Cleópatra negra: “cor de sua pele não tinha importância no Antigo Egito”

Com polêmica provocada por série da Netflix, egiptólogo analisa características da rainha e seu impacto na época em que viveu

Por The Conversation | ODS 5 • Publicada em 12 de maio de 2023 - 10:14 • Atualizada em 29 de junho de 2023 - 10:36

A atriz negra Adele James, como a rainha Cleópatra na série da Netflix: historiador diz que cor de sua pele não tinha importância no Antigo Egito (Foto: Netflix / Divulgação)

Cleópatra, rainha do Egito nos anos 51-30 aC, está de volta aos noticiários graças a uma polêmica série de docudrama na Netflix chamada “Rainha Cleópatra”. Muito debate tem ocorrido sobre a etnia da monarca egíocia, de ascendência grega. Na série da Netflix, ela é interpretada por uma atriz negra. A polêmica – a série causou protestos no Egito – proporciona uma oportunidade de se olhar para seu papel na história e como ela foi retratada ao longo do tempo. O historiador Toby Wilkinson, egiptólogo e autor do premiado livro The Rise and Fall of Ancient Egypt: the History of a Civilization from 3000 BC to Cleopatra (A Ascensão e Queda do Antigo Egito: a História de uma Civilização de 3000 A.C a Cléopatra – foi entrevistado pelo The Conversation para jogar luz sobre a rainha e seu tempo.

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Quem foi Cleópatra e por que ela é tão importante?

Wilkinson – Num sentido muito real, o reinado de Cleópatra marca o florescimento final da cultura egípcia antiga. Cleópatra – ou Cleópatra VII para ser mais preciso: houve seis rainhas anteriores com o mesmo nome – foi a última monarca da dinastia ptolomaica, uma família de origem grega macedônia que governou o Egito desde a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C., até a extinção do país. conquista e ocupação por Otaviano (mais tarde imperador Augusto) em 30 antes de Cristo.

Não há evidências de que a etnia de Cleópatra tenha sido motivo de debate ou interesse durante sua própria vida. A controvérsia nos diz mais sobre as preocupações de nosso tempo do que sobre o que era considerado importante na época

Toby Wilkinson
Historiador e egiptólogo

Durante seu reinado de 21 anos, numa época em que outros estados do Mediterrâneo oriental estavam sendo assimilados pelo crescente poder de Roma, Cleópatra conseguiu preservar a independência egípcia por meio de sua diplomacia astuta, liderança estratégica e carisma pessoal. Ela é importante por causa de sua posição na história – ela é a pessoa que conecta a Era Helenística dos sucessores de Alexandre e o Império Romano que a seguiu – e seu status lendário desde sua morte. Quando Cleópatra morreu, também morreu a antiga civilização egípcia como uma cultura vibrante e viva.

O que você acha da controvérsia sobre sua etnia?

Wilkinson – Ela nos diz mais sobre as preocupações de nosso tempo do que sobre o que era considerado importante na época de Cleópatra. De acordo com meu conhecimento dos antigos costumes egípcios, a cor da pele era muito menos importante do que a cultura: se você vivia como um egípcio, adotando práticas culturais egípcias, então você era considerado um egípcio, qualquer que fosse sua origem étnica. Não há evidências de que a etnia de Cleópatra tenha sido motivo de debate ou interesse durante sua própria vida. Ela veio de uma longa linhagem de reis de língua grega, mas sua família viveu no Egito por 300 anos.

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Há alguma dúvida sobre a identidade da mãe de Cleópatra. Mas séculos de precedentes reais sugerem que ela também teria descendência grega macedônia. Por causa das realizações notáveis de Cleópatra durante sua vida e sua reputação duradoura ao longo dos tempos, é compreensível que diferentes grupos queiram reivindicá-la como sua. Cleópatra pertence a todos nós.

Wilkinson – Por que você acha que a aparência dela foi colocada em primeiro plano?

Se olharmos para as imagens de Cleópatra criadas durante sua própria vida – em estatuária, nas paredes do templo e em moedas – ela não necessariamente está de acordo com os ideais modernos de beleza. Por exemplo, ela é frequentemente retratada com um nariz longo e aquilino e um queixo pontudo. Mas como Cleópatra evidentemente encantou dois dos líderes militares mais fortes de sua época – os romanos Júlio César e Marco Antônio – projetamos nela nossos próprios preconceitos culturais sobre a influência feminina e presumimos que ela deve ter sido fisicamente atraente.

Foi a primeira de sua dinastia a aprender a falar egípcio, para que pudesse se comunicar com seus súditos em sua própria língua. Isso era muito incomum na época. Marca Cleópatra como uma pensadora progressista e linguista competente

Toby Wilkinson
Historiador e egiptólogo

No entanto, a beleza está nos olhos de quem vê, e a história nos ensina que o poder é um forte afrodisíaco. Sua atratividade para César e Antônio teria se originado tanto de sua posição de poder, governando o país mais rico do Mediterrâneo, quanto de quaisquer qualidades pessoais. Fosse Cleópatra “bonita” ou não em termos modernos, ela era uma governante talentosa e uma política hábil, e seus contemporâneos claramente reconheciam suas habilidades.

Adele James com a coroa de Cleópatra na série: para egiptólogo Toby Wilkinson, controvérsia sobre etnia da rainha "diz mais sobre as preocupações de nosso tempo do que sobre o que era considerado importante na época de Cleópatra" (Foto: Netflix/Divulgação)
Adele James com a coroa de Cleópatra na série: para egiptólogo Toby Wilkinson, controvérsia sobre etnia da rainha “diz mais sobre as preocupações de nosso tempo do que sobre o que era considerado importante na época de Cleópatra” (Foto: Netflix/Divulgação)

Wilkinson – E o cérebro dela? O que ela conseguiu em seu tempo?

Cleópatra era inteligente, perspicaz e estratégica. Ela era uma mulher governante em um mundo dominado por homens fortes. Ela afirmou vigorosamente seu direito de governar, dispensando seus dois irmãos quando eles minaram ou tentaram frustrar seus objetivos. Ambos acabaram mortos.

Suas ligações estratégicas com César e depois com Antônio foram cuidadosamente calculadas para garantir sua própria posição e a autonomia de seu país. Suas habilidades diplomáticas permitiram a independência egípcia quando outros estados estavam caindo no poder de Roma.

Mesmo em seu próprio tempo, Cleópatra era uma fonte de fascínio – como uma mulher governante em um mundo de homens.

Toby Wilkinson
Historiador e egiptólogo

Como falante nativa de grego, ela também foi a primeira de sua dinastia a aprender a falar egípcio, para que pudesse se comunicar com seus súditos em sua própria língua. Isso era muito incomum na época, dadas as diferenças e dificuldades do idioma. Isso marca Cleópatra como uma pensadora progressista e linguista competente.

Suas habilidades de liderança também permitiram que ela evitasse a fome no Egito, quando outras terras no Mediterrâneo oriental sofriam de fome. Por último, mas não menos importante, ela se sentia confortável operando entre culturas: ela promoveu a antiga civilização egípcia, fundando novos templos e honrando as divindades tradicionais, ao mesmo tempo em que manteve a posição do Egito como nação líder do mundo helenístico de língua grega.

Wilkinson – Por que você acha que ela ainda fascina as pessoas?

Mesmo em seu próprio tempo, Cleópatra era uma fonte de fascínio – como uma mulher governante em um mundo de homens. Os romanos a consideravam exótica, intrigante e controversa; e os escritos de historiadores e comentaristas romanos garantiram a reputação póstuma de Cleópatra. Seu envolvimento com Roma, especialmente seus casos de amor com César e Antônio, escandalizou a sociedade romana contemporânea e fascinou as gerações subsequentes.

A natureza exata desses relacionamentos – eles eram baseados no amor verdadeiro ou na necessidade política, e qual era a dinâmica de poder entre Cleópatra e seus amantes – inspirou escritores ao longo da história, do dramaturgo britânico William Shakespeare aos roteiristas de Hollywood.

The Conversation

The Conversation é uma fonte independente de notícias, opiniões e pesquisas da comunidade acadêmica internacional.

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