Efeitos colaterais na volta à escola

Nove conselhos para pais e professores em tempos de muito isolamento e pouca solidariedade social

Por Francisco Morales | ODS 4 • Publicada em 23 de setembro de 2020 - 10:10 • Atualizada em 29 de setembro de 2020 - 09:43

Professora usa parede para dar aula a alunos em vila na Índia: crianças fora da escola e sem acesso à merenda (Foto: AFP)

O debate está nas ruas e tem consumido grande parte do nosso tempo. Enquanto uns são a favor, outros são contra, e todos com mil argumentos que acham irrefutáveis. Estou me referindo à questão da volta à escola ou às aulas presenciais. Fala-se em ano jogado fora, estresse das famílias, perda de conteúdo, desinteresse dos estudantes e direitos lesados, num debate sem fim e sem aparente fácil solução. E assim, entre álcool gel, máscaras, confinamento, novos protocolos, propostas educacionais miraculosas e bastante desespero, os dias vão passando e o novelo não desenrola.

O retorno ao presencial exige, além de uma “nova infraestrutura física”, resposta aos enormes desafios educacionais, emocionais e psicológicos, tanto para alunos e famílias quanto para professores e equipes diretivas. Isso aumenta ainda mais, se cabe, a responsabilidade na capacidade de adaptação e resposta de todos os atores envolvidos nesse “novo tempo escolar”. A ONU defende uma volta às aulas presenciais escalonada, para evitar o que ela chama de uma “catástrofe geracional”, principalmente para os alunos mais pobres e com menos acesso à internet.

Trabalho de desinfecção em escola pública de Brasília: desafio pós-pandemia é evitar que sistema de ensino aumente a desigualdade (Foto: Evaristo Sá/AFP)
Trabalho de desinfecção em escola pública de Brasília: desafio pós-pandemia é evitar que sistema de ensino aumente a desigualdade (Foto: Evaristo Sá/AFP)

Destaco alguns tópicos que chamo de “efeitos colaterais”, efeitos que considero que devem ser saudáveis e reparadores para a atividade educativa, enormemente questionada e que busca, de maneira acelerada, desenhar o seu novo rosto. São como o reverso positivo da moeda e podem nos ajudar a dar uma cara boa a um rosto amargo.

  • Complexidade versus simplificação. A tentação da simplificação, fugindo de respostas mais elaboradas e completas, tem-nos levado a escolher políticos e dirigentes despreparados e irresponsáveis, que oferecem soluções fáceis e populistas. Segundo estudiosos, a simplificação é o maior perigo para a democracia, por em cima da violência, a ineficácia ou a corrupção. Não confunda simplificação com simplicidade. A essa última só consegue chegar quem entendeu a complexidade da sociedade.
  • Criticidade com as mídias. Ninguém duvida dos valores e benefícios das mídias sociais, mas já há suficientes elementos para se prevenir de certos males que elas provocam (alienação, manipulação, superficialismo, narcisismo). Aconselho que assista o documentário “The social dilemma”. Talvez você não perca o sono, mas ficará bem questionado. Para a maioria das mídias NÓS somos o produto, é uma das conclusões do mesmo.
  • Escute vozes diferentes das que sempre escutou. Leia outros livros, veja outros filmes, frequente outros ambientes, converse com outras pessoas. Se quiser chegar a novos lugares, você deverá abandonar os caminhos que sempre seguiu, pois as trilhas de sempre o levarão aos lugares de sempre.
  • Reveja seus conceitos de sucesso e fracasso e a ideia de meritocracia. São conceitos armadilha, que tem afastado mais do que estimulado, dividido mais do que somado, desorientado e justificado mais do que ajudado a construir uma sociedade mais igualitária e justa. Nessa teoria, sempre são poucos os privilegiados e a justificação do desastre coletivo é sempre o mérito. E muitas vezes a educação colabora para isso.
  • Promova a “solidariedade social”. Agora você entende que o distanciamento social sempre existiu e está consolidado e não o confunde com “isolamento social”. A aproximação social pela qual devemos lutar, deve de ser social mesmo, isto é, abranger todos os âmbitos da sociedade e das pessoas. Alargue a sua visão e leve isso para dentro da sua escola.
  • Pratique uma nova forma de olhar, mude a sua lógica. Enxergue o estresse dos seus alunos, da sua instituição, tenha um novo olhar sobre a política, o mundo, as relações, a natureza e o seu próprio corpo. Vigie as autolesões, a reatividade emocional ou a excessiva dependência dos familiares adultos, nos seus alunos.
  • Trabalhe o essencial. Os currículos e conteúdos escolares estão defasados e antiquados. O presente, com essa enxurrada de informações, pede um foco no essencial. Portugal, por exemplo, conseguiu, depois de emagrecer os conteúdos, reduzir significativamente a taxa de abandono escolar e tornar-se, pelos seus resultados em avaliações internacionais, um país modelo em educação. Tanto na escola quanto na sua vida, não seja um info-obeso e mantenha o foco no essencial. Nesse sentido, pode ajudar a leitura do livro “Essencialismo”, de Greg McKeown.
  • Cuide da vida e do emocional. Além da pressão acadêmica, os seus alunos vão precisar, e muito, de apoio emocional. Você tem que escutar e regular cada experiência individual. Cuide da sua saúde física e mental. Mantenha uma atitude e psicologia positivas. Trabalhe a sua resiliência e a dos seus alunos. O repasse dessa atitude aos seus estudantes é imediato e inconsciente, mas extremamente benéfico.
  • Facilite a participação dos seus alunos, através de múltiplas iniciativas e ferramentas ao seu alcance. Separação física não supõe falta de participação e aluno não deve ser sinônimo de passividade. Não foque tanto nas medidas higiênicas e sim nas pedagógicas e do envolvimento ativo das pessoas.

Enfim, enxergue a realidade com um olhar mais cordial do que catastrófico. Na pandemia, desenvolvemos novas habilidades, novos conhecimentos e atitudes que nos servirão para o resto das nossas vidas. A única forma de ter capacidade para resolver problemas e conectar diferentes campos da vida, é apropriar-se de conhecimentos profundos e experiências vitais, mesmo que traumáticas.

Seja firme! Mãos à obra!

Francisco Morales

É filósofo, teólogo, palestrante e consultor de diversas instituições de ensino. Foi Diretor do Colégio Santo Agostinho, em Belo Horizonte, por 20 anos. É fundador e coordenador do Grupo de Tecnologia e Inovação da ANEC-MG e sócio fundador da Dóxa Educacional.

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