Apertem os cintos, a comida sumiu

Desperdício chega 1.6 bilhão de toneladas por ano, com um valor estimado de U$ 1.2 trilhão

Por José Eduardo Mendonça | ODS 15ODS 6 • Publicada em 27 de setembro de 2018 - 09:06 • Atualizada em 5 de junho de 2019 - 03:09

A proliferação de insetos, provocada pelo aquecimento global, resultará em danos significativos para as colheitas de arroz, trigo e milho. Foto Stophungertogether,
A proliferação de insetos, provocada pelo aquecimento global, resultará em danos significativos para as colheitas de arroz, trigo e milho. Foto Stophungertogether,
A proliferação de insetos, provocada pelo aquecimento global, resultará em danos significativos para as colheitas de arroz, trigo e milho. Foto Stophungertogether,

O mundo continua jogando comida no lixo, e uma nova projeção mostra que a tendência não dá sinais de arrefecer, apesar dos esforços em curso para reverter o quadro. Ao mesmo tempo, a mudança do clima tem seu importante papel: aumenta pelo terceiro ano consecutivo o número de pessoas que passam fome no planeta e a quantidade de insetos, que proliferam com o calor, e dão a sua cota de colaboração comendo o que encontram pela frente.

Atualmente, desperdiçamos 1.6 bilhão de toneladas de alimentos por ano, com um valor estimado de U$ 1.2 trilhão. Um novo estudo, do Boston Consulting Group (BCG),  mostra que o desperdício pode subir em 30% até 2030, com o descarte de 2 bilhões de toneladas, ou U$ 1.5 trilhão. Os culpados? O aumento da população mundial e a mudança de hábitos alimentares nos países em desenvolvimento, além da manutenção de práticas predatórias nos países ricos.

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Estamos assistindo a uma crise real em nível global. As quantidades de comida jogadas fora e as consequências sociais, econômicas e ambientais são sérias, caso não mudemos a trajetória. Ao lutarmos contra o desperdício lutamos também para diminuir a fome, a pobreza e o aquecimento global

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“Estamos assistindo a uma crise real em nível global”, diz Esben Hegnsholt, um dos autores do estudo. “As quantidades de comida jogadas fora e as consequências sociais, econômicas e ambientais são sérias, caso não mudemos a trajetória. Ao lutarmos contra o desperdício lutamos também para diminuir a fome, a pobreza e o aquecimento global”.

O lixo irá aumentar nos lares do mundo em desenvolvimento, com as populações conquistando maior poder aquisitivo, diz o relatório, que aponta mudanças para uma economia de cerca de U$ 700 bilhões. Entre elas, mais consciência dos consumidores, regulações mais fortes e mais eficiência e contribuição na cadeia produtiva.

Segundo Liz Good, diretora do World Resources Institute, “tudo está ligado às mudanças em nosso estilo de vida e o fato de a comida estar hoje mais barata”. Ela cita ainda uma crescente demanda pela conveniência e a falta do hábito de cozinhar entre as gerações mais jovens. “Temos de rever nossas atitudes, até o ponto em que seja inaceitável jogar alimentos fora”.

O problema ocorre em toda a cadeia de valor, mas é mais prevalente na produção e consumo. Nos países em desenvolvimento, a questão está centrada na produção e transporte. Nas nações ricas, as perdas ocorrem na fase do consumo, e são responsáveis tanto o varejo quanto os consumidores.

O estudo afirma serem necessários esforços para encorajar a consciência sobre o tema. De acordo com ele, não há informação suficiente para que as pessoas tenham opções que minimizem as perdas. O relatório dá um exemplo. Os consumidores geralmente acreditam que produtos frescos como carne, peixe e frutas são mais saudáveis que as variações congeladas, mas o oposto é verdade:  comida congelada na verdade retém melhor os nutrientes. Assim, as pessoas criam demandas fora das épocas de produção, elevando os custos de transporte e o desperdício.

Outro ponto é a compra em excesso feita pelo varejo, o que faz com que, muitas vezes, os consumidores não consigam comprar antes que alimentos se deteriorem. A economia feita com a conscientização no caso poderia chegar a U$ 260 bilhões por ano.

Hegnsholt diz ainda que há necessidade de melhorar a infraestrutura, especialmente nos países pobres, onde caminhões refrigerados, por exemplo, praticamente inexistem. Aí, a economia chegaria a U$ 150 bilhões anualmente.

Além disso, é precária a colaboração entre produtores e processadores. Os agricultores, por exemplo, podem ter de fazer colheitas prematuras (com menor qualidade), para aliviar a pressão em seus caixas na falta de acordos com os compradores, as indústrias de processamento. A coordenação na área resultaria em U$ 60 bilhões de custos a menos.

Finalmente, mais U$ 110 bilhões seriam economizados com políticas e incentivos. Hoje é barato jogar comida foram e as políticas não apenas não punem empresas pelo desperdício, como não incentivam a redução do desperdício. As datas de expiração dos produtos são desnecessariamente conservadoras, o que leva a descartes que poderiam ser evitados.

Enquanto isso, a fome no mundo vinha diminuindo em décadas recentes, mas o índice aumentou nos últimos três anos, chegando aos níveis de 2008 (825 milhões de pessoas).  Ou seja, uma em cada nove pessoas no mundo passa fome, e 150 milhões de crianças têm seu desenvolvimento prejudicado. O número havia caído para 750 milhões em 2013.

A causa? Mudança do clima, aponta estudo recente da ONU.  “O relatório envia a clara mensagem que a variabilidade e a exposição do clima se tornaram mais complexas, e extremos do clima estão ameaçando corroer e mesmo reverter os ganhos feitos para se acabar com a fome e a desnutrição”,  afirmam os autores do trabalho. Conflitos e crise econômica agravam o cenário.

Como se tudo isso não bastasse, a proliferação e disseminação de insetos famintos e hiperativos, outra consequência do aquecimento global, irá resultar em danos significativos para as três mais importantes safras globais – trigo, milho e arroz, revela estudo da Future Earth, da Universidade do Colorado.

Os pesquisadores projetam que, globalmente, as safras terão perdas de 10 a 25 por cento a cada grau centígrado de aquecimento. Se as temperaturas aumentarem em dois graus sobre a média de 1971-2000, o aumento na atividade dos insetos levaria à perda do trigo de 46 por cento, do milho, de 36 por cento, e do arroz, de 19 por cento. Estes alimentos são a dieta básica de 4 bilhões de pessoas e respondem por 42 por cento das calorias ingeridas por humanos no planeta.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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