Orgulho LGBT+: quem é Tchaka Drag Queen, voz da diversidade na Parada SP há mais de 10 anos

Conhecida como “rainha das festas”, Tchaka compartilha sua história e conta como a arte drag mudou sua vida

Por Ana Carolina Ferreira | ODS 5 • Publicada em 20 de junho de 2025 - 09:00 • Atualizada em 20 de junho de 2025 - 09:01

Rainha das festas e das paradas, Tchaka Drag Queen já acumula 25 anos de carreira e mais de 5 mil eventos e apresentações (Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil)

Tchaka Drag Queen estava toda produzida quando entrou na chamada de vídeo, em uma tarde do mês de junho. Ainda estava com a peruca vermelha exuberante, vestida com um casaco listrado com as cores do arco-íris e a maquiagem intacta — correra para casa para conversar com esta jornalista, após participar do evento de lançamento da 29ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo. Este ano, o evento que ocupa a Avenida Paulista vai acontecer no dia 22 de junho e terá como tema “Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro”. Ótima oportunidade para contar a história de vida e arte de Tchaka Drag Queen, que apresenta a parada há mais de 10 anos.

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“Drag queen” é como se chama a pessoa que se veste e se apresenta com roupas e maquiagem femininas exageradas, como forma de expressão artística e cultural — e pode envolver performances em shows, peças teatrais, clubes e outros eventos. No caso de Tchaka, ela é uma personagem criada pelo ator Valder Bastos, 54 anos, que nasceu no fim do mundo.

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Falar sobre o tema, representar a luta e o protesto. Brincar, mas também colocar a lupa para os nossos problemas e chacoalhar a sociedade, dizendo que esta luta não é apenas da bolha LGBT+, mas sim de toda a sociedade

Tchaka Drag Queen
Apresentadora da Parada LGBT+ de SP

“No Réveillon de 1999 para 2000, havia aquela história de que o mundo ia acabar, ia ter o ‘bug’ do milênio. Nostradamus já tinha falado isso, estava escrito na Bíblia… Nesse contexto, amigos se reuniram num bairro na Barra Funda, em São Paulo. Eles foram na 25 de março, fizeram algumas compras e marcaram que uma pessoa do grupo se montaria de drag para o ano novo. Fui a escolhida; ficaram quatro horas me arrumando”, conta Tchaka.

Assim, na virada simbólica do milênio, nasceu Tchaka Drag Queen, apelidada com este nome por conta de um desenho famoso nos anos 1990 chamado “O Elo Perdido”. Segundo lembra, “eles usaram até pasta de dente na maquiagem. Ficou muito estranho, e ainda me apelidaram por conta de um macaquinho do desenho que falava ‘tchaka tá com fome, tchaka tá com fome’. Eu não queria de jeito nenhum, mas apelido quando a pessoa não quer, é aí que gruda mesmo”.

Fotografia de Valder Bastos aos 18 anos, quanto serviu no Exército Brasileiro: "pior momento da minha vida" (Foto: Arquivo pessoal)
Fotografia de Valder Bastos aos 18 anos, quanto serviu no Exército Brasileiro: “pior momento da minha vida” (Foto: Arquivo pessoal)

A história de Valder Bastos e o encontro com a arte drag

Antes de nascer Tchaka naquela virada de ano, já existia Valder Bastos, um homem gay que, a partir da arte, encontrou aceitação. Caçula de cinco irmãos, é filho de mãe ativista e progressista, e de um pai que construía barragens hidrelétricas pelo Brasil, o que fez a família se mudar bastante. Numa dessas mudanças, chegaram ao Rio de Janeiro, quando tinha 14 anos. Valder lembra da vida que levava na época: “morava em Copacabana, era filhinho de papai — ou melhor, bichinha de papai. Vivia na Zona Sul, estudava inglês, nunca passara do túnel Rio Sul”.

Mas os pais firmaram uma condição: ou Valder era aprovado para a próxima série na escola, ou mudaria para uma cidade periférica em São Paulo, no município de Mogi das Cruzes, para morar na casa de um irmão mais velho que era pastor. “Eu não passei de ano. Saí desse cenário de Copacabana e fui para outro completamente diferente — a casa não tinha reboco, a água era de poço, muito frio. Quando cheguei lá, ele me deu um kit com toalha, escova, pasta de dente e sabonete, e me disse que se eu quisesse mais, teria que batalhar”, lembra.

Depois, Valder conta que passou um ano “assexuado”, além de irritado com os pais. Conseguiu um trabalho como vendedor de sapatos e chegou ao cargo de gerência. Aos 18 anos, alistou-se e foi servir no exército. Ele conta que aquele “foi o pior momento da vida”, por conta do preconceito. Nesse período, Valder também chegou a se formar em direito pela Universidade Brás Cubas, mas guardou o diploma para seguir outro rumo. Em suas palavras, “quando estava na faculdade, alguns meninos escreviam que me matariam, que a faculdade não deveria ter pessoas como eu aprendendo direito no mesmo lugar que eles. E no exército sofri todos os tipos de humilhação por ser uma pessoa afeminada”. Valder conta que carrega traumas e decepções, mas também afirma que foram situações que deram base para que criasse uma Tchaka “forte, embasada, com sabedoria do que quer e de onde caminhar”.

