Pesquisa mostra que transporte aéreo foi fator fundamental para disseminar vírus

Pesquisadores da Ufba, UFG e UFJ mostram que fatores climáticas e socioeconômicas não influenciaram no avanço inicial da doença mas malha aérea sim

Por Edgard Digital UFBA | ODS 3ODS 4 • Publicada em 24 de abril de 2020 - 09:36 • Atualizada em 25 de abril de 2020 - 11:33

Passageiros e funcionários com máscaras no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio: pesquisa indica que malha aérea ampla foi o fator fundamental para disseminação do coronavírus nestes primeiros meses (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Clima, distâncias geográficas, aspectos socioeconômicos e conexões internacionais via transporte aéreo foram as variáveis analisadas em um estudo para verificar a influência de cada uma nas taxas de crescimento de Covid-19 entre os países mais atingidos pela doença no mundo. O estudo foi realizado em parceria por pesquisadores da UFBA e das universidades federais de Goiás (UFG) e de Jataí (UFJ), através do grupo de trabalho em “Macroecologia Humana” do Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia (INCT) em Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade (EECBio).

Entre as variáveis pesquisadas, o maior impacto observado nas taxas de crescimento da doença está relacionado aos transportes aéreos e suas conexões entres os diferentes países e aeroportos. “Ao analisar esses fatores, mostramos que a exponencial de crescimento da covid-19 não é impulsionada por variáveis climáticas e socioeconômicas em escala global e é explicado principalmente pela importância do país na rede global de transportes”, afirma o estudo em fase de revisão científica para publicação, foi apresentado em preprint publicado no site medrxiv (servidor de preprints especializado na área de saúde), no último dia 6 de abril.

Por outro lado, não foram identificadas influências de fatores climáticos para diminuição ou aceleração da propagação do novo coronavírus. “O clima não tem sido uma barreira para conter a disseminação do vírus”, afirma o professor Ricardo Dobrovolski, do Instituto de Biologia da UFBA, que integra o grupo de pesquisadores.

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Dobrovolski aponta o exemplo do Brasil, país de clima tropical e altas temperaturas, que teve a segunda maior taxa de crescimento exponencial da Covid-19 identificada pelo estudo (0.27), atrás apenas dos Estados Unidos (0.29), conforme aponta o mapa. Os resultados demonstram que as condições climáticas não impactam nas taxas de crescimento do vírus nos diferentes países, ao contrário do que sugeriam alguns estudos prévios sobre o comportamento de outros tipos de vírus sob altas temperaturas.

[g1_quote author_name=”Trecho do estudo” author_description=”Marco Tulio Pacheco Coelho (UFG),João Fabrício Mota Rodrigues (UFG), José Alexandre Felizola Diniz Filho (UFG), Paulo Scalco (UFG), Anderson Matos Medina (UFBA), Ricardo Dobrovolski (UFBA), Bruno Vilela (UFBA) Levi Carina Terribile (UFJ)” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Em escala global, temperatura, precipitação, número médio de anos escolares, Renda Nacional Bruta e investimentos em saúde não tiveram efeito significativo na fase exponencial da covid-19, sugerindo que o rápido espalhamento inicial da doença possa se comportar de maneira semelhante em diferentes países, apesar de diferenças nas condições climáticas e socioeconômicas. A importância dos países na rede global de transporte é a única variável com uma associação significativa com as taxas de crescimento da covid-19

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O estudo calculou as taxas de crescimento da doença causada pelo novo coronavírus em 44 países que registraram 100 ou mais casos e para os quais as séries temporais já tinham mais de 10 dias após esse centésimo caso. Os resultados foram relacionados às variáveis pesquisadas. Através de um modelo estatístico, foram considerados ainda logaritmos como o tamanho da população e o produto interno bruto de cada país.

Por outro lado, o fato de o Brasil ser um país relativamente bem conectado por voos internacionais na região da América do Sul e suas relações comerciais internacionais ajudam a explicar a taxa de crescimento exponencial verificada no país. Foram considerados nesse estudo informações de transportes da Open Flights, com dados de mais de 60 mil conexões entre mais de 7 mil aeroportos de todo o mundo. Em uma análise de dados em escala global, as taxas de crescimento foram observadas a partir dos número de novos casos diários de Covid-19 registrados pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle das Doenças (ECDC) e pela universidade Johns Hopkins.

Leia todas as reportagens da série #100diasdebalbúrdiafederal

Os pesquisadores apontam que, nestes primeiros meses de expansão da doença, os índices de contaminação variaram muito a nível global. “Em escala global, temperatura, precipitação, número médio de anos escolares, Renda Nacional Bruta e investimentos em saúde não tiveram efeito significativo na fase exponencial da covid-19, sugerindo que o rápido espalhamento inicial da doença possa se comportar de maneira semelhante em diferentes países, apesar de diferenças nas condições climáticas e socioeconômicas. A importância dos países na rede global de transporte é a única variável com uma associação significativa com as taxas de crescimento da covid-19”, afirma o estudo.

A pouca conexão com os países europeus e asiáticos também vem sendo apontada como um fator para os baixos índices de contaminação – até agora – por países da África. Os maiores índices de covid-19 no continente estão na África do Sul, maior economia da região e com mais conexões com outras partes do mundo, e nos países mediterrâneos, destinos turísticos de muitos europeus, como Egito, Marrocos, Argélia e Tunísia.

O Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, o mais movimentado da América do Sul, antes da pandemia: conexões aéreas decisivas na primeira fase, mas condições socioeconômicas devem influenciar num segundo momento (Rovena Rosa/Agência Brasil)

As condições climatológicas foram incorporadas à análise feita pelos pesquisadores a partir de dados das médias mensais de temperatura e precipitação pluviométrica referentes aos meses de dezembro de 2019 a março deste ano, obtidos através da WorldClim data base. Informações socioeconômicas foram consideradas a partir do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos países e de informações da Organização Mundial de Saúde (OMS).

[g1_quote author_name=”Ricardo Dobrovolski” author_description=”Pesquisador do Instituto de Biologia da UFBA” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

A ciência tem apontado para o isolamento social como medida para combater o avanço do vírus. A ciência é importante para entender o desconhecido. A pandemia é uma situação dessas

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As questões geográficas e os aspectos socioeconômicos também não demonstraram exercer grande impacto na fase inicial de crescimento da doença, constatou o trabalho científico. No entanto, conforme pondera Dobrovolski, os indicadores socioeconômicos, a exemplo das condições sanitárias, renda e investimento em saúde, deverão exercer um peso maior ao longo das fases seguintes de combate à pandemia, podendo influenciar nas estratégias de enfrentamento à doença – como, por exemplo, na capacidade de testar a população.

O pesquisador avalia que as decisões dos poderes públicos também são fundamentais nas etapas seguintes para conter as taxas de crescimento. Cita o exemplo da China, que tem conseguido controlar o número de novos casos com políticas de isolamento social, em contraste às situações vivenciadas na Itália, Espanha e Estados Unidos, que demoraram de adotar medidas de isolamento. “Essas medidas podem evitar maiores taxas de infectados, de mortes e o colapso dos sistemas de saúde”, adverte.

Dobrovolski aponta o papel fundamental da ciência para a tomada de decisões durante essa crise. “E a ciência tem apontado para o isolamento social como medida para combater o avanço do vírus”, diz ele, analisando que não é o momento para afrouxar as medidas de isolamento. “A ciência é importante para entender o desconhecido. A pandemia é uma situação dessas”, acrescenta.

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Edgard Digital é semanário online da Universidade Federal da Bahia que leva à comunidade as principais notícias relacionadas à UFBA. O nome do periódico é uma homenagem ao fundador e primeiro reitor da UFBA, Edgard Santos (1946-1961)

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