No mês de março passado, quando, no Brasil, tinha início uma série de medidas para evitar a transmissão da covid-19 e começava um longo período de distanciamento social, pesquisadores das áreas de psiquiatria e psicologia, em conjunto com colegas de outros campos do conhecimento, desenvolveram projetos e pesquisas para entender os efeitos dessas medidas na saúde mental da população. Na UFRGS, foram empreendidas algumas iniciativas próprias e em parceria com outras instituições, cujos resultados começam agora a ser divulgados.
Coordenada pela professora Adriane Ribeiro Rosa, a pesquisa Covid-19 Saúde mental: usando a tecnologia digital para avaliação das consequências da pandemia, realizada por um grupo multidisciplinar de pesquisadores do Laboratório de Psiquiatria Molecular da UFRGS e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, é o primeiro estudo brasileiro publicado em revista internacional (COVID-19 and mental health in Brazil: Psychiatric symptoms in the general population) mostrando que cerca de 80% da população sente-se mais ansiosa, 68% têm sintomas depressivos, 65% expressam sentimentos de raiva, 63% apresentam sintomas somáticos e cerca de 50% relatam alterações no sono.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosClique para acompanhar a cobertura completa do #Colabora sobre a pandemia do coronavírus
De acordo com a professora da UFRGS, o objetivo do estudo foi identificar a prevalência de sintomas psiquiátricos e os fatores associados a ela na população brasileira. Para isso, foi realizada pesquisa online entre os dias 20 de maio e 14 de julho, amplamente divulgada nas redes sociais, que teve a participação de 1.996 indivíduos. Os participantes responderam a um questionário que avaliou a presença de 13 tipos diferentes de transtornos psiquiátricos, a gravidade dos sintomas apresentados e outras variáveis de interesse, como informações sociodemográficas; histórico de doenças médicas e psiquiátricas; grau de conhecimento sobre a covid-19; atitudes e práticas de higiene; grau de funcionalidade durante a pandemia; e qualidade de vida.
Os resultados revelam que, em relação à gravidade, entre todos os participantes, 1.690 (84,7%) e 1.352 (67,7%) apresentaram sintomas moderados a graves de ansiedade e depressão, respectivamente. Os respondentes que apresentaram sintomas de transtorno do estresse pós-traumático foram 683 (34,2%). A professora Adriane Ribeiro Rosa acrescenta que o grupo de indivíduos mais suscetíveis a esses sintomas são mulheres, jovens, com menor escolaridade, menor renda e com histórico de doença psiquiátrica.
Comparando-se com estudos realizados em outros países, que apresentaram cerca de 30% dos participantes com sintomas de ansiedade e depressão, a pesquisa da UFRGS/HCPA mostrou uma grande discrepância, que, segundo os autores, pode ser explicada, em certa medida, pelas diferenças socioeconômicas e culturais das amostras. “Outro achado importante do presente estudo foi a forte associação entre menor nível educacional e suscetibilidade a sintomas de depressão, ansiedade e estresse. A esse respeito, um estudo recente realizado em cinco países diferentes da América Latina descobriu que bairros com maior nível educacional estavam associados a menores chances de transtornos de internalização e externalização”, afirmam os pesquisadores no artigo publicado na Science Direct.
Leia todas as reportagens da série #100diasdebalbúrdiafederal
Os autores concluem que os achados mostram a necessidade de que sejam oferecidas, nos sistemas público e privado de saúde, intervenções para tratamento dos problemas psiquiátricos, ressaltando que estas devem enfocar principalmente aqueles com diagnóstico psiquiátrico prévio, menor nível socioeducativo e mulheres jovens. “A alta prevalência de sintomas psiquiátricos presentes em nossa amostra indica que o impacto da pandemia na saúde mental deve ser considerado uma crise de saúde pública. A prevalência de ansiedade e depressão em nossa amostra foi muito maior do que os resultados de outros países”, destacam os autores do artigo.
