A pandemia nas varas de família: a importância de ouvir as mães

Advogada conta que mulheres foram acusadas de alienação parental por lutarem por isolamento social dos filhos e prevê novos conflitos com a flexibilização das medidas

Por Valquiria Daher | ODS 5 • Publicada em 18 de agosto de 2020 - 08:49 • Atualizada em 25 de agosto de 2020 - 09:43

Vulneráveis por toda parte: no Sri Lanka, mãe e filho esperam por comida em fila de donativos (Foto Tharaka Basnayaka/NurPhoto)

Quando o isolamento social se fez necessário para combater a pandemia de covid-19, em meados de março, a advogada Tatiana Moreira Naumann viu aumentarem os casos de mães e pais recorrendo à Justiça por decisões sobre visitação dos filhos. Muitas mulheres, especialmente com crianças em grupo de risco, precisaram lutar para descumprir acordos preestabelecidos e acabaram sendo acusadas de alienação parental.

“No direito de família o mais importante é o melhor interesse da criança. Muitas vezes, o pai sequer estava cumprindo a quarentena, então o risco era grande. Com o machismo, a decisão da mãe era questionada e havia a acusação de alienação parental. Mas o bom senso venceu, e a visitação virtual foi o caminho mais comum. Com a flexibilização, novos conflitos devem surgir”, prevê a advogada, especialista em direito de família há mais de 20 anos, que nesta terça-feira (18/08) faz a live “Como anda a flexibilização do seu pensamento?”, em seu perfil no Instagram @tatiana maumannadvogada, às 19h.

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E se os avós forem idosos, nem a eles a mulher pode recorrer. Mesmo para a mãe de classe média, também não há condição de voltar com a funcionária. Então, ela está só, precisa voltar a trabalhar e não tem com quem deixar a criança. Para o pai, é muito fácil falar ‘não volta’, enquanto a mãe está desesperada

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Para Tatiana, diante de bares, restaurantes e lojas abertos, a visitação virtual, certamente, passará a ser questionada, o que não pode acontecer em casos de pessoas em grupo de risco. A advogada defende que cada família encontre a sua dinâmica própria, mas, como na maioria das vezes a responsabilidade de cuidar fica com a mãe, a decisão dela precisa ser respeitada. “Quem vai cuidar da criança quando ela ficar doente?  É preciso tomar algumas decisões, e a mulher é colocada nesse lugar como se não tivesse esse poder”, avalia.

Um futuro ponto de conflito previsto por Tatiana pode acontecer na volta às aulas, que, por enquanto, só aconteceu em poucas cidades como Manaus. No Rio de Janeiro, onde a advogada atua, a Justiça decidiu que os colégios devem permanecer fechados. “Continuo achando que não estamos preparados para a volta às aulas, mas essa é uma questão de saúde pública, não cabe aos pais decidirem. É muito prático para a escola distribuir um questionário para os pais marcarem ‘sim’ ou ‘não’ porque, se acontecer algo, foi você que autorizou, e eles dividem os riscos”.

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Tatiana, que tem uma filha de 11 anos, lembra que a reabertura das escolas no exterior aconteceu, principalmente, pela saúde mental das crianças. “Elas não estão preparadas para ficar esse tempo todo em casa e sem o convívio com outras crianças. Eu, por exemplo, administro riscos. Escolho as melhores amigas dela e convido para assistirem às aulas online juntas, com distanciamento e de máscaras. Assim, ela não se sente tão sozinha e a saúde mental dela vai estar em dia”. Na escola, destaca a advogada, o risco é maior não só para os alunos mas também para os professores e funcionários que precisam usar transporte público.

Apesar de achar cedo para a reabertura das escolas, Tatiana destaca que, sem os colégios, as mães estão com sua rede de apoio enfraquecida. “E se os avós forem idosos, nem a eles a mulher pode recorrer. Mesmo para a mãe de classe média, também não há condição de voltar com a funcionária. Então, ela está só, precisa voltar a trabalhar e não tem com quem deixar a criança. Para o pai, é muito fácil falar ‘não volta’, enquanto a mãe está desesperada”.

No caso das mulheres mais pobres, a situação de vulnerabilidade é ainda maior. “Às vezes a decisão é morrer de fome ou de covid. Uma mulher com um bebê pequeno, que precisa trabalhar, deve estar rezando pela volta às aulas. Quem pode julgá-la? Quando as escolas abrirem, cada mãe precisa ter o poder de decisão. Isso é o mais importante da equação”, conclui a advogada.

Valquiria Daher

Formada em Jornalismo pela UFF, nasceu em São Paulo, mas cresceu na cidade do Rio de Janeiro. Foi repórter do jornal “O Dia”, ocupou várias funções no “Jornal do Brasil” e foi secretária de redação da revista de divulgação científica “Ciência Hoje”, da SBPC. Passou os últimos anos no jornal “O Globo”, onde se dedicou ao tema da Educação. Editou a Revista “Megazine”, voltada para o público jovem, e a “Revista da TV”. Hoje é Editora do Projeto #Colabora e responsável pela Agência #Colabora Marcas.

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3 comentários “A pandemia nas varas de família: a importância de ouvir as mães

  1. Rodolfo Lo Bianco disse:

    Entendo a preocupação da advogado e de fato são coisas a serem discutidas. Entretanto, a saúde mental das crianças estão sendo afetadas pelo isolamento. Mas se não faz o isolamento, corre-se o risco da preocupação ser com o enterro da criança. É uma escolha a ser feita. Segundo ponto, o questionário para os pais responderem sim ou não. Assim o Estado divide a responsabilidade. É isso mesmo, os pais precisam se responsabilizar com a vida escolar dos filhos. Saúde pública é de responsabilidade de todos, da sociedade, ou seja, governo (escola pública nesse caso) e os pais. Temos que parar com esse discurso paternalista de que o Estado tem que resolver tudo sozinho.

  2. Ricardo disse:

    Gostaria de saber sua opinião sobre a importância de se ouvir os pais também. Apesar de a maioria absoluta das crianças morarem com as mães após o divórcio, também há casos em que as crianças moram com os pais e , infelizmente, nós homens somos tratados como cidadãos de segunda classe na âmbito do direito familiar. Exemplos: o título desse artigo e a dificuldade de se encontrar textos tratando desse assunto, beirando o taboo.

  3. Ricardo disse:

    Gostaria de saber sua opinião sobre a importância de se ouvir os pais também. Apesar de a maioria absoluta das crianças morarem com as mães após o divórcio, também há casos em que as crianças moram com os pais e , infelizmente, nós homens somos tratados como cidadãos de segunda classe na âmbito do direito familiar. Exemplos: o título desse artigo e a dificuldade de se encontrar textos tratando desse assunto, beirando o taboo.

    Taboo esse que excluiu o comentário anterio 🙂

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