“É um crime que eles estão fazendo conosco”, denuncia Maryta de Humahuaca. Por conta de ameaças e perseguições, a indígena do povo Humahuaca teve que deixar seu território, na província de Jujuy, norte da Argentina. O local é palco de conflitos envolvendo a exploração de lítio, metal usado para fabricação de baterias para diversos equipamentos eletrônicos.
A comunidade de Maryta fica localizada em uma zona chamada de “triângulo do lítio” que abrange também áreas da Bolívia e do Chile, abrigando a maior reserva desse metal no mundo. “Além do Milei falar que quer acabar com os povos indígenas na Argentina, até falando como criminosos e terroristas, nós estamos sendo muito perseguidos pelo governo estadual”, descreve ela.
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A situação se agravou em junho de 2023, quando foi feita uma reforma constitucional na província de Jujuy. Na Argentina, os critérios de exploração ou proteção da natureza ficam a cargo dos governos provinciais, equivalentes aos estados brasileiros. O processo foi marcado por críticas dos povos indígenas pela falta de consulta às comunidades.
A reforma facilitou a exploração de lítio nos territórios indígenas, inclusive, com a previsão de “mecanismos e meios rápidos e eficazes para proteger a propriedade privada e restaurar qualquer alteração na posse, uso e fruição da propriedade em favor de seu proprietário”. Além disso, outro trecho previa o despejo de ocupantes não reconhecidos pela província.
As comunidades cobraram respostas do governo do presidente Alberto Fernandez e chegaram a fazer protestos na capital Buenos Aires. Porém, a eleição do político de extrema-direita Javier Milei acabou com qualquer chance de diálogo. Por isso, Maryta resolveu vir para o Brasil, inicialmente para São Paulo, depois para o Rio de Janeiro e, por fim, Belém para denunciar o caso na COP30.
Impactos socioambientais
Jujuy é o território com o maior percentual de indígenas da Argentina, cerca de 52 mil pessoas e 7,8% do total da província. Além dos Humahuaca, também vivem na região comunidades indígenas Kolla, Quechua, Atacama, Guaraní, Ocloya, Chicha, Kolla, Guaraní, Toba, Toara e Tilian. Muitas das áreas de exploração de lítio se sobrepõem a esses territórios ancestrais.
“A verdade é que essa constituição pega diretamente as nossas águas, algo primordial para a gente viver. Na nossa cosmovisão, somos seres integrais: a gente não é gente se não tem terra e se não tem água”, aponta Maryta de Humahuaca. O processo de extração do lítio prevê o uso bombear a salmoura, uma solução aquosa subterrânea. Refinar uma tonelada de lítio demanda entre 1,9 a 2,1 milhões de litros de água.
“É importante olhar isso que está acontecendo na Argentina, para não acontecer no Brasil, nem em nenhum território da Abya Yala”, enfatiza a indígena argentina. O termo Abya Yala é utilizado por povos tradicionais como sinônimo de América e significa “terra viva” ou “terra que floresce”.
A ativista e artista cita os desafios de ser uma imigrante indígena e a burocracia que envolve a permanência no território. “Eu quero estar lá no meu território, mas com ameaças de morte, a gente não pode ficar em paz. É isso que me traz no Brasil”, complementa, ao mencionar a importância de processos que facilitem o movimento de indígenas pela Abya Yala.
Rio assassinado pela mineração
Elizabeth del Valle Mamani é uma indígena do povo Atacameño e vive em uma comunidade do Salar del Hombre Muerto, em uma cidade chamada Antofagasta de la Sierra, na província de Catamarca, no norte da Argentina. Desde 1997, a comunidade enfrenta os impactos da exploração do lítio pela empresa estadunidense Livent, hoje incorporada à multinacional de mineração Río Tinto.
“Como resultado dessa exploração, mais de 6 km do vale do Rio Trapiche secaram. Hoje é um rio morto. Entre 2015 e 2025, ocorreu o que conhecemos como o ‘boom do lítio’ e 13 empresas se estabeleceram rapidamente para extrair lítio do Salar”,descreve Eli Mamani, como é mais conhecida.
Não contente com o assassinato de parte do Rio Trapiche, em 2017, a empresa de mineração construiu um arqueduto de 30 km para obter água do Rio Los Patos. Em 2021, a Comunidade Atacameños del Altiplano entrou com uma ação judicial para suspender as licenças de exploração do lítio na região.
A batalha rendeu uma vitória parcial em 2024, quando o Tribunal de Justiça de Catamarca concedeu uma liminar para suspender a exploração das águas do Rio Los Patos e determinou a realização de um estudo sobre os impactos do projeto. Na COP30, Eli denuncia os reflexos da atividade mineradora na sua comunidade e apoio para alcançar uma decisão definitiva e reparação.
Transição energética para quem?
O lítio é um metal alcalino com características de densidade energética que o tornam um elemento chave para a transição energética. O material, por exemplo, é um componente essencial para a produção de carros elétricos. Por conta da crescente demanda, o lítio passou a ser chamado também de “ouro branco”.
“Nós concordamos com essa transição energética, mas a verdade é que não queremos ser de novo território de sacrifício. Então, precisamos de respeito pelos nossos territórios, pelas nossas vidas”, destaca Maryta. Assim como ocorre com a exploração de outros minerais, as áreas próximas às minas de lítio costumam pagar a conta do “capitalismo verde”.