Ideação suicida
Outra pesquisa cujos resultados devem ser publicados no início de 2021 é Impacto na saúde mental da pandemia por coronavírus (covid-19), coordenada pelo professor Ives Cavalcante Passos, da Faculdade de Medicina da UFRGS, e desenvolvida em parceria com outras instituições. Também realizada por meio de questionário eletrônico online, a pesquisa busca avaliar, entre outros aspectos, o impacto da pandemia e do distanciamento social na ideação suicida (pensamentos suicidas). Mestrando em Psiquiatria, Thyago Antonelli, orientando do professor Ives, explica que, para medir esse impacto, o primeiro estudo do projeto está analisando, de forma transversal e longitudinal , como fatores relacionados à diminuição da interação social estariam associados com variações das taxas de ideação suicida.
O estudo é composto por três ondas de avaliação. A primeira etapa ocorreu entre os dias 6 de maio e 6 de junho, com 8.105 participantes. Os respondentes que concordaram em participar das outras duas fases receberam um segundo questionário um mês após a primeira etapa, que teve 1.674 devoluções. A terceira onda ocorrerá entre os dias 6 de novembro e 6 de dezembro.
A interação social está sendo medida tanto por parâmetros objetivos de distanciamento físico – como número de dias em distanciamento social, morar sozinho e sair ou não de casa – como também pela sensação subjetiva de solidão utilizando-se a Escala UCLA de Solidão . Conforme Thyago, resultados preliminares mostram que morar sozinho, maior tempo de distanciamento social e, principalmente, a sensação de solidão são fatores de risco para ideação suicida na análise transversal da primeira etapa do estudo. Ele acrescenta que, na avaliação longitudinal, verificou-se que a sensação de solidão foi um significativo fator de risco para ideação suicida entre os participantes que desenvolveram ideação suicida entre as duas etapas de avaliação (casos incidentes). “Esses resultados nos apontam que, ao longo de um mês de seguimento, a sensação subjetiva de solidão parece ser mais importante como fator de risco do que medidas objetivas de distanciamento físico”, afirma o mestrando.
A expectativa é que nos próximos meses estejam disponíveis as conclusões da pesquisa, considerando os dados coletados na terceira onda. Possivelmente, trata-se de um estudo inédito no contexto da pandemia, que coletou dados em três momentos distintos. “A sensação subjetiva de solidão se mostrou como fator de risco para ideação suicida em diversos estudos internacionais prévios à atual pandemia, porém ainda não encontramos outros estudos que avaliem de forma longitudinal a solidão e o distanciamento social como fatores de risco para ideação suicida durante a pandemia de covid-19”, relata Thyago.
Além destes, outros estudos desenvolvidos por pesquisadores da UFRGS sobre temas relacionados às implicações da pandemia na saúde mental estão em fase de conclusão, e seus resultados serão divulgados em breve. Uma delas é Saúde mental parental e uso de mídias digitais por crianças pequenas: um estudo comparativo antes e durante a pandemia de covid-19, conduzida pelo Núcleo de Pesquisa e Intervenção em Famílias com Bebês e Crianças (Nufabe) da UFRGS.
Com o objetivo de investigar a saúde mental parental, a competência parental e o uso de mídias digitais por crianças brasileiras de 0 a 3 anos durante a pandemia, o estudo deu seguimento a outro projeto de pesquisa que já estava em andamento antes do surgimento da covid-19 no Brasil, intitulado Os bebês, as famílias e o uso das tecnologias: um estudo multimétodos para o desenvolvimento infantil. Com uma nova onda de coleta por meio de questionário online feita durante o período de distanciamento social, foi possível comparar os dados. A coordenadora do estudo, professora Giana Frizzo, adianta que resultados preliminares mostram um “salto de sofrimento das mães”, possivelmente causado por toda a situação de isolamento que a covid-19 impôs às famílias.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]A série #100diasdebalbúrdiafederal terminou, mas o #Colabora vai continuar publicando reportagens para deixar sempre bem claro que pesquisa não é balbúrdia.
[/g1_quote]