São muitos relatos de adolescentes, idosos, de pessoas que estão amarguradas, tristes, depressivas, perdidas, e encontram em mim a possibilidade de alguém que as ouça e que pode entender

Tchaka Drag Queen
Apresentadora da Parada LGBT+ de SP

Mais tarde, se mudou para São Paulo e trabalhou numa boate como panfleteiro nas noites, em 1999: “o diretor artístico disse que se eu me montasse de drag, o cachê aumentaria. Eu ia com camiseta e limões por baixo, fazia a maquiagem. Logo me chamaram para fazer shows também, mas era muito penoso esperar o cachê, disputar com todas as poderosas da época. Por isso, decidi fazer um curso de teatro e profissionalizar Tchaka Drag Queen”, lembra. Então, Valder se formou em artes dramáticas na Escola Teatro Macunaíma em São Paulo.

De lá para cá, são cerca de 25 anos de carreira, mais de 5 mil eventos no Brasil inteiro com a Agência de Animação Tchaka Eventos. Como conta, “foram apresentações para feiras agropecuárias, hospitais psiquiátricos, para comunidades ribeirinhas, ricos, famosos, estudantes. Sem falar das paradas”. A Parada LGBT+ de São Paulo, maior do mundo, entrou na vida de Tchaka há mais de 20 anos, porque já trabalhava nas ruas divulgando restaurantes, casa e empresas num geral. Mas em 2014, o presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOLGBT-SP), Nelson Matias Pereira, convidou ela para um camarote.

Ela lembra: “quando cheguei lá, ele me disse que eu apresentaria a parada no dia seguinte. Me incentivou, dizendo que eu tinha o comando, a liderança, a doçura e o carisma que precisavam”. Tchaka aceitou, e hoje já tem mais de 10 anos como apresentadora oficial do evento. Para a drag queen, estar a frente da parada “é um mix de alegria e responsabilidade. Falar sobre o tema, representar a luta e o protesto. Brincar, mas também colocar a lupa para os nossos problemas e chacoalhar a sociedade, dizendo que esta luta não é apenas da bolha LGBT+, mas sim de toda a sociedade”.

Um exemplo que reflete essa posição aconteceu na edição de 2017, quando Ivone de Oliveira, conhecida também por seu blog “Gata de Rodas”, estava presente. Tchaka estava no palco fazendo a contagem regressiva para o início da Parada e notou a moça na cadeira de rodas, em meio a multidão. Então, interrompeu o protocolo para direcionar a atenção da multidão para Ivone, pedindo que as pessoas fizessem um círculo ao redor dela e não a colocassem na calçada. No ano seguinte, Ivone procurou a organização, explicando que o olhar de Tchaka a fez se sentir pertencente, por isso desejava contribuir como voluntária. Hoje, ela faz parte da diretoria da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. “É zero ego; é sobre entender que somos um organismo vivo. É nesta onda que a Tchaka é caminha”, conta.

Tchaka Drag Queen durante apresentação na 21° Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo (Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil)
Tchaka Drag Queen durante apresentação na 21° Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo (Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil)

Tchaka: “o orgulho de ser quem sou me impulsiona a ajudar outros”

Na visão de Tchaka Drag Queen, “envelhecer significa marcar a própria história através da caminhada da vida”. Essas marcas, segundo ela, podem ser dolorosas, cicatrizadas, aceitas ou representar a continuidade. “Envelhecer é bom, porque entender os processos e os ciclos me faz sofrer menos. Criar expectativas na possibilidade de uma pseudo juventude, seja intelectual ou física, da casca, me impossibilita viver o agora”, conta. Tchaka explica que entender suas próprias expectativas a torna mais consciente de quem ela realmente é. Com o passar do tempo, conquistou a liberdade de decidir onde, com quem, o que fazer e como fazer, tudo isso com menos ansiedade.

Num mês tão importante para a população LGBT+, Tchaka ainda destaca que sente orgulho quando o seu trabalho faz com que outras pessoas sintam menos sofrimento. A drag queen reforça que o orgulho é uma construção, contrapondo-se a narrativas de medo e erro: “um dia, colocaram na nossa cara os dedos em riste afirmando que a comunidade era depravada, pecadora, errada, criminosa e até doente. Mudar essa chavinha para o orgulho de sermos o que somos, para a aceitação e celebração da própria identidade, faz com que a pessoa não só encontre bem-estar pessoal, mas também se sinta impulsionada a ajudar outros que ainda estão em suas próprias jornadas”, enfatiza.

Por ser uma pessoa muito exposta na mídia e conhecida há tantos anos, acaba recebendo muitos relatos em suas redes sociais, como: “oi, tenho 13 anos, sou lésbica. Vou me matar agora se você não me ligar”; “oi, eu tenho 9 anos, trabalho de empregada doméstica, sou travesti e moro no Pará”; “oi, sou casado há 40 anos, a minha esposa não sabe, mas tenho desejos. Você pode me ouvir?”. “São muitos relatos de adolescentes, idosos, de pessoas que estão amarguradas, tristes, depressivas, perdidas, e encontram em mim a possibilidade de alguém que as ouça e que pode entender”, afirma, mostrando que, para ela, o verdadeiro orgulho em toda sua trajetória surge ao participar da solução do sofrimento do outro e em possibilitar que mais pessoas encontrem seu lugar.

Ana Carolina Ferreira

Estudante de jornalismo na Universidade Federal Fluminense (UFF). Gonçalense, ou papa-goiaba, apaixonada pelas possibilidades de se contar histórias na área da comunicação. Foi estagiária na Assessoria de Comunicação do Ministério Público Federal e da UFF. Amante da sétima arte e crítica amadora do universo geek.

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