ODS 1
Pena maior por ser mãe
Reportagem acompanha trajetória de mulher paraense, com sete filhos, que enfrentou facetas do machismo na família, na criminalidade e no sistema de Justiça
(Colaborou Pedro Miranda) – Antes de entrarem na sala da audiência, a defensora pública da união avisou a Sandra*, 34 anos, que a juíza encarregada do caso era das mais rígidas, gostava de dar prisão e, por isso, seria melhor ela falar o mínimo possível, limitando-se a responder às perguntas. A acusada, mãe de sete filhos, não achou justo. Tudo que a magistrada apontava, Sandra devolvia uma resposta sincera.
– Eu estou falando com uma excelência, eu sei, mas tenho que me defender também. A senhora não sabe o que é você ter um filho, ele querer uma coisa e você não poder dar.
– Você acha que essa foi uma forma de ajudar seu filho?
– Foi. Era um dinheiro rápido. E agora a senhora está aqui para me dar cadeia, e eu não posso fazer nada.
– Em nenhum momento, você pensou no seu filho.
– É por ele que eu estou aqui na sua frente. Sabe porque a senhora está falando assim? Eu tenho que lhe respeitar, mas a senhora não sabe as condições de quem não senta numa cadeira dessa igual a sua. A senhora tem estudo, tem posição. Para nós, que vivemos lá fora, no mundo, não existe isso, até conseguir um emprego é difícil.
Leu essa? Na pandemia, três mulheres foram vítimas de feminicídio por dia
A audiência de instrução e julgamento foi em 2016. Três anos depois, Sandra ainda narrava esse dia em detalhes. “Eu quase desmaiei quando vi que a juíza me deu 12 anos de cadeia”, lembrou, em sua primeira entrevista à reportagem do #Colabora.
[g1_quote author_name=”Sandra* (nome fictício)” author_description=”Mulher paraense que recebeu pena maior por ser mãe” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Quando o policial abriu a minha mala, começou a cair a lágrima sem eu querer: tô lascada. Já sabia que ia ficar presa
[/g1_quote]Sandra foi presa no Aeroporto do Recife, durante a conexão de seu voo que tinha partido de São Paulo, com destino final em Cabo Verde, arquipélago na costa da África. Levava 965 gramas de cocaína na mala despachada, disfarçadas de produtos cosméticos. Saiu do aeroporto pernambucano direto para uma penitenciária. Não viu seu bebê de 3 meses falar as primeiras palavras e começar a andar. O menino havia ficado em Belém, com a avó materna.
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Veja o que já enviamosPegou uma pena alta no julgamento de primeira instância e não teve direito a responder ao processo em liberdade, com medidas cautelares, conforme previsto em lei para mulheres com filhos pequenos.
O fato de ela ser mãe de sete filhos não serviu para obter o benefício. E também foi considerado como agravante pela juíza para além do crime cometido, no julgamento do caso. Na sentença, a magistrada fez 14 menções aos filhos de Sandra: “Nem o filho a impediu de ir para São Paulo buscar drogas para transporte internacional. Demonstra, portanto, não ser uma pessoa disposta a trabalhar e estudar para garantir o sustento da sua família, optando pelo caminho do lucro fácil, sem esforço”.
Os filhos foram mais protagonistas na sentença do que o próprio crime. “Mas não se pensou na consequência da prisão (de Sandra) para essas crianças, que acabaram sendo prejudicadas”, avalia a advogada Marcela Borba. Em artigo publicado em 2018, Marcela, então estagiária da Defensoria Pública da União (DPU), juntamente com a defensora federal Tarcila Maia Lopes e o também estagiário Júlio Paschoal, comparou o caso de Sandra com outro semelhante, em que o réu era um homem; os dois processos foram acompanhados pela DPU.
