implementaremos mudanças”, afirmou, na ocasião, o gerente de Relações Institucionais do grupo, Ruy do Ceará Filho. Procurada pela reportagem, a empresa não respondeu.
*Reportagem produzida no Laboratório de Jornalismo da PUC-Rio para o Projeto #Colabora, com orientação da professora Itala Maduell
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Formada em jornalismo pela PUC-Rio, trabalhou na comunicação interna da empresa Cristal Fire. Adora moda e cultura, mas é ainda mais apaixonada por assuntos que envolvem causas sociais.