ODS 1
Biocimento para tratar doenças ósseas
Pesquisa da UFC aponta que material, associado a anti-inflamatório, age na área afetada, possibilitando redução da dose de medicamentos e aumentando eficácia terapêutica
(Por Síria Mapurunga/UFC) – Diz a canção de Arnaldo Antunes que “a coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer”. Nada mais atual, porque, ao passo que aumenta a longevidade, crescem os estudos para tratar doenças, como os traumatismos provocados por acidentes e uma série de enfermidades dos ossos relacionadas à idade. Uma pesquisa desenvolvida no Laboratório de Biomateriais do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Universidade Federal do Ceará estudou a utilização de um biocimento com aplicação biológica, associado a um medicamento indicado para lesões no osso, como nos casos de artrite reumatoide, osteoartrite e artropatia do quadril. A ideia é que o material seja usado como enxerto, ou seja, na restauração ou substituição das partes danificadas do tecido ósseo.
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Trata-se da incorporação do anti-inflamatório indometacina no biocimento de beta fosfato tricálcico (β-TCP). O material obtido não apresentou toxicidade ao organismo, mostrou-se biocompatível (já que o próprio osso possui cálcio e fósforo em sua composição) e, por isso, é um forte candidato a futuras aplicações biomédicas. Até então, essa medicação não havia sido incorporada no β-TCP. Uma parte do estudo foi publicada na Revista Matéria, da UFRJ, e está em processo de submissão no International Journal of Biomaterials.
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[g1_quote author_name=”Suely Silva” author_description=”Pesquisadora do Laboratório de Biomateriais do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da UFC ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Na maioria dos casos, quando o paciente necessita de cirurgia, ele tem de esperar desinflamar aquele local, às vezes tomando caixas e caixas de medicamentos e sofrendo com os efeitos colaterais, para só depois ser submetido a um procedimento cirúrgico. Fazendo essa incorporação, pode-se, dependendo do caso, tratar a infecção e realizar a operação ao mesmo tempo
[/g1_quote]De acordo com Suely Silva, autora da tese de doutorado sobre o tema (com orientação do professor Ricardo Emilio), o biocimento agiria como um veículo (ou carreador) da indometacina no local da inflamação. A ideia foi avaliar a liberação controlada do medicamento no organismo, reduzindo a dose e, ao mesmo tempo, aumentando sua eficácia terapêutica. “Na maioria dos casos, quando o paciente necessita de cirurgia, ele tem de esperar desinflamar aquele local, às vezes tomando caixas e caixas de medicamentos e sofrendo com os efeitos colaterais, para só depois ser submetido a um procedimento cirúrgico. Fazendo essa incorporação, pode-se, dependendo do caso, tratar a infecção e realizar a operação ao mesmo tempo”, explica Suely.
A vantagem de um biomaterial como o beta fosfato tricálcico com relação ao enxerto ósseo do próprio paciente é que sua aplicação não sofreria as limitações de cada caso particular, como o estado do paciente, a localização e o tamanho do defeito. Além disso, poderia evitar novas intervenções cirúrgicas para a troca do material implantado.
Uma das explicações para a eficácia dos biocimentos produzidos a partir de biocerâmicas de fosfato de cálcio é que apresentam morfologia nanoestruturada, ou seja, têm a dimensão de alguns poucos átomos, organizados de forma a desempenhar uma função, por isso de grande potencial tecnológico e industrial. “Por apresentarem essa característica nanométrica, eles possuem uma área superficial elevada que favorece a liberação de íons de cálcio e fósforo para o meio biológico”, explica a pesquisadora.
A produção do biocimento de β-TCP envolveu várias etapas. A primeira delas foi a síntese do beta fosfato tricálcico, seguida de uma calcinação para torná-lo mais compacto ou denso. Depois, fez-se a análise química do pó para comprovar a obtenção do β-TCP e a prensagem do material com o objetivo de verificar sua resistência. Posteriormente, produziu-se o biocimento e, a partir daí, foi realizada a incorporação da indometacina, através da submersão do material no medicamento durante 24 horas. Depois, ocorreu o estudo da liberação, primeiramente em minutos, depois em horas até atingir também as 24 horas, para saber quanto de concentração seria liberado. “Ainda foram feitos estudos para verificar as características físico-químicas: se esse medicamento interferiu no biocimento, se não diminui a resistência do material; uma vez que a aplicação é para tecido ósseo, é importante que ele tenha certa resistência”, detalha Suely.
A importância do tempo de pega
Segundo a pesquisadora, a única interferência da indometacina ocorreu no período de endurecimento do biocimento, o chamado tempo de pega, mas ainda assim dentro da escala sugerida pela literatura. “Esse tempo nem pode ser muito rápido nem pode ser muito prolongado, porque é o período no qual a aplicação é feita ali no sistema”, justifica.
De acordo com o orientador, o professor Ricardo Emilio, o tempo de pega é importante para permitir a manipulação pelo profissional. “Se ele endurece rápido demais, não dá tempo de colocar, aplicar, espalhar. Se ele demora demais, você tem que ficar muito tempo ali com o paciente aberto. Então, tem um tempo recomendado pela literatura, de acordo com a prática médica, para garantir a viabilidade do procedimento.”
Ainda foi feita uma análise da citotoxicidade do β-TCP, indicando que não provoca danos ao organismo. “Embora a gente trabalhe com materiais como fosfato e cálcio, já presentes no corpo humano, é preciso fazer essa investigação, já que o material é produzido no laboratório. É de suma importância”, defende Suely. A ideia da autora é dar continuidade à pesquisa, realizando testes em animais, e ainda fazendo a incorporação da indometacina em um período superior às 24 horas para obter melhores resultados.
Os biocimentos são um tipo de biomaterial. Existe grande diversidade deles para uso odontológico e ortopédico, por exemplo. Há casos nos quais o próprio cimento utilizado na construção civil pode, com algumas modificações, ser aplicado no corpo humano, como no caso do cimento endodôntico para tratamento de canal com o objetivo de preencher dentes que foram obturados.
Atualmente, no Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, há duas linhas principais sobre a utilização dos materiais cerâmicos: uma usando resíduos industriais, voltada para a construção civil; e outra dedicada às aplicações biomédicas. “Avançando um pouco, nós estamos trabalhando agora também com biometais, ou seja, metais que nós poderíamos incorporar no corpo humano, sendo absorvidos, como o caso do magnésio”, explica Emilio.
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