Mãe e filha passeiam por uma praça pública e, no meio do caminho, encontram um banco gigante pintado de vermelho. A criança então pergunta: ‘o que é esse banco?’ e a mãe responde: ‘é uma memória do tempo em que precisávamos de bancos vermelhos gigantes, porque os homens tiravam a vida das mulheres apenas pelo gênero’. Essa pequena fábula é fruto do anseio e da luta de Paula Limongi e de outras mulheres envolvidas com o Instituto Banco Vermelho (IBV).
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“Nosso sonho é que esses bancos gigantes um dia virem um memorial e sejam comparados a um orelhão que está na rua e as crianças perguntam o que é”, afirma Paula, diretora executiva do IBV. O projeto surgiu em 2023, após ela e a amiga, Andrea Rodrigues, perderem pessoas próximas vítimas de feminicídio. A iniciativa se consolidou e virou a Lei 14.942/2024 que prevê ações de conscientização em lugares públicos alusivas ao Agosto Lilás, mês destinado à conscientização para o fim da violência contra a mulher.
A legislação afirma que os bancos vermelhos gigantes devem ser instalados em locais de grande circulação de pessoas. Os mobiliários têm 4 metros de largura, 3 metros de altura e contam com informações sobre o tema e contatos de emergência, como o número da Central de Atendimento à Mulher – 180. Atualmente, já existem mais de 50 bancos gigantes espalhados por 13 estados, além de mais de 100 versões menores, considerando apenas os dados monitorados pelo IBV.
Tivemos a inspiração poética nessa ativação para fazer um ato de homenagem para as nossas amigas e para chamar a atenção para a causa. Jamais imaginaríamos que essa homenagem iria se transformar em um instituto
Contudo, os dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública 2025 revelam a necessidade de mais. Em 2024, o Brasil registrou um novo recorde no número de feminicídios – 1.492 mulheres assassinadas por sua condição de gênero. Os dados representam um crescimento de 0,7% em relação ao ano anterior e o maior da série histórica, iniciada em 2015. Oito em cada dez foram assassinadas por companheiros ou ex-companheiros, 97% por homens e 64,5% dos casos ocorreram em ambientes domésticos.
O Anuário também indica um aumento de 19% nas tentativas de feminicídios no ano passado, um total de 3.870. 70,5% das vítimas tinham entre 18 e 44 anos e 63,6% delas eram mulheres pretas. O país também registrou 87.545 estupros, sendo 87,7% cometidos contra mulheres, 76,8% contra grupos vulneráveis, como crianças e adolescentes, e 65,7% dentro de casa.
Impacto além dos números
“Em Brasília, uma mulher tinha acabado de sofrer uma agressão, sentou nesse banco e começou a chorar. Após, chegou uma amiga e elas perceberam onde estavam sentadas. Nesse momento, ligaram e foram para o IML (Instituto Médico Legal”, conta Paula. Os comentários das redes sociais do Instituto Banco Vermelho são repletos de relatos de mulheres que sofreram violências e pedidos de mais ações de combate à violência de gênero.
“Tenho aprendido dia após dia com vocês sobre prevenção que salva vidas. A minha mesmo foi salva”; “Há um mês sofri uma tentativa de feminicídio com faca de uma pessoa que eu não falava há dois anos”; “Denunciei violência doméstica cometida por um policial militar. E desde então, minha vida nunca teve paz. Hoje, estou aqui para dizer com todas as letras: eu tenho medo de morrer”. Esses são alguns trechos de comentários no Instagram do IBV.
“Temos o relato de uma senhora que sempre esperava o ônibus na parada e quando o banco vermelho foi colocado perto, ela passou a sentar nele, porque se sente mais segura”, menciona Paula. Em Pernambuco, onde ela e Andrea moram, o número de chamadas para o 180 cresceu 37,3% um ano após a instalação dos primeiros bancos. Neste ano, um banco vermelho gigante foi instalado no Congresso Nacional como parte das ações do Agosto Lilás.
Ainda em 2024, em parceria com a Uninassau (Centro Universitário Maurício de Nassau), o Instituto Banco Vermelho criou uma plataforma para coletar dados de casos de feminicídio. Batizado de “Sinal Vermelho”, o projeto pretende reunir informações para cobrar agilidade da justiça em casos de assassinatos de mulheres por questões de gênero.
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Veja o que já enviamosComo surgiram os bancos vermelhos?
O uso de bancos vermelhos como estratégias para conscientização e combate à violência contra mulheres surgiu na Itália, em 2016. “ Tivemos a inspiração poética nessa ativação para fazer um ato de homenagem para as nossas amigas e para chamar a atenção para a causa. Jamais imaginaríamos que essa homenagem iria se transformar em um instituto”, recorda Paula Limongi, sobre a instalação dos primeiros mobiliários em Recife, em novembro de 2023.
Com o tempo, o Instituto passou a promover outras ações, como palestras e campanhas pelo feminicídio zero. Um dos focos do IBV é ir até a raiz do problema, os homens. “Temos levado o banco para estádios de futebol e ido para a construção civil”, explica Paula, sobre a necessidade de trabalhar o tema em espaços tradicionalmente ocupados pela masculinidade e pelo machismo.
“Quando a gente vai para um canteiro de obra, também deixamos um banco vermelho nesse canteiro. Acreditamos que é um vetor de comunicação e que pode salvar vidas”, destaca Paula. Enquanto os números de violência de gênero e de feminicídios, os mobiliários seguem necessários para enfrentar a realidade perversa e, muitas vezes, hostil à existência de milhares de mulheres.