A maternidade na dosimetria
A mesma juíza proferiu a sentença dos dois casos – de Sandra e do homem – em um intervalo de 15 dias. Para ele, determinou 8 anos de reclusão, quatro a menos que para Sandra, mãe de sete filhos. O homem também tentava embarcar para a África com drogas, transportando 1.797 gramas de cocaína (o dobro da carga dela), distribuídas em 149 cápsulas que havia engolido.
[g1_quote author_name=”Marcela Borba” author_description=”Advogada” author_description_format=”%link%” align=”right” size=”s” style=”simple” template=”01″]A juíza não estava preocupada em punir Sandra pelo seu crime, mas de demarcar o lugar daquela mulher, que deveria ter ficado em casa com os filhos
[/g1_quote]Esse homem era pai de dois filhos, um dos quais não viu nascer e sequer registrou. Mas nada foi falado sobre a paternidade dele pela juíza. No artigo, os defensores percebem que a diferença fundamental entre as duas sentenças foi a “valoração da personalidade e conduta social” de Sandra, consideradas desfavoráveis, enquanto as do homem foram avaliadas de forma neutra.
[g1_quote author_name=”Luciana Costa Fernandes” author_description=”Professora de Direito Penal e Processo Penal e pesquisadora” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A maioria das juízas não chegavam a entender aquelas mulheres (acusadas de tráfico) como humanas, nem a perceber que existia uma questão de gênero
[/g1_quote]Concepções pessoais baseadas em estereótipos estão presentes nos discursos jurídicos, “revelando incoerência e parcialidade do sistema de Justiça e seus atores”, aponta o artigo da defensoria. Os autores relatam que foram feitos juízos de valor sobre a maternidade da acusada, sobre sua “vaidade” ou sobre seus relacionamentos, questões que “não integram categorias jurídicas aptas a quantificar a pena”.
“A juíza não estava preocupada em punir Sandra pelo seu crime”, destacou a advogada Marcela Borba, “mas de demarcar o lugar daquela mulher, que deveria ter ficado em casa com os filhos”. Para Marcela, Sandra foi punida como se integrasse a organização criminosa por um transporte que ela sequer chegou a consumar. A pena de 12 anos aplicada corresponde ao dobro da pena base de homicídio, que é de 6 anos, e a pena por tráfico varia de 5 a 15 anos.
No julgamento de alguns homens ainda se percebe que há uma consideração “pelo fato de eles transportarem a droga para sustentar a família”, acrescentou a defensora Tarcila Lopes, em entrevista mais recente para esta reportagem, após coordenar a pesquisa de campo Tráfico Internacional de Entorpecentes – com casos patrocinados pela DPU no Recife de 2016 a 2019. A defensora lembra de uma outra situação de uma estrangeira que alegou que estava a passeio no Brasil e teve a liberdade negada. “Ela disse que era casada e mãe de filhos, mas viajou sem eles; então a história dela não é verossímil”, afirmava a decisão judicial.
Juízas no papel opressor
O machismo no Judiciário não é só atributo de juízes homens ou da magistrada do caso de Sandra. A pesquisa de mestrado de Luciana Costa Fernandes, no Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), analisou “como juízas julgam mulheres acusadas de tráfico”. A conclusão foi de que as diferenças de raça e classe social, bem como as situações de privilégios, não permitiam que houvesse empatia por parte das magistradas nos julgamentos, e elas são ainda mais opressoras.
“A maioria das juízas não chegavam a entender aquelas mulheres (acusadas de tráfico) como humanas, nem a perceber que existia uma questão de gênero”, afirmou a pesquisadora e professora de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Luciana fez entrevistas e assistiu às audiências por dois meses.
“O que você acha que tem em comum com uma mulher criminalizada?”, perguntava a pesquisadora. A maioria das juízas entrevistadas dizia: “Nada”.
Parte das magistradas nunca tinha ido a um presídio. “Elas não sabem o que uma pena de dez anos representa na vida dessas pessoas”, avaliou Luciana. Mas o discurso da meritocracia se apresentou quando juízas alegaram ter lutado muito para chegar naquele posto. “Não entendo porque elas (as acusadas) não fizeram o mesmo; por isso sou mais dura com mulher”, justificou uma delas à pesquisa.
Desde o primeiro contato com o sistema de Justiça, mulheres são julgadas não só pela ação ilegal, mas por romper com o papel a elas socialmente atribuído e a partir de juízos morais sobre a maternidade. Esse entendimento também aparece no estudo Mulheres Sem Prisão, do Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC), que cita a fala de uma promotora durante audiência de custódia de uma mãe envolvida com o comércio de drogas: “Peço que não seja substituída a preventiva pela domiciliar, pois ela estava traficando ao invés de cuidar dos filhos”.
Filhos eram a motivação
Ré primária, Sandra contou que aceitou ser mula do tráfico de drogas porque queria o dinheiro para voltar ao Suriname, país vizinho do Brasil, onde ficaram quatro de seus filhos. Ela tinha vindo para Belém do Pará, sua terra natal, porque precisava atualizar o passaporte e para ter o sétimo filho que carregava na barriga.
Pretendia fazer o parto cesáreo e a ligação das trompas. Na capital surinamesa, Paramaribo, o acesso à saúde era precário. “Eu tinha medo de fazer cirurgia lá. O Suriname é bom para trabalhar, ter dinheiro, mas a medicina é muito difícil”, contou.
Nascida em Belém, Sandra teve dois filhos quando ainda era menor de idade e eles foram criados pela avó. Com 18 anos, partiu para Paramaribo (a menos de duas horas de voo da capital paraense) em busca de uma vida melhor. As crianças ficaram com a avó. No Suriname, teve mais quatro filhos.
O planejamento reprodutivo não funcionava para Sandra. “Eu não sabia tomar o remédio direito; às vezes faltava (o anticoncepcional) no posto de saúde e eu não tinha dinheiro pra comprar, aí ficava um dia sem tomar e já engravidava”.
O pai da sexta filha e do sétimo (o bebê que nasceu no Brasil), um surinamês, não esperou Sandra voltar e arrumou outra mulher. Ela se viu sem recursos e com um recém-nascido em Belém. A menina estava com a avó paterna no Suriname. “O trabalho que eu arrumei pagava R$ 800 por mês, eu ia demorar para conseguir comprar a passagem para Paramaribo”, explicou.
Sandra ainda estava preocupada com os três filhos do primeiro marido, já falecido, no Suriname. Os meninos de 6, 11 e 12 anos também tinham ficado no país vizinho com a irmã de Sandra e a avó paterna. Um deles precisava fazer uma cirurgia na perna.
O desespero de Sandra por conseguir dinheiro para viajar chegou aos homens que lhe ofereceram uma boa quantia em euros para levar a droga, passar uns dias em Cabo Verde, voltar a Belém, pegar o bebê e partir para o Suriname. Ela se animou ao saber que uma amiga tinha ido nesse esquema para Portugal e tudo havia dado certo. “Mas eu fiquei muito nervosa, no dia vi uma menina rodar na minha frente no Aeroporto de São Paulo com droga no corpo, porque um cachorro sentiu o cheiro”, disse Sandra, que conseguiu embarcar no aeroporto paulista, mas, no Recife, foi chamada até a sala da Polícia Federal.
“Quando o policial abriu a minha mala, começou a cair a lágrima sem eu querer: tô lascada. Já sabia que ia ficar presa”, narrou Sandra. Na primeira entrevista que fizemos com ela, após a saída da prisão em 2019, ela acreditava que foi pega como isca, pois um outro rapaz perto dela teria passado com uma quantidade maior de cocaína: “Vim saber que funcionava assim depois que eu estava na cadeia”.
Vulneráveis, mulas e frágeis
Os homens que contrataram Sandra para o serviço de mula só conversavam por mensagens de texto; eram vários, não deixavam rastro: “Como eu ia entregar para ajudar na investigação se não fazia ideia de quem eles eram”. Não teve redução na pena.
Desde 2016, o entendimento do Superior Tribunal Federal (STF) é de que as “mulas” são aquelas que apenas transportam a droga para terceiros em troca de alguma vantagem econômica. A definição afasta o caráter hediondo do chamado “tráfico privilegiado” e pode diminuir a pena.
Três em cada cinco mulheres no sistema prisional brasileiro respondem por crimes de tráfico. Estudiosos apontam que a guerra às drogas é uma guerra contra as mulheres. O número de presas no país aumentou 700% entre 2000 e 2016 – passou de 5.600 para 40.970 mil, conforme o último Relatório Temático sobre Mulheres Privadas de Liberdade, o Infopen Mulheres, publicado em junho de 2017 pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Na pesquisa coordenada pela defensora Tarcila Maia Lopes, foram relatados os casos dos 36 réus atendidos pela DPU de 2016 a 2019, todos acusados de tráfico internacional de drogas, sendo 53% mulheres. As penas impostas a elas eram superiores às dos homens, mesmo em circunstâncias parecidas, como no caso de Sandra. O maior tempo de prisão pego entre as mulheres foi de 5.535 dias. Entre homens, 3.190 dias.
Muitas das acusadas buscaram ou foram levadas a este tipo de crime por meio de uma figura masculina. “O processo de feminização da pobreza, aliado à hierarquização do trabalho, influenciam um modelo de gerência do tráfico que delega aos corpos femininos papéis de pouca importância”, pontua a pesquisa.
A maior presença de mulheres entre os pobres no Brasil, fenômeno chamado de “feminização da pobreza”, vem sendo estudada desde a década de 1970. A parcela de lares que tinham mulheres como referência no Brasil, em 1995, era de 23%. Vinte anos depois, 40% das famílias eram chefiadas por elas. Os dados estão no documento Retratos das Desigualdades (2017), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A pandemia já impacta mais fortemente esse cenário com o aumento de 17 milhões de pessoas pobres em apenas seis meses, revelam pesquisas da Fundação Getúlio Vargas.
Na prisão e muito longe da família
A dupla penalização da mulher infratora foi um dos argumentos usados na apelação da DPU que conseguiu a redução da pena de Sandra de 12 para seis anos no julgamento em segunda instância do Tribunal Regional Federal em 2017. Mas ela não conseguiu liberdade condicional nem o pedido de transferência para Belém, onde estava sua família. Ficou 30 meses na penitenciária em Recife sem receber uma única visita, sem ver seus pais e filhos. “A solidão batia dia de domingo, só tinha Deus comigo”, disse Sandra ao #Colabora.
[g1_quote author_name=”Sandra* (nome fictício)” author_description=”Mulher paraense que cumpriu pena por tráfico em Recife” author_description_format=”%link%” align=”right” size=”s” style=”simple” template=”01″]A senhora não sabe o que eu passo pensando no meu pai, no meu filho, na minha mãe, que estão longe, esperando por mim. Eu preciso de roupas, de trabalho, eu não tenho nada aqui, não conheço ninguém
[/g1_quote]Dentro da cadeia, ela afirmou para si que não queria continuar na “vida do crime”, apesar das “ofertas de dinheiro fácil” que continuava a receber em meio a venda de drogas no sistema. Ao presenciar uma rebelião traumatizante, decidiu que não se envolveria com nada errado novamente.
Vinte dias após dar entrada no sistema, conta que já buscou trabalho e conseguiu ir para outra área da penitenciária, ficando livre de continuar a dormir no chão de uma cela com 14 detentas e quatro camas. Em 2017, 34% da população prisional feminina estava trabalhando, de acordo com o Infopen Mulheres.
Apenas 26,5% das presas estavam envolvidas em algum tipo de atividade educacional naquele ano. Entre elas, Sandra, que aproveitou todas as oportunidades de capacitação, inclusive concluiu o Ensino Médio. Ela fez seis cursos na unidade, entre eles crochê, leitura e escola bíblica. Como aluna, ganhava material de higiene, e, com o dinheiro do trabalho, podia comprar alimentos através de familiares de outras detentas.
Liberdade mas só até a periferia
Quando conseguiu liberdade condicional, após passar dois anos e meio na cadeia, Sandra se sentiu perdida. Por ordem judicial, ela devia ficar em Recife, uma capital completamente desconhecida. Não tinha para onde ir; estava sem dinheiro, sem nem um parente na cidade. “Lá dentro, você tem que ficar de olho no seu processo porque eles te esquecem. E, depois que a gente sai, não nos ajudam em nada”, disse, em entrevista, já fora da cadeia.
Deram-lhe dez minutos para juntar as coisas e sair. Foi graças a uma colega que fez no presídio que Sandra teve abrigo em uma favela na periferia de Recife. Ficou lá um mês e meio ajudando a cuidar dos filhos da amiga, enquanto aguardava autorização para mudar para Belém. “Tenho medo de ela estar fazendo coisa errada e eu rodar junto só por estar na casa dela: já pensou, depois de tudo isso?”, contou à época, aflita.
[g1_quote author_name=”Sandra* (nome fictício)” author_description=”Mulher , mãe de sete filhos, presa como mula do tráfico” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Não pude criar o meu bebê, me arrependo disso
[/g1_quote]Na favela recifense, Sandra recebeu mais algumas propostas para praticar delitos. “Leva isso ali no centro da cidade, eu te dou 100, 50 reais”, ouvia. Mas ela diz que aprendeu que “as coisas mais fáceis se tornam mais difíceis”.
Ainda foi contatada novamente pela quadrilha que a contratou como mula para transporte internacional de drogas. “Dessa vez vai dar tudo certo; vamos pagar mais”, tentaram. Ela negou e mudou de celular para não ser mais encontrada.
O apoio financeiro da irmã, no Suriname, e do pai, em Belém, assegurou a sobrevivência de Sandra durante o período em Recife sem conseguir trabalho fora da penitenciária, embora tenha feito vários cursos. Ela não conseguia autorização para viajar, mesmo estando com o pai doente no Pará e com a mãe tendo descoberto um câncer no período — ambos precisando dos cuidados de Sandra.
Teste de fogo na Justiça
No Dia das Mães de 2018, o então presidente do Brasil, Michel Temer, estabeleceu o indulto (perdão da pena) para as presas, mães de crianças de até 12 anos, que não tivessem cometido crimes violentos nem cometidos faltas graves na prisão. Em abril de 2019, Sandra ainda aguardava a decisão do seu processo. Enfrentou o julgamento de mais uma mulher de toga, e rememorou o diálogo com a juíza:
– Eu não te liberei antes porque eu queria ver se você ia aguentar ficar aqui um tempo sem mexer com coisa errada.
– Isso que você está fazendo é me incentivar a fazer coisa que não presta, o povo volta pra cadeia por causa disso, minha doutora.
– Como você fala isso perante uma autoridade?
– Eu falo porque a senhora não sabe o que eu passo pensando no meu pai, no meu filho, na minha mãe, que estão longe, esperando por mim. Eu preciso de roupas, de trabalho, eu não tenho nada aqui, não conheço ninguém. Graças a Deus, arranjei uma amiga na cadeia.
– Eu vou assinar (o indulto) mas não tente fazer coisa errada, porque se cair comigo de novo, não vou dar mais chance.
– Eu errei, paguei pelos meus erros, agora quero mudança. Aqui já apareceu muita coisa errada pra mim e eu que não quis mais.
Nesse dia, com a extinção da pena, Sandra recebeu sua liberdade de fato. Em abril de 2019, fomos até o Marco Zero, ponto turístico de Recife que ela ainda não conhecia. Pediu para tirar uma foto no letreiro com o nome da cidade. “Vou botar no meu Facebook e escrever: Adeus, Recife!”. Antes de partir, tomaria um banho de mar para deixar lá tudo de ruim que viveu na cidade. Mas seria um mergulho rápido porque ouviu falar dos tubarões na praia de Boa Viagem.
Retornos
Em maio de 2019, Sandra viajou para Belém de ônibus — um dia e meio de viagem — e encontrou seu filho caçula, já com 3 anos de idade, falante, andando, chamando a avó de mãe: “Não pude criar o meu bebê, me arrependo disso”.
No começo de 2020, Sandra retornou ao Suriname sozinha. Perdoou o companheiro surinamês que a abandonara em 2016, mas logo depois ele adoeceu gravemente com uma úlcera no estômago. Morreu. “Eu peço muito para Deus colocar a alma dele num bom lugar”, disse.
A pandemia piorou nos últimos meses em Paramaribo. “Todo dia tem morrido muita gente”, contou em entrevista por mensagens de celular ao #Colabora em julho. Ela está trabalhando de cozinheira numa área de garimpo, onde muitos imigrantes encontram sobrevivência.
Desde que chegou ao Suriname em 2000, Sandra chegou a ficar lá por 10 anos direto sem ver a família no Brasil: “Minha mãe sempre foi muito dura, às vezes eu precisava de uma conversa e ela me batia”.
Vai fazer 1 ano e meio que ela está longe, sentindo saudades do caçula e dos pais. Ainda guarda o trauma da última vez que acabou prisioneira na terra natal. Mas está juntando dinheiro para voltar.
*Nome fictício
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Joana Suarez é pernambucana mineira, viveu metade da vida em cada estado. Atualmente, como jornalista freelancer, decidiu habitar os dois lugares para se sentir completa. É formada e sempre atuou dentro de redações. Como repórter recebeu quatro prêmios (regionais e internacionais) pelos trabalhos aprofundados na área de saúde. Desde 2018, vem se dedicando de maneira independente a cobrir também pautas de gênero, direitos humanos e meio ambiente. Publica em veículos brasileiros e estrangeiros reportagens feitas no Nordeste e no Sudeste do país. Agora é também podcaster. Produz e apresenta o Cirandeiras Podcast sobre mulheres e suas lutas em cada canto do Brasil.
cadê o nome dessa juíza maldita desgraçada?
pq tá protegendo ela?
Honestamente, a história dela é sim muito triste, mas nada mais é do que uma sucessão de más escolhas feitas pela moça e mais ninguém, a juíza não tem culpa alguma, mas é muito mais fácil colocar um outro alguém como bode expiatório dos nossos próprios fracassos.
Todo ato tem consequência, e querer os atos mas não as consequências dos mesmos é infantilidade, espero do fundo do meu coração que ela amadureça e passe a entender que só ela é responsável pelas decisões que toma.
Mas foram más escolhas no plural? Ou uma única escolha ruim? E a reportagem não indica que ela deveria ter sido absolvida, mas diz que ela foi julgada moralmente por ser mãe.
E, ainda, na parte do indulto, quem é a juíza para falar que se ela cair de novo não vai assinar indulto? Se (a gente voltar a ter indultos e se) Sandra for novamente processada e preencher os requisitos de algum indulto futuro, a juíza precisa declarar, não existe isso de a juíza poder não reconhecer o indulto concedido pela pessoa presidente…
Infelizmente o machismo estrutural destrói vidas, não adianta questionar o erro dela, pq homens com o mesmo crime têm pena menor? Pq são pais? Q por acaso abandonam os filhos. É triste, é humilhante ser mulher no Brasil. Pior q um homem machista é uma mulher machista.