Um museu para (criticar) o capitalismo

Inaugurado em Oakland, nos Estados unidos, museu conta a história do capitalismo, sem odes ao sistema econômico. Foto: Reprodução/Site do Museu do Capitalismo

Recém-inaugurado, nos EUA, o espaço é dedicado à história do sistema econômico dominante no planeta, com todas as suas contradições

Por José Eduardo Mendonça | ODS 4 • Publicada em 14 de agosto de 2017 - 09:06 • Atualizada em 14 de agosto de 2017 - 15:38

Inaugurado em Oakland, nos Estados unidos, museu conta a história do capitalismo, sem odes ao sistema econômico. Foto: Reprodução/Site do Museu do Capitalismo
Inaugurado em Oakland, nos Estados unidos, museu conta a história do capitalismo, sem odes ao sistema econômico. Foto: Reprodução/Site Museum of Capitalism

Há uma ironia na construção de um museu para o capitalismo na Praça Jack London, em Oakland, na Califórnia. Foi naquela cidade que o escritor socialista London, autor do celebrado O Grito da Selva, teve parte importante de sua formação, em visitas frequentes à biblioteca pública. Em outra ironia, London morreu muito rico com a venda de suas obras. O local passa no momento por um processo de gentrificação, em uma tentativa de tirá-lo de seu estado atual de quase penúria, e retorná-lo a seus dias de glória. O museu, recém-inaugurado, deve ser a primeira instituição fora do antigo bloco soviético ou da China dedicada à crítica do capitalismo.

Como diz em seu website, a ideia é “educar esta geração e as futuras sobre a história, filosofia e o legado do capitalismo, através de exposições, pesquisas, publicações, coleta e preservação de evidência material, arte e artefatos do capitalismo, e uma variada programação pública”. Para tanto, foi reunida uma rede de colaboradores, pesquisadores,  curadores, artistas, designers, profissionais de cinema e vídeo, economistas, historiadores, cientistas e leigos de todas as tendências políticas. Tudo para contar “uma saga épica”.

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Toda a iluminação do lugar serve para falar da história da luz elétrica, usada por donos de fábricas para estender a jornada de trabalho. O mesmo vale para os banheiros, testemunhos da história do saneamento, das pausas para operários poderem utilizá-los, das questões de privacidade, vigilância e segregação racial nestes pequenos espaços

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Um dos gurus do novo museu é o escritor Kim Stanley Robinson, autor do best-seller New York 2140 e crítico observador da economia e dos mercados financeiros, sobre os quais escreve no Ethical Markets, que trata também de sustentabilidade – Robinson é ainda um especialista em ciência dos sistemas da Terra.

Na revista What Matters, da empresa de consultaria (capitalista) McKinsey, ele escreve sobre pós-capitalismo e mudança do clima, duas coisas que considera inapelavelmente entrelaçadas.  E lembra que o capitalismo surgiu como uma evolução do feudalismo. Embora a base do poder tenha mudado da terra para o dinheiro, e o sistema tenha se tornado mais móvel, a distribuição de poder e riqueza não mudou tanto. Ainda é uma estrutura de poder hierárquica, não foi planejada com a sustentabilidade ecológica em mente e não pode alterar isso na forma que tem hoje. O capitalismo, afirma ele, não é confiável por não estar à altura de seus próprios desafios e por subvalorizar o futuro.

A biblioteca do museu. Foto: Reprodução/Facebook

Mas, pergunta a Salon, como se cria um museu de água se você está encalhado dentro de um aquário? Bom, começando pelo começo. Toda a iluminação do lugar serve para falar da história da luz elétrica, usada por donos de fábricas para estender a jornada de trabalho. O mesmo vale para os banheiros, testemunhos da história do saneamento, das pausas para operários poderem utilizá-los, das questões de privacidade, vigilância e segregação racial nestes pequenos espaços.

Para seus visitantes, tudo isso soa como um brado de alerta ao fato que as vidas são dirigidas pelo dinheiro que se encontra bem longe do reinado dos empregos que mantemos, ou das lojas nas quais compramos.  A mensagem é que o capitalismo desperdiça nossas vidas (mídia social) e recursos naturais (tornando tudo barato e pronto para jogar no lixo, o que é mais lucrativo do que consertar).

Como se vê, não se trata nem de longe de uma celebração do sistema econômico dominante no planeta, caso de museus que o fazem por seus próprios temas, como o Museu da Indústria de Chicago, o Museu de Finanças de Nova York ou o Museu de História da Computação do Vale do Silício. 

Na verdade, praticamente qualquer museu dedicado à guerra, tecnologia, indústria ou arte produzidos sob o capitalismo podem se considerados odes à nossa economia decadente.  Mas, como esses museus mostram, é muito difícil definir como “amontoar” o capitalismo dentro de espaços pequenos que tipificam um museu como ele existe hoje.  É um conceito de curadoria complicado, uma vez que se trata tanto de um um sistema econômico quanto de um sistema de controle social.

No entanto, seu amplo objetivo parece estar definido. Até porque não é um museu histórico, ou não no sentido tradicional.  Se você se entediava com os ensaios da Escola de Frankfurt que lia na escola, ele parece uma versão cinematográfica dos textos.  É para a teoria crítica o que Matrix foi para Baudrillard: radical, inspirador e ainda assim aberto à interpretação. Como, por exemplo, no caso de uma bicicleta estacionária que recria, em cores de neon, a experiência de se trabalhar em um local insalubre (as chamadas “sweatshops”).

